O rito de batismo cristão atual segue a fórmula que Jesus teria dado após ter ressuscitado, como é muito conhecida: Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século. (JFA Mateus 28:19-20). Mas por que tal fórmula batismal só aparece neste versículo e em nenhum outro da Bíblia? Por que os discípulos não realizaram o batismo em nome da Trindade? Qual batismo é o correto na Bíblia e por que em Atos só vemos acontecendo o batismo em nome do Senhor Jesus?
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Qual é a contradição com o batismo em nome da Trindade, de Mateus 28:19?
Ora, para os leitores atenciosos da Bíblia, causa no mínimo um pouco de curiosidade tentar entender a razão pela qual Jesus teria mandado seus discípulos realizarem o batismo em nome da Trindade, mas no livro de Atos, embora sejam relatadas várias cenas de batismo, em nenhuma das vezes eles fazem da forma que seu Senhor mandou. Vamos conferir.
Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.
(JFA At 2:38)
porquanto não havia ainda descido sobre nenhum deles, mas somente haviam sido batizados em o nome do Senhor Jesus.
(JFA At 8:16)
E ordenou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Então, lhe pediram que permanecesse com eles por alguns dias.
(JFA At 10:48)
Eles, tendo ouvido isto, foram batizados em o nome do Senhor Jesus.
(JFA At 19:5)
E agora, por que te demoras? Levanta-te, recebe o batismo e lava os teus pecados, invocando o nome dele.
(JFA At 22:16)
Por que os discípulos não batizaram em nome da Trindade, conforme o Senhor teria lhes ordenado?
O comentário da Bíblia de Jerusalém, uma das mais respeitadas obras cristãs no que diz respeito à pesquisa acerca da redação do texto bíblico, traz a seguinte informação a respeito do batismo em nome da Trindade de Mateus 28:19:
É possível que, em sua forma precisa, essa fórmula reflita influência do uso litúrgico posteriormente fixado na comunidade primitiva. Sabe-se que o livro dos Atos fala em batizar “no nome de Jesus” (cf. At 1,5+; 2,38+). Mais tarde deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade. Quaisquer que tenham sido as variações nesse ponto, a realidade profunda permanece a mesma. O batismo une à pessoa de Jesus Salvador; ora, toda a sua obra salvadora procede do amor do Pai e se completa pela efusão do Espírito.
Ou seja, os pesquisadores da Bíblia de Jerusalém não deram provas, mas admitiram a possibilidade deste trecho neste versículo não serem as reais palavras que Jesus utilizou. O atual versículo refletiria uma forma de batismo que surgiu em comunidades que viveram posteriormente aos tempos bíblicos.
Na verdade, hoje sabemos que nenhum manuscrito bíblico anterior ao século 4 possui a versão do batismo trinitário.
Os manuscritos em grego (usados para traduzir as bíblias cristãs) do relato de Mateus existentes antes dessa época são:
- P1 (entre os anos 250-300, com fragmentos do cap. 1),
- P45 (aprox. ano 250; fragmentos dos caps. 20 e 21),
- P53 (contem fragmentos do cap. 26:29-40),
- P64 e P67 (séc. III, contendo trechos dos caps. 3, 5 e 26),
- P70 (fragmentos dos caps. 2, 3, 11, 12 e 24),
- P77 (início do séc. III, contendo o cap. 23:30-39),
- P104 (150-200, mede apenas 6-9 cm, contendo o cap. 21:34-37,43,45).
Os manuscritos do século 4 mais antigos que possuem este texto de Mateus com a versão do batismo em nome da Trindade são os códices Vaticanus e Sinaiticus. De acordo com as enciclopédias Britânica e Católica, ambos manuscritos foram produzidos entre os anos 337 e 361, muito provavelmente a pedido dos imperadores romanos que governavam na época. Eles deveriam compor a biblioteca de Constantinopla ou serem lidos nas igrejas dali já que, por este tempo, o cristianismo estava se tornando a religião oficial do império.
