A seita dos nazarenos: quem foram eles na Bíblia e na história?

Gravura de Jesus e os doze apóstolos simbolizando a seita dos nazarenos mencionada em Atos 24 5

O texto de Atos 24:5 revela algo não tão notado por muitos leitores da Bíblia. Este versículo diz o seguinte: Temos achado que este homem é uma peste, e promotor de sedições entre todos os judeus, por todo o mundo; e o principal defensor da seita dos nazarenos” (Atos 24:5 Almeida Corrigida Fiel). Afinal de contas, o que realmente é essa “seita dos nazarenos”, da qual o chamado “apóstolo Paulo” fazia parte? Eles representavam um novo partido religioso judaico ou uma nova religião apartada do judaísmo (isto é, da vida bíblica que Deus deu a Israel), como muitos creem hoje em dia? Onde estiveram eles ao longo da história?

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Quem eram os “Nazarenos” na Bíblia.

No texto em grego dos Escritos Nazarenos (os escritos dos discípulos do mestre Yeshua), em Atos 24:5, consta a palavra Ναζωραιος (Nazoraios) (G3480), comumente traduzida por “nazareno“. Esta tornou-se o adjetivo pátrio/apelido de Yeshua (Jesus), e também aparece nos textos de Mt 2:23, 26:71, Mc 10:47, Lc 18:37, 24:19, Jo 18:5,7, 19:19, Atos 2:22, 3:6, 4:10, 6:14, 22:8, e 26:9.

É, naturalmente, por isso que seus discípulos também foram apelidados de “os nazarenos“, ou “a orientação dos nazarenos“, de acordo com o texto em aramaico (a palavra “seita” é usada fora do verdadeiro sentido que o texto original quer dizer, porque tratava-se de uma escola de discípulos; a palavra “seita” é latina, e não aramaica (o idioma em que Jesus se comunicava com seus discípulos), e o conceito de seita como um grupo religioso dissidente e pagão surge somente anos depois, com os ensinamentos dos pais da igreja cristã. Veja o significado de “seita” no site Significados.com.br para mais detalhes.).

Ora, o adjetivo nazaraios é proveniente do nome da cidade de Nazaré, no grego Ναζαρεθ (Nazareth) (G3478), e significa “o que é guardado”.

Cidade de Nazaré em Israel nos dias atuais.
Cidade de Nazaré em Israel nos dias atuais.

O nome da cidade tem esse significado por causa de sua origem hebraica.

Nazareno no original hebraico.

A palavra “nazareno” vem do hebraico “netzer“, localizado no texto de Isaías 11:1, como veremos abaixo. Este texto se refere a uma profecia de um descendente do rei Davi que herdaria seu trono e seria o líder do povo de Israel.

וְיָצָא חֹטֶר מִגֵּזַע יִשָׁי וְנֵצֶר מִשָּׁרָשָׁיו יִפְרֶה

veyatsa’ hoter migeza’ yishay venetser misharashayn yif’reh
E sairá um rebento (vara/ramo/broto) do tronco de Yishai (Jessé), e o ramo de sua raiz dará fruto.

Esse ramo/broto também tem o sentido de remanescente, ou seja, um restante, que sobrevive, cuja existência permanece; sobrevivente, etc.

A palavra נֵצֶר (netser ou netzer) (H5342) tem sua raiz na palavra נָצַר (natsar), que quer dizer guardar, observar, vigiar, manter, cuidar, preservar, guardar com fidelidade (H5341); ela aparece com este sentido em textos como Êx 34:7, Dt 32:10, 33:9, Sl 25:10,21, 31:23, 32:7 etc.

Só com este conhecimento básico da língua original das Escrituras, nós já conseguimos identificar falsos ensinamentos disseminados hoje em dia pelo mundo, a respeito do Messias e de seus discípulos. Porque se ele (e eles) seria chamado “nazareno”, de acordo com a profecia (Mt 2:23), então isto quer dizer que ele (e consequentemente sua escola de discípulos) é o guardião, mantenedor, preservador das coisas divinas, como Suas leis, princípios, mandamentos e ensinamentos. Logo, essa estória que dizem por aí de que o Messias aboliu a Lei de Deus com suas ordenanças e costumes, é uma interpretação infundada e distorcida da verdade, que inclusive cria uma versão falsificada do verdadeiro Messias da Bíblia.

Para confirmar o dito acima, basta ler o texto de Mateus 5:17-19 na Bíblia NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje), por exemplo, que, por mais que seja uma paráfrase e não exatamente uma tradução, se saiu melhor que as outras traduções bíblicas tidas como fiéis neste trecho (para vergonha dos tradutores eu digo), pois usou uma linguagem clara e não confusa, e atingiu quase que exatamente o que o texto original diz. Além disso, acerca dos discípulos do Messias, podemos ler os textos de Atos 21:19-24 e 24:14, por exemplo, que descrevem como que eles se mantiveram fiéis à Lei Divina, e por isso jamais foram os formadores de uma certa “religião nova“, que por sinal pôs em desprezo vários mandamentos santos de Deus para Seu povo.

O plural de netzer, netzarim (nazarenos), aparece nas Escrituras dos profetas como referência profética aos judeus remanescentes que clamarão pelo retorno a Deus, veja Jr 31:6 e Is 49:6, por exemplo.

O termo netzarim foi utilizado no 1º século de nossa era para classificar os judeus, como os discípulos diretos do mestre Yeshua, também os gentios (não-judeus) que se uniram a eles; haja vista que eram os outros judeus que os chamavam de “seita (orientação/escola) dos nazarenos” (cf. At 24:1+). O movimento deles, naturalmente, visava chamar o povo israelita de volta para Deus e suas leis, através da mensagem do Messias Yeshua, bem como chamar as nações (os gentios) a retornarem às leis de Deus para eles (veja At 13:24-33, 15:19-21).

Então, o termo netzarim (nazarenos) se conservou no mundo semítico (ex.: judaico) para designar uma fé Israelita-bíblica pura. Porém, mais tarde, os discípulos foram chamados no mundo gentio (estrangeiro) de “os do ungido”, isto é, na língua greco-latina, Ξριστιανος (Christianos), ou “cristãos” nas traduções bíblicas em português (vide Atos 11:26). E, tempos depois, os pais da Igreja se apropriaram deste nome para fundar uma nova religião (como veremos adiante), que veio a ser a oficial da Igreja imperial romana no século 4, e a maior religião do mundo atual.

A “seita dos nazarenos”, uma profecia para o povo de Deus.

“וְ עַמֵּךְ כֻּלָּם צַדִּיקִים לְ עֹולָם יִירְשׁוּ אָרֶץ נֵצֶר מטעו מַטָּעַי מַעֲשֵׂה יָדַי לְ הִתְפָּאֵר ׃”

ve amekh kulam tsadiqim le ‘ovlam yir’shu ‘arets netzer mot’v mataay ma’aseh yaday le hith’pa’er
E todos do teu povo serão justos, para sempre herdarão a terra, [serão] brotos/ramos plantados, trabalho da minha mão, para minha glória. (Isaías 60:21, tradução livre)

Como podemos conferir com todas essas informações, a palavra “nazareno” (netzari) designa mais do que um adjetivo pátrio do rabi Yeshua, chamado “Jesus” no mundo ocidental. Essa palavra está envolvida em diversas profecias acerca do povo de Deus, e designa aqueles que são os protetores, mantenedores da aliança divina e que, naturalmente, tem Yeshua como o Messias (Ungido) de Deus para liderar seu povo.

Portanto, o grupo de discípulos deste mestre judeu faz parte de um cumprimento profético das Escrituras Sagradas, inicialmente para o povo de Israel. Eles (os discípulos judeus) sempre existiram ao longo da história, embora muitos desconhecem isso e continuam até hoje acreditando que, na verdade, eles abandonaram o judaísmo bíblico e fundaram uma nova religião. Ou, se permaneceram no judaísmo bíblico, deixaram de existir depois da destruição de Jerusalém no ano 70, abrindo então espaço para a Igreja Cristã. Mas, o que muitos não consideram ou desconhecem, é que os próprios historiadores cristãos os mencionaram e descreveram ao longo da história, o que veremos ao longo desta pesquisa.

Naturalmente, um povo tão perseguido ao longo do tempo não teve oportunidade de se desenvolver tanto, pois, junto com o restante do povo de Israel, foram sufocados pelas perseguições dos primeiros séculos da era comum, desde a destruição do templo de Jerusalém no ano 70, como mencionei, e depois de outras formas, das quais mencionarei algumas no decorrer deste texto.

Os nazarenos ao longo da história.

O padre Jerônimo (347-420) fez algumas menções aos nazarenos. Em uma delas, ele os descreve da seguinte forma:

Os Nazarenos, que recebem o Cristo de tal forma que não deixam de lado a observância da lei antiga, interpretam as duas casas como as duas famílias de Simei e Hillel.

St. Jerome Commentary on Isaiah, pág. 164. The Newman Press, Copyright 2015, by Thomas P. Scheck

Como vemos, Jerônimo testemunha que a chamada “seita dos nazarenos”, presente em sua época, acreditava no Messias, mas não abandonaram a maneira de viver determinada pelas Escrituras Sagradas ao povo eleito (Israel).