Na altura desses anos, desde o século anterior, estava em alta entre os líderes cristãos a discussão a respeito da divindade de Jesus e do Espírito Santo. Eles também discutiam se o Espírito seria realmente uma pessoa ou não. Essa discussão só foi resolvida entre muitos deles no decorrer do século 4, começando com o primeiro concílio que aconteceu em 325, na cidade de Niceia, e culminando com o de Tessalônica, por volta do ano 380.
Neste último, a decisão final foi tomada e o então imperador cristão Teodósio I decreta que todos os crentes seriam obrigados a acreditar que Deus é uma Trindade, como vemos abaixo:
De acordo com os ensinamentos apostólicos e a doutrina do Evangelho, que nós creiamos em uma só divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em igual majestade e em uma Santíssima Trindade.
Fonte: Histórias de Roma, o Édito de Tessalônica.
Nós autorizamos que os que obedecerem a essa lei assumam o título de Cristãos Católicos. Porém, para os outros, uma vez que em nossa opinião, são loucos tolos, nós decretamos que recebam o nome ignominioso de heréticos, os quais não deverão ter a presunção de dar aos seus conventículos o nome de igrejas. Eles irão sofrer em primeiro lugar o castigo da condenação divina e, em segundo lugar, a punição que a nossa autoridade, de acordo com a vontade do Céu, decidir infligir.
- Veja também: Deus é três pessoas? O que Jesus realmente ensinou?
De onde surgiu o batismo em nome da Trindade?
Embora nenhum manuscrito bíblico anterior ao século 4 contenha o batismo em nome da Trindade de Mateus 28:19, havia documentos que o mencionavam. Porém, eram instruções comunitárias (para uma comunidade específica), e não citações bíblicas em si. Um deles é o Didaquê, que se trata de um documento contendo um conjunto de regras e instruções comunitárias, redigido entre o final do 1° século e início do 2°. Ele diz assim, no capítulo 7:
No que diz respeito ao batismo, batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo em água corrente. Se não tens água corrente, batiza em outra água; se não puderes em água fria, faze-o em água quente. Na falta de uma e outra, derrama três vezes água sobre a cabeça em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Mas, antes do batismo, o que batiza e o que é batizado, e se outros puderem, observem um jejum; ao que é batizado, deverás impor um jejum de um ou dois dias.
Será que não é a este documento que a Bíblia de Jerusalém tentou se referir, quando disse que tal batismo em nome da Trindade surgiu em tempos posteriores aos eventos bíblicos, com a comunidade cristã primitiva?
Em contrapartida, 2 capítulos adiante, este mesmo documento também fala de batismo apenas em nome do Senhor, como lemos abaixo:
Ninguém coma nem beba de vossa Eucaristia, se não estiver batizado em Nome do Senhor. Pois a respeito dela disse o Senhor: “Não deis as coisas santas aos cães!”.
Justino de Roma, um apologeta cristão do século II, reproduz esta mesma forma de batismo trinitário ensinada no Didaquê para a comunidade da qual ele fazia parte, registrando as seguintes palavras:
“Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos, em primeiro lugar, para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração, com que também nós fomos regenerados, eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo.”
Patrística, Justino de Roma, I e II Apologia, Diálogo com Trifão, págs. 40-41 (61.2-3), Paulus Editora, 2ª Edição.
Depois destes, um homem chamado Taciano redigiu, por volta do ano 170, uma obra intitulada Diatessaron, onde unificou os 4 relatos (evangelhos) em um volume só, em aramaico ou siríaco, e ali ele também relatou que o Senhor teria dito as palavras que atualmente encontramos nas traduções bíblicas mais comuns (“batizando em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”).
Taciano foi um convertido ao cristianismo e estudou com o próprio Justino, mencionado acima. Ou seja, ele teve contato com a fórmula batismal trinitária da comunidade cristã primitiva, e talvez por isso a tenha trazido à sua obra.
- Veja também: Cristianismo; o que é, quem criou, como surgiu?
Existe uma “versão verdadeira” ou “original” do texto de Mateus 28:19? Se sim, onde ela está?
Não obstante a estas três obras anteriores ao século 4 que citam o batismo em nome da Trindade, verificamos os registros do historiador Eusébio de Cesareia, também anteriores a este século. Seus escritos contam uma versão diferente do batismo do Senhor.