Embora alguns acreditem que tais nazarenos compunham uma “seita” do 2º século, eles são perfeitamente descritíveis com os discípulos de Jesus/Yeshua na Bíblia. Vejamos, portanto, algumas características bíblicas que eles conservavam, mas que foram abandonadas pelas religiões que alegaram ser seguidoras do Messias ao longo da história (bem como hoje em dia).

  • Eles continuaram participando das festas bíblicas, que era ordenança de Deus para seu povo, vide Atos 2:1, 18:21 (na ACF ou BKJ), 20:16; 1Co 5:7-8; cf. Êx 23:14-17.
  • Os discípulos também continuaram a se reunir no dia de sábado, o dia que Deus santificara desde a criação do mundo, para orar e estudar as Escrituras, veja Atos 13:14-1516:1317:1-2,10-11 etc.
  • Eles também continuaram a repousar no dia de sábado, conforme o mandamento bíblico, cf. Lc 23:54-56.
  • Continuaram mantendo as dietas bíblicas alimentares, vide Atos 10:10-14.

Veremos outros detalhes mais adiante.

Ora, notamos que os nazarenos mencionados por Jerônimo, no século 4, tinham características semelhantes às dos discípulos do Salvador, e que estes discípulos, por sua vez, não abandonaram os costumes que Deus deu ao Seu povo, Israel, em Sua Lei, como muitos imaginam.

Em suma, temos aqui um relato da sobrevivência da comunidade judaica de discípulos do Messias, a chamada seita dos nazarenos, até o 4º século, pelo menos. Porém há mais relatos.

Então, o grupo primitivo de discípulos jamais se desfizeram dos mandamentos de Deus para o Seu povo, isto é, a Lei de Moisés, bem como aqueles seguidores relatados posteriormente. O que acontece é que, com a diáspora judaica depois do cerco de Jerusalém, no ano 70, a crescente pregação dos pais da Igreja, ou seja, as interpretações bíblicas deles, foi ganhando força, e com isso muitos adeptos dentre os gentios (nas nações). Eles se apropriaram dos escritos bíblicos e construíram sua própria base doutrinária com eles.

Dessa forma, com a força da mensagem religiosa e o enfraquecimento das comunidades judaicas, que estavam sob perseguição, o mundo foi gradativamente acreditando que os discípulos de Jesus/Yeshua, na verdade, estavam compondo uma nova religião, que inclusive se divorciara dos costumes da Lei de Moisés (de Deus). Todavia, foram os pais da igreja que introduziram tais interpretações no mundo, e confessaram abertamente terem abandonado diversos costumes e mandamentos da Lei Divina. Isso foi transmitido ao mundo ocidental ao longo dos séculos através de uma religião padrão, aquela que recebeu forma final nos concílios dos bispos e imperadores de Roma, ao longo do século 4 principalmente.

Mas vamos adiante nos demais relatos históricos acerca da chamada “seita dos nazarenos” (i.e. os judeus netzarim).

Epifânio de Salamina (320-403) também descreve os Nazarenos em sua antiga obra, Panarion:

Mas esses mesmos sectários que estou discutindo aqui desconsideraram o nome de Jesus, e nem se autodenominaram jessianos, mantiveram o nome de judeus, nem se autodenominavam cristãos – mas “nazarenos”, supostamente devido ao nome do lugar “Nazaré”. Mas eles são judeus em todos os sentidos e nada mais.
Eles usam não apenas o Novo Testamento, mas também o Antigo Testamento, como fazem os judeus. Pois eles não repudiam a legislação, os profetas e os livros que são chamados de Escritos pelos judeus e por eles próprios.

Eles não têm pontos de vista diferentes, mas confessam tudo em pleno acordo com a doutrina da Lei e como os judeus, exceto que são supostamente crentes no Cristo. Pois eles reconhecem tanto a ressurreição dos mortos como que todas as coisas foram criadas por Deus, e declaram que Deus é um e que seu Filho é Jesus, o Cristo.
Eles são perfeitamente versados na língua hebraica, pois toda a Lei, os profetas e os chamados Escritos – quero dizer, os livros poéticos, Reis, Crônicas, Ester e todo o resto – são lidos em hebraico entre eles, como é claro, eles estão entre os judeus.
Eles são diferentes dos Judeus, e diferentes dos Cristãos, apenas nos seguintes aspectos: Eles discordam dos Judeus por causa da sua crença no Cristo; mas eles não estão de acordo com os cristãos porque ainda estão agrilhoados pela Lei – a circuncisão, o sábado e o resto.

The Panarion of Epiphanius of Salamis, Book I, Second Edition, Brill, Leiden Boston 2009. Págs. 170-171.

Algumas características que o Epifânio dá acerca dos judeus nazarenos são interessantes e corroboram com o que o livro bíblico dos Atos fala acerca da comunidade de discípulos de Yeshua.

Por exemplo, ele diz que eles confessam tudo de acordo com a doutrina da Lei (Torá, a Lei de Moisés/de Deus). O próprio Paulo diz isso claramente em Atos 24:14, ou seja, a comunidade/escola de discípulos que ele fazia parte vivia em total concordância e harmonia com a Torá de Deus.

Logo, se algum grupo religioso alega que são discípulos do Messias Yeshua, mas não tem um modelo de vida em conformidade com a Lei de Deus, então identifica-se como um falso grupo. Sem falta, os cristãos do grupo de Epifânio estavam dentre estes, pois ele mesmo alega, no final deste trecho acima, que os nazarenos não estavam de acordo com os cristãos por ainda estarem “agrilhoados” pela Lei (em contraste dos cristãos de seu tempo).

Isso não deveria ser de se espantar, pois o próprio Mestre de Nazaré havia dito que muitos surgiriam em seu nome, alegando serem seus discípulos ou representá-lo, no entanto não passariam de falsos representantes ou falsos movimentos de discípulos, basta ler suas palavras no texto de Mt 7:21-23.

No referido texto bíblico acima, o Mestre afirma ainda que os seus verdadeiros servos/discípulos são aqueles que fazem a vontade do Pai celeste, e esta vontade se encontra em toda a palavra/Lei que Ele deu aos seus servos, os profetas antigos. E, como lemos no texto de Atos 24, era exatamente assim que vivia a comunidade de Paulo, isto é, a chamada “seita dos nazarenos”.

Muitas denominações religiosas, de fato, alegam ser seguidoras do Messias Yeshua hoje em dia, mas não vivem de acordo com sua doutrina e seus costumes. Muitas pessoas estão presentes nestes grupos inocentemente, mas outras se deixaram levar pelas mensagens tendenciosas.

Mas agora, retomando nossa análise das palavras de Epifânio acerca dos nazarenos, ele também disse que eles eram judeus em todos os sentidos.

Pensando nisso, o próprio chamado “apóstolo Paulo” confessa que não havia cometido crime algum contra a lei dos judeus, nem tão pouco havia lutado contra as tradições de seus antepassados; veja Atos 25:8 e 28:17. E, mesmo depois de receber Yeshua/Jesus como seu Messias, ele continuava se dizendo um judeu/israelita, vide Atos 21:39, 22:3, Fp 3:4-5. Além disso, os outros líderes da comunidade de discípulos do Messias confessaram que Paulo andava em conformidade com a Lei de Deus, basta ver Atos 21:19-24.

Então, mais uma vez, todas essas informações provam que os discípulos do Salvador jamais abandonaram os costumes da Lei do Eterno, que Ele transmitiu por meio de Moisés, seu servo. E ainda mostra que houve um remanescente de discípulos judeus do Nazareno que continuaram fiéis.

Epifânio ainda diz que eles continuaram vivendo entre os judeus! Ou seja, quando os judeus eram perseguidos e dispersos pelo mundo, eles também eram, e vamos tentar mostrar até onde eles chegaram mais adiante.

Mas o bispo de Salamina vai mais longe ainda ao mencionar onde se localizava a “seita dos nazarenos” em seus dias.

Esta seita dos nazarenos pode ser encontrada em Beréia, perto da Cele-Síria, em Decápolis, perto de Pela, e em Bashanitis, no lugar chamado Cocabe – Khokhabe em hebraico. Pois esse foi o seu lugar de origem, uma vez que todos os discípulos se estabeleceram em Pela após a sua remoção de Jerusalém – tendo o Cristo dito-lhes que abandonassem Jerusalém e se retirassem dela por causa do cerco que estava prestes a sofrer. E por isso se estabeleceram em Peréia e, como eu disse, viveram lá. Foi daí que a seita dos nazarenos teve a sua origem.

The Panarion of Epiphanius of Salamis, Book I, Second Edition, Brill, Leiden Boston 2009. Pág. 172, 7.7.

Como podemos ler claramente, o historiador católico diz que a “seita dos nazarenos”, na verdade, estava espalhada entre vários lugares. E, embora ele acreditasse que tal “seita” tivesse sua origem nestes locais, afirma que foi para os mesmos lugares que os discípulos primitivos do Salvador fugiram antes do cerco de Jerusalém. Além disso, como as características deste grupo são muito parecidas com as da própria escola de discípulos do Nazareno, mencionada ao longo do Livro dos Atos, não temos motivo algum para imaginar que não eram eles mesmos, sendo seus descendentes ou remanescentes.

A primeira localidade citada era perto da Cele-Síria e Decápolis, região que abrange uma parte do atual Líbano.

Mapa da Palestina com destaque no Líbano - localização próxima para onde os discípulos de Jesus fugiram antes do cerco de Jerusalém.
Mapa da Palestina com destaque no Líbano – localização próxima para onde os discípulos de Jesus fugiram antes do cerco de Jerusalém.