Enquanto os outros mencionaram instruções comunitárias específicas para se batizar em nome da Trindade, Eusébio, por outro lado, faz citações diretas àquela cena mencionada em Mateus 28:19, onde claramente afirma que o Senhor, na verdade, usou outras palavras quando falou com seus discípulos. Vamos conferir algumas dessas menções feitas por ele:
Mas os outros apóstolos que eram perseguidos de várias maneiras, no intuito de destruí-los, foram expulsos da terra de Judéia e seguiram caminho pregando o evangelho a todas as nações, confiando no socorro de Cristo, que disse: “Ide e ensinai todas as nações em meu nome”.
Eusébio de Cesareia. História Eclesiástica, pág. 82. CPAD. Edição do Kindle.
Mas, como esses assassinos dos apóstolos foram levados na redução (da cidade), e sofreram o castigo que mereciam, não é necessário dizer, pois as coisas que foram feitas a eles podem ser facilmente encontradas no registro dos romanos por Flávio Josefo.
Eusébio de Cesareia, Teophania, Livro 4.16.
Após a matança destes, portanto, e a redução da metrópole de seu reino, eles – que restaram daqueles servos que primeiro ouviram dizer por seu Senhor: “Os primeiros chamados não eram dignos; mas saí nos caminhos e veredas, e todos que encontrardes, chamai para a festa” – cumpriu até mesmo a coisa ordenada.
Nosso Salvador disse a eles, portanto, depois de Sua ressurreição: “Ide e fazei discípulos de todas as nações em meu nome“…
Sou novamente compelido a recorrer à questão de (sua) causa, e confessar que eles (os discípulos) não poderiam ter empreendido este empreendimento de outra forma, a não ser por um poder divino que excede o do homem, e pela assistência dEle. que lhes disse: “Ide, e fazei discípulos de todas as nações em meu nome“.
Eusébio de Cesareia, Teophania, Livro 5.49.
E, quando Ele disse isso a eles, Ele anexou a isso a promessa, pela qual eles deveriam ser tão encorajados, tão prontamente a se entregarem às coisas ordenadas. Pois Ele lhes disse: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo“.
Com uma palavra e voz Ele disse aos Seus discípulos: “Ide, e fazei discípulos de todas as nações em Meu Nome, ensinando-os a guardar todas as coisas que Eu vos ordenei,” e Ele juntou o efeito à Sua Palavra; e em pouco tempo toda raça de gregos e bárbaros estava sendo levada ao discipulado,
Eusébio de Cesareia, Demostratio Evangelica, Livro 3, cap. 6.
E uma vez que a Palavra predisse que o profeta seria levantado para eles da circuncisão, nosso Senhor e Salvador, sendo Ele mesmo o predito, corretamente disse: “Não vim senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Eusébio de Cesareia, Demostratio Evangelica, Livro 4, cap. 11.
E ordenou aos seus apóstolos, dizendo: “Não entreis pelo caminho dos gentios, e em nenhuma cidade dos samaritanos não entreis, mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel”; mostrando claramente que Ele foi enviado principalmente a eles como a profecia exigia.
Mas quando eles não quiseram receber Sua graça, Ele os repreendeu em outro lugar, dizendo: “Porque eu vim, e não havia ninguém, chamei e não havia quem ouvisse”. E Ele lhes diz: “O reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos.”
E Ele ordena a Seus próprios discípulos após sua rejeição: “Ide e fazei discípulos de todas as nações em meu nome”.
Pois Ele não os ordenou simples e indefinidamente fazer discípulos de todas as nações, mas com a necessária adição de “em meu nome“.
Eusébio de Cesareia, Demostratio Evangelica, Livro 3, cap. 7.
E o poder de Seu Nome sendo tão grande, que o apóstolo diz: “Deus lhe deu um nome que está acima de todo nome, para que em nome de Jesus se dobre todo joelho, tanto das coisas do céu como da terra, e coisas debaixo da terra”,
Ele mostrou a virtude do poder em Seu Nome escondido da multidão quando Ele disse aos Seus discípulos: “Ide, e fazei discípulos de todas as nações em Meu Nome.”
Mas quando eu desvio meus olhos para a evidência do poder da Palavra, que multidões ela conquistou e que igrejas enormes foram fundadas por aqueles discípulos iletrados e mesquinhos de Jesus, não em lugares obscuros e desconhecidos, mas nas cidades mais nobres; quero dizer na Roma Real, em Alexandria e Antioquia, em todo o Egito e Líbia, Europa e Ásia, e em aldeias e lugares do país e entre as nações. Sou irresistivelmente forçado a refazer meus passos e procurar sua causa, e confessar que eles só poderiam ter tido sucesso em sua ousada aventura, por um poder mais divino e mais forte que o do homem, e pela cooperação daquele que disse-lhes: “Fazei discípulos de todas as nações em meu nome“.
Eusébio de Cesareia, Demostratio Evangelica, Livro 3, cap. 7.
Ora, os relatos de Eusébio estão nitidamente em melhor concordância com as menções de batismo no livro dos Atos e com o próprio contexto histórico bíblico em si.
E como se não bastasse essas evidências claras de um texto que pode ser o verdadeiro texto perdido do relato de Mateus, Jerônimo, um padre que traduziu a Bíblia para o latim no século 4, menciona que o manuscrito original hebraico/aramaico do relato de Mateus encontrava-se ainda em seu tempo na biblioteca de Cesareia, onde Eusébio estudou. Ele diz o seguinte:
No Evangelho segundo os Hebreus, que está escrito na língua caldeu e síria, mas em caracteres hebraicos, e é usado pelos nazarenos até hoje (refiro-me ao Evangelho segundo os Apóstolos, ou, como geralmente se sustenta, o Evangelho segundo Mateus, cuja cópia está na biblioteca de Cesareia) …
Jerônimo, Against the Pelagians (Book III.2); fonte: New Advent.
De acordo com o historiador católico Frei Dagoberto Romag, em sua obra História da Igreja – A Antiguidade Cristã, a ordem do batismo escrita em Mateus 28:19 (o batismo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo), saiu da pena de Tertuliano no ano 197. Outros sínodos como o de 255, em Cartago (cidade do Tertuliano) presidido por Cipriano, o de 313 e o próprio concílio de Niceia, apoiaram o batismo trinitário.
Neste caso, podemos concluir o que a Bíblia de Jerusalém de fato sugeriu: que o atual texto de Mateus 28:19 presente nas traduções bíblicas mais comuns não reflete as reais palavras do Senhor acerca do batismo.
Pelo contrário, esta forma de batismo em nome da Trindade surgiu à partir da crença de certos pais da igreja entre o final do 1º século e início do 2º. Tratava-se de uma instrução batismal para a comunidade deles. Gradativamente, à partir do final do 2º século, tal fórmula batismal foi adicionada aos manuscritos bíblicos, sendo Tertuliano de Cartago o pai dessa introdução, já que muito tentou explicar a Trindade em seus escritos também.
Vale ainda lembrar que, por volta do ano 303 (início do século 4), o imperador Romano Diocleciano ordenou a destruição de muitos manuscritos. Logo, neste mesmo século, novos manuscritos precisaram ser criados, e isso pode ter contribuído com a introdução do texto batismal do Didaquê nos manuscritos bíblicos em grego (os manuscritos aramaicos que remontam aos séculos 2 e 3 não possuem o texto final de Mateus 28:19 – Peshitta Sinaitica e Curetoniana).
Por fim, qual é o verdadeiro texto de Mateus 28:19?
Além deste panorama histórico, o próprio livro dos Atos dos apóstolos testemunha de que o batismo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo não são as reais palavras que Jesus teria dito aos seus discípulos (vide At 8:16, 10:48, 19:5 etc.).
Portanto, mediante a todas essas evidências textuais históricas e bíblicas, a controvérsia que foi a doutrina da Trindade nos séculos 2, 3 e até no decorrer do século 4 no cristianismo (as comunidades judaicas que, desde aquele tempo, creem até hoje em Yeshua, nunca apoiaram essa doutrina), a confissão da Bíblia de Jerusalém e dentre outras alegações não trazidas aqui desta vez, temos motivos para acreditar que, de fato, e infelizmente, o atual texto de Mateus 28:19 nas bíblias comuns, proveniente dos manuscritos gregos posteriores ao século 4, não reflete as verdadeiras palavras ditas pelo Salvador.