A cidade de Pela, para onde Epifânio alega que os discípulos fugiram primeiramente, em vista do cerco de Jerusalém, é uma das dez cidades que formavam a região de Decápolis.

Já Bashanitis, também conhecida como Bashan ou Basã, de acordo com a Enciclopédia Theodora, é uma região situada a leste do Jordão, e em direção à sua nascente. Essa Enciclopédia ainda afirma que o nome dessa região aparece pela primeira vez na história hebraica em conexão com as peregrinações dos israelitas. É mencionada na Bíblia em Números 21:33.

Mapa com o nome das dez cidades que formavam a região de Decápolis e seta apontando para a fuga de Jerusalém para Pela, para onde os discípulos de Jesus (a seita dos nazarenos) fugiram devido o cerco de Jerusalém.

Sendo assim, temos referências dos locais para onde muitos discípulos do Senhor (i.e., a “seita dos judeus nazarenos”) foi habitar desde pelo menos o início da 6ª década do 1º século de nossa era. Eles permaneceram por aquelas regiões até perto dos anos 400, pelo menos.

O início da hostilidade aos judeus na Era Comum.

Ao longo do tempo, os judeus sofreram muita hostilização nas nações para onde foram dispersos. Com isso, eles foram migrando gradativamente para diversos lugares da Europa, até chegarem nas Américas. E como o próprio Epifânio mencionou em seu relato, o grupo de judeus que conservou as características bíblicas originais dos discípulos do Salvador viviam junto dos outros judeus. Portanto, podemos traçar uma linha histórica das perseguições que eles sofreram e para onde migraram, até chegar nos dias atuais.

Já no início da história, não muito tempo depois da destruição de Jerusalém e de seu Santuário, os judeus eram alvo de hostilização, especialmente no âmbito religioso.

O cristianismo foi praticamente uma das primeiras religiões, após a queda do templo de Jerusalém, no ano 70, a levantar hostilidade contra os judeus.

Um de seus principais fundadores, Inácio de Antioquia (35-107), em sua carta aos crentes da antiga cidade grega Magnésia (aos magnésios), chama as doutrinas dos judeus (a Torá?) de heterodoxas, velhos mitos sem utilidade. Ele alegava que se alguém quisesse viver como um judeu, confessaria não ter recebido a graça de Deus ou do Cristo, não obstante o próprio “Cristo” (Messias/Ungido) ter defendido as doutrinas bíblicas judaicas e ser ele mesmo um judeu, vide João 4:6-9,20-22. E como lemos mais acima, seus apóstolos também continuaram se identificando como judeus.

Mas o pai da Igreja continua suas alegações; ele diz que a vida “judaica” (bíblica) era nada mais nada menos que “a velha ordem das coisas”, e que o sábado (mesmo tendo sido santificado por Deus desde a fundação do mundo) não deveria mais ser considerado. Além disso, tendo usado a palavra “cristianismo” pela primeira vez na história, alega que quem não vivesse de acordo com essa religião, que agora estava mudando os costumes bíblicos, não era de Deus.

Por fim, Inácio chama a maneira de viver dos judeus de “mau fermento, envelhecido e azedado”, e que era absurdo falar de Jesus Cristo e viver como um judeu (mas Jesus era o que?). Para constatar todas essas informações, basta ver os curtos capítulos 8 a 10 da carta de Inácio aos magnésios, disponível em português em vários sites pela internet.

Inácio escreveu essa carta entre os anos 98-103 de nossa era. Suas hostilidades aos judeus, o que naturalmente incluía o grupo dos netzarim/nazarenos (porque estavam juntos dos outros judeus), se repetiram ao longo da história.

Nas 3 últimas décadas do século seguinte, o século 3, Eusébio de Cesareia continua a usar a religião de Inácio como veículo de desconstrução da identidade que Deus deu aos israelitas na Bíblia. No início de sua obra mais famosa, a História Eclesiástica, ele afirma que a circuncisão, o sábado, as dietas alimentares, dentre outros costumes ordenados por Deus através de Moisés na Lei, não diziam respeito aos cristãos, que ele também alega ser a nova religião de Deus que estava se espalhando pelo mundo. Veja História Eclesiástica, Livro I, cap. IV (p. 26).

O presente texto ficaria longo demais se fôssemos citar detalhes de cada ocasião no decorrer da história que incitaram a hostilidade ao povo de Israel, portanto não poderemos citar todos as bibliografias ou eventos históricos. Mas daremos continuidade com outros relatos um tanto sucintos.

As subsequentes revoltas judaicas e a continuação das hostilidades religiosas.

Depois do cerco de Jerusalém, que durou dos anos 66 até 73, pelo menos, uma segunda guerra eclodiu por volta dos anos 115 e 117, nas regiões de Cirene (Cirenaica), Chipre, Mesopotâmia e Egito. Porém, se verificarmos com atenção, essas regiões não eram perto de onde a chamada “seita dos nazarenos” e os demais judeus estavam.

Também aconteceu uma terceira guerra, mais famosa, conhecida como a revolta de Bar Kochba, entre os anos 132-135. A revolta foi instigada depois que o imperador romano da época lançou um decreto proibindo a circuncisão, o que é um dos elementos mais importantes da identidade bíblica-israelita (ou judaica), vide Gn 17:9-11. Essa revolta se concentrou mais na Judeia e visava reconquistar Jerusalém.

(Obs.: A proibição da prática de costumes bíblicos dados por Deus ao povo de Israel é um dos sinais da chamada “marca da besta”, que abordamos em outro estudo aqui no Blog Bíblia se Ensina).

Agora, a revolta judaica contra Gaio, ocorrida entre os anos 351-352, já afeta a região onde os remanescentes da comunidade oficial de discípulos do Messias Yeshua estava, a Síria. No início do século 4, os governantes romanos começaram a favorecer muito o cristianismo sobre outras religiões, incluindo o povo de Israel, isto é, os judeus. Tanto estes, como os outros, começaram a ser perseguidos porque não eram adeptos daquela que estava se tornando a religião oficial do Império.

Essa revolta se concentrou na cidade chamada Diocesareia (também conhecida como Séforis). Esta se localizava nas regiões da Galileia, sendo seu centro administrativo na época. Nos seus arredores também se localizava a cidade de Nazaré. Na verdade, ambas cidades existem até hoje, Séforis e Nazaré.

No ano 351, o general romano Ursicinus acabou com a revolta, executando muitos judeus. A Enciclopédia Judaica informa que à frente dela estava um homem que é chamado nas fontes gregas de “Patrício”, e em judeu de “Natrona”. Ele também é mencionado em um Midrash (uma literatura judaica) e foi morto nessa ocasião.

Por essa altura já havia acontecido o concílio de Niceia (325), que foi um marco histórico para tornar o cristianismo a religião oficial do império romano. E, logo depois destes eventos, é publicado o Édito de Tessalônica, em fevereiro de 381, oficializando definitivamente o cristianismo como a religião única do Império, em detrimento de todas as outras. Isso levantou, portanto, hostilidade não só contra os judeus, mas também contra outras minorias religiosas.

Teodósio, o imperador que publicou o referido édito, era um cristão ortodoxo niceno muito devoto, oriundo da Hispânia. Ele foi nomeado imperador do Ocidente pelo imperador Graciano, também ele um cristão ortodoxo niceno.

Teodósio e Graciano, comungando do mesmo Credo, sentiram-se à vontade para favorecer a ortodoxia cristã do Concílio de Nicéia, e, consequentemente, no dia 27 de fevereiro de 380, promulgaram o decreto imperial “Cunctos populos“, chamado de “Édito de Tessalônica”, pelo fato de Teodósio se encontrar nessa cidade quando o decreto foi editado. Ele dizia assim:

“É nossa vontade que todos os diversos povos que são súditos de nossa Clemência e Moderação devem continuar a professar aquela religião que foi transmitida aos Romanos pelo divino Apóstolo Pedro, como foi preservada pela tradição fiel, e que agora é professada pelo Pontífice Dâmaso e por Pedro, Bispo de Alexandria, um homem de santidade apostólica.
De acordo com os ensinamentos apostólicos e a doutrina do Evangelho, que nós creiamos em uma só divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em igual majestade e em uma Santíssima Trindade.
Nós autorizamos que os que obedecerem a essa lei assumam o título de Cristãos Católicos.
Porém, para os outros, uma vez que em nossa opinião, são loucos tolos, nós decretamos que recebam o nome ignominioso de heréticos, os quais não deverão ter a presunção de dar aos seus conventículos o nome de igrejas.
Eles irão sofrer em primeiro lugar o castigo da condenação divina e, em segundo lugar, a punição que a nossa autoridade, de acordo com a vontade do Céu, decidir infligir.

Publicado em Tessalônica no terceiro dia das calendas de março, durante o quinto consulado de Graciano Augusto e o primeiro de Teodósio Augusto.
Fonte: https://historiasderoma.com/2018/02/27/o-edito-de-tessalonica/

Diante de tal determinação, restava aos judeus, bem como às outras minorias religiosas, fugir dos locais onde eram perseguidos, pois eram obrigados a abandonar sua identidade religiosa (identidade bíblica no caso do povo israelita).

Esse ódio contra os judeus se espalhou pela Europa, para onde vários deles haviam fugido por ocasião das perseguições. Na Idade Média (a partir do século 5), eles também começaram a ser acusados dos responsáveis pela morte de Jesus (não obstante seus 12 apóstolos, e mais centenas de outros discípulos, também serem judeus, vide Atos 21:18-24).