- Leia também: Shemá Israel e a Doutrina da Trindade.
Enquanto isso, as várias citações diretas de Eusébio de Cesareia a este texto, e a concordância de outros autores de que a biblioteca onde ele estudou (destruída no século 7) continha uma cópia do manuscrito original de Mateus (escrito em aramaico ou hebraico), nos levam a confiar que o Senhor, na verdade, disse aos seus discípulos: “Vão, façam discípulos de todas as nações em meu nome.”; e isto concorda com o contexto histórico bíblico também.
E como se não bastasse, outros textos bíblicos comprovam que o batismo era feito no nome de um indivíduo só, como 1Co 1:13-15, Rm 6:3 e Gl 3:27.
Ou seja, não há sustentação na própria Bíblia para o batismo em nome da Trindade; o atual texto de Mateus 28:19 encontra-se sozinho em contradição com vários outros versículos.
Mas será que uma modificação como essa pode realmente ter acontecido com o texto da Bíblia Sagrada?
Essa é uma realidade difícil de se digerir, de fato. Mas (infelizmente) posso dar como prova de que isso realmente aconteceu, mostrando a situação de um outro texto encontrado em certas bíblias que tem a mesma temática, a doutrina da Trindade.
Este texto se tornou muito popular na idade moderna, sendo reproduzido nas consagradas bíblias King James (BKJ), Almeida Revista e Corrigida (ARC) e Almeida Corrigida Fiel (ACF). Eu me refiro ao texto adicional encontrado nos versículos de 1ª João 5:7-8, presente nessas três traduções bíblicas (e dentre outras), como se segue:
Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam na terra: o Espírito, e a água e o sangue; e estes três concordam num.
(ACF’11 1Jo 5:7-8)
Agora, comparando estes mesmos versículos em bíblias modernas, como a Nova Versão Internacional (NVI), Nova Almeida Atualizada (NAA), Tradução Brasileira (TB), Bíblia de Jerusalém (BDJ) e tantas outras, ele se encontra assim:
Há três que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue; e os três são unânimes.
(NVI 1Jo 5:7-8)
Se você tiver essas traduções bíblicas impressas em casa, pode comparar por si mesmo; ou utilizar um aplicativo de celular para isso.
Uma diferença “gritante” como essa não é simplesmente de se ignorar, não é mesmo?! O que aconteceu com este texto? Por que os editores das bíblias modernas o removeram? Precisamos explicar isso!
Neste caso, o referido trecho adicional sugestivo à Trindade, encontra-se em apenas 6 ou 7 manuscritos gregos, contra cerca de 550 que não o possuem.
E todos aqueles são posteriores ao século 12, tendo sido herdados de uma versão latina da Bíblia, do século 6, embora a Bíblia completa em latim tenha sido escrita no século 4, pelo padre Jerônimo.
A Bíblia de Jerusalém explica isso em comentário, também a NVI e mais ainda o aparato crítico do dr. Wilbur Pickering, um erudito do texto bíblico em grego, que dá até os nomes dos manuscritos que contém o trecho adicional. Embora seja um cristão que normalmente acredita na doutrina da Trindade, por ser um pesquisador acerca da redação do texto bíblico, ele explica que este trecho adicional de 1 João 5:7-8 alusivo à Trindade presente na BKJ, ARC e ACF, não são originais.
Ou seja, aquelas palavras são claramente uma adição e não fazem parte das palavras originais ditas por João em sua carta. Há provas históricas de que essas palavras foram inseridas de maneira forçada no texto bíblico a partir da 2ª e 3ª edições do Textus Receptus, que é o texto bíblico em grego no qual as bíblias King James, ARC e ACF tomaram como base para sua tradução. Mas, como esse não é o objeto de nosso estudo agora, não vou me alongar nisso. Você poder ler um estudo específico que escrevemos aqui no Blog Bíblia se Ensina acerca dessa adição de 1 João 5:7-8 para saber mais detalhes.
Mas como pode ter sido a Bíblia alterada?