Apesar de terem conseguido se desenvolver um pouco em certas regiões da Europa, foi a partir dos anos 1096-1099 que a situação dos judeus começou a piorar devido às cruzadas. Tratava-se de um movimento de tentativa de retomada de Jerusalém, que estava sob domínio islâmico. Estas, muitas vezes lideradas pela Igreja Cristã, prejudicou muito os judeus nas regiões da Alemanha, dentre outras.

A “seita dos nazarenos” na Europa medieval.

Pouco depois do início dos eventos descritos acima, um homem italiano chamado Bonacursus se converteu ao catolicismo e divulgou um relatório confessional ao povo de Milão (Itália), expondo a natureza da heresia cátara. Isso foi em algum momento entre 1176 e 1190, ou um pouco mais tarde. Esta foi considerada pela Igreja uma heresia medieval que se desenvolveu, principalmente, no sul da França e partes da Itália, a partir do século 12.

As descrições que Bonacursus dá de um certo grupo na época é intrigante, devido suas características se assemelharem muito a do grupo de discípulos da “seita dos nazarenos”, isto é, os judeus netzarim ou notzirim (hebraico). O grupo ficou conhecido como os “Passagini” . Ele diz o seguinte:

“Não são poucos, mas muitos sabem quais são os erros daqueles que são chamados de Passagini, e quão nefasta é sua crença e doutrina. Mas porque há alguns que não os conhecem, não me incomoda escrever o que penso deles, em parte por precaução e para a sua salvação, e em parte por sua vergonha e confusão, a fim de que sua tolice se torne mais amplamente conhecida, e que eles possam ser os mais condenados e desprezados de todos. Assim como devemos conhecer o bem para fazê-lo, assim também devemos conhecer o mal para evitá-lo… Que aqueles que ainda não estão familiarizados com eles, por favor, observem o quão perversa é sua crença e doutrina. Primeiro, eles ensinam que devemos obedecer à lei de Moisés de acordo com a letra – o sábado, e a circuncisão, e os preceitos legais ainda em vigor… Além disso, para aumentar seu erro, eles condenam e rejeitam todos os Padres da igreja, e toda a igreja romana. Mas, porque procuram basear seus erros no testemunho do Novo Testamento e dos profetas, vamos matá-los com sua própria espada com o auxílio da graça de Cristo, como Davi matou Golias”

(Andrews e Conradi, pp 547-548; Latim de Migne, PL 204:784-794).

Com tal testemunho, nós verificamos que os tais chamados “Passagini” tinham crença total nas Escrituras de Moisés e nos profetas, bem como na mensagem de Yeshua nos Escritos Nazarenos, erroneamente nomeados “Novo Testamento” pelos pais cristãos.

Ora, verificando uma certa afirmação de Paulo no Livro Bíblico dos Atos, notamos muita similaridade com os chamados Passagini da era medieval:

Porém confesso ao senhor que, segundo o Caminho, a que chamam seita, assim eu sirvo ao Deus de nossos pais, acreditando em todas as coisas que concordam com a lei e os escritos dos profetas,

Atos 24:14 Nova Almeida Atualizada

Como conferimos, a descrição da chamada “seita dos nazarenos” na tradução bíblica acima é que eles continuavam concordando com a Lei de Moisés e os profetas. Ou seja, não houve tentativa por parte dos discípulos de Yeshua/Jesus de desmerecer a Lei de Deus, afirmando que determinados mandamentos dela foram abolidos. A descrição da comunidade de Paulo, portanto, se encaixa perfeitamente com os relatos de Jerônimo e Epifânio acerca dos nazarenos de sua época, bem como dos “Passagini”, do século 12.

Logo, como vemos, sempre houve um remanescente judaico da comunidade de discípulos do mestre Yeshua existindo ao longo da história.

Outra fonte acerca deste assunto foi escrita em Cremona, Lombardia, chamada Summa contra haereticos. Sua data se situa por volta dos anos 1200 e é geralmente atribuída a Praepositinus, um teólogo e liturgista de Cremona, que estudou e ensinou teologia em Paris.

Praepositinus escreveu quatorze capítulos sobre os Passagini. Entre eles, aprendemos que os tais acreditavam que toda a Lei de Deus ainda era aplicável, exceto sacrifícios (cap. 6). No capítulo oito, aprendemos que eles literalmente praticavam o sábado.