Na verdade, até mesmo Moisés alertou aos israelitas que não acrescentassem nem retirassem nada do que ele lhes dizia (Dt 4:2, 12:32). Ou seja, para ele dizer isso, é porque havia possibilidade de modificação do conteúdo de suas palavras! Mas o ser humano deveria se manter fiel na transmissão e preservação delas (cf. Dt 6:6-7).
No livro da Revelação (Ap) 22:18-19, vemos refletidas as mesmas palavras de Moisés acerca da preservação do texto bíblico. Aqui lemos que alguém poderia até retirar ou acrescentar palavras deste livro, no entanto sofreria os danos descritos nele também.
Mas como sabemos, então, até onde a Bíblia é confiável? Como saberemos se seu conteúdo foi mais modificado do que isso ou não? Em quais textos podemos confiar?
Podemos identificar essas modificações através das evidências textuais históricas já conhecidas, especialmente com a ajuda da crítica textual, até certo ponto.
O Mestre, portanto, ensina seus discípulos a realizarem o ritual de imersão nas águas em seu nome quando ainda estava em vida, basta ver João 3:22,26 e 4:1-2.
Com o fim do ministério de João, o imersor, aqueles que eram imergidos por João no batismo de João, passaram a ser imergidos no batismo de Jesus, em nome de Yeshua/Jesus e pelos discípulos de Jesus (vide Atos 19:3-5).
Portanto, aqueles que têm autoridade para batizar e introduzir pessoas na comunidade de discípulos do Messias Yeshua são os sucessores dessa comunidade, que são líderes israelitas/judeus, como o próprio Paulo e Barnabé eram (At 4:36, 21:39, 22:3, 26:4-7). Porque eles tanto continuaram a conservar a identidade bíblica sob a prática correta dos mandamentos divinos, sendo obedientes a Deus, quanto conservam o rito de batismo original do Senhor; pois a comunidade de discípulos do Senhor continuou a ser judaica, isto é, bíblica, preservadora da identidade bíblica que Deus deu ao Seu povo na Torá, basta ver Atos 24:14, 21:20-24,26, 28:17 etc.
E isso não poderia ser diferente, porque os discípulos do Senhor continuavam reconhecendo que a autoridade de ensino das Escrituras, bem como as alianças divinas, as promessas e etc., foram dadas ao povo de Israel, conforme lemos em Romanos 9:4, por exemplo. E eles não motivaram a separação dos gentios (não-judeus) para com o povo de Israel, nem defendiam a criação de uma nova religião ou diziam que um novo povo foi levantado em lugar dos israelitas; na verdade, é muito pelo contrário disso, basta ler Romanos 11:1-5, 16-18, Efésios 2:11-13 etc. E os gentios do 1° século respeitavam tudo isso. De fato, eles estavam unidos e submetidos ao povo de Israel no aprendizado das Escrituras e no serviço a Deus, basta ver Atos 11:19-26, 15:19-21. E por que nós também não deveríamos estar? (cf. Zc 8:20-23).
Ora, os sucessores judeus destes apóstolos, embora sob opressão e perseguição, sempre existiram no decurso da história, ficando conhecidos como “os nazarenos” (dentre outros nomes). Isso nós relatamos aqui no Blog Bíblia se Ensina, no estudo sobre a “seita dos nazarenos”.
Felizmente, hoje em dia podemos ter acesso a vários destes sucessores através dos judeus netzarim (nazarenos), especialmente com o uso da internet. E, através deles, é possível conhecermos a verdadeira experiência de rito batismal que os próprios apóstolos do Salvador praticavam, seguindo a verdadeira doutrina bíblica do Messias.
Por aqui, temos estudado as Escrituras online com a Comunidade Judaica Netzarim do Pará.
2 Comments
No texto majoritário e família 35 se encontra essa forma batismal, além de que nenhum dos exemplos que você mencionou de pais da igreja menciona sequer a palavra batismo, o que nos indica que eles não mencionaram o verso completamente
Sim, e qual a diferença ? Quem vai para o céu, quem batiza segundo o Evangelho de Marcos ou segundo Atos? Ou quem vive sem avareza, esperando que somente pela Graça há salvação?