Também aprendemos que esse grupo observou o Tanakh (erroneamente nomeado “Antigo Testamento” pelos pais da Igreja) à risca, incluindo o sábado, as dietas alimentares de Levítico 11 (dentre outros textos) e a circuncisão. Sua base para essa crença foi Mateus 5:17-20, Romanos 3:31 e Romanos 7:12-14. Além disso, eles acreditavam que a Lei e os relatos acerca de Yeshua (“evangelhos”) deveriam ser observados simultaneamente; eles acreditavam tanto no decálogo (Dez Palavras ou Dez Mandamentos) quanto na fé de que Yeshua é o Messias.

No capítulo 9 desta obra, Praepositinus descreveu como os “Passagini” mantiveram a Páscoa literalmente no décimo quarto dia do mês de Nissan (conforme o próprio Jesus fez toda sua vida, vide Lc 2:41-42 e 22:7-16). No capítulo onze, aprendemos que os Passagini declararam nulas as leis da igreja católica e as rotularam como instituições humanas não ordenadas serem praticadas por Deus, com base em Isaías 29:13. Eles viam as regras católicas como nulas com base no fato de que ninguém poderia editar a Lei de Deus ou adicioná-la, e que ninguém deveria pregar outra boa nova (“evangelho”), usando os versículos de Mateus 5:17, Gl 1:4-7 e Rv (Ap) 22:18.

Há um terceiro documento datado de aproximadamente o ano 1230, o qual alguns que o estudaram o consideraram pertencente ao trabalho de Praepositinus. Este foi escrito em Bérgamo, uma outra cidade da Lombardia. Um certo trecho dele diz:

“Depois do que foi dito dos Cathari, ainda resta a seita dos Passagini. Eles ensinam Cristo a ser a primeira e pura criatura; que as festas do Antigo Testamento devem ser observadas – circuncisão, distinção de alimentos, e em quase todos os outros assuntos, exceto os sacrifícios, o Antigo Testamento deve ser observado tão literalmente quanto o Novo – a circuncisão deve ser mantida de acordo com a letra…”

(Andrews e Condradi, pp 548-549)

Algumas informações acima são bem interessantes. É claro que líderes e teólogos cristãos vão discordar de quase todas elas, pra não dizer todas. Mas podemos usar uma Bíblia cristã comum mesmo para provar que tais interpretações são verdadeiras. Vamos usar a respeitada Almeida Corrigida Fiel para tanto.

Primeiro, os “Passagini” ensinavam que o Messias era a primeira criatura divina, diferente da teologia cristã, que alega que ele é o próprio Deus. No entanto, o próprio Messias concorda com os Passagini no seguinte versículo bíblico:

… Isto diz o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus:

Apocalipse 3:14

O referido grupo também alegava que as festas bíblicas, ordenadas por Deus ao Seu povo, deveriam continuar sendo praticadas. O Livro dos Atos tem várias menções disso, bem como alguns trechos das cartas de Saul (Paulo). Eu não vou ficar copiando todos os versículos aqui para não alongar demais, porém darei as referências. O leitor pode conferir na tradução bíblica sugerida, a ACF, ou na Bíblia King James Fiel, que não trazem algumas faltas de certas bíblias modernas.

Em Atos 2:1 os discípulos se encontravam reunidos em Jerusalém não só devido a ordem que o Messias havia lhes dado (Lc 24:49), mas aquela também era a época da Festa das Semanas. Era o 50º dia dessa festa. A palavra “pentecostes“, que aparece nas bíblias traduzidas do texto grego, significa justamente “quinquagésimo dia” (G4005) e se refere à contagem de dias que Deus ordena ao seu povo fazer depois do primeiro dia da Páscoa, vide Lv 23:16. O povo judeu faz essa contagem até os dias de hoje, chama-se “contagem de ômer“. É por isso que o texto da tradução bíblica diz “e cumprindo-se o dia de Pentecostes”, ou seja, a contagem de ômer chegou ao dia 50, o seu último, quando se comemora a ocasião em que Deus entregou a Torá (Lei/Instrução) ao povo israelita no monte Sinai.

Anos depois, em Atos 18:21 e 20:16 a Bíblia relata o desejo de Paulo de estar em Jerusalém no dia dessa festa. Ou seja, os discípulos não se apartaram dos mandamentos do Eterno e da cultura que Ele entregou ao Seu povo! Ao contrário de várias denominações religiosas antigas e atuais, que alegam estarem servindo a Deus, mas desprezam tais eventos. Naturalmente, estas só estão seguindo o ensino que líderes religiosos plantaram há muito tempo atrás. Várias de forma inocente, porque foram, de fato, enganadas, e pensam estar seguindo a verdade, outras porém são pretensiosas mesmo, e se justificam por meio de interpretações bíblicas teológicas distorcidas e corrompidas.

  • Obs.: É claro que essas festas foram ordenadas ao povo de Israel, tem a ver com sua identidade, história e os feitos de Deus por este povo; aqueles, portanto, que quiserem adentrar neste contexto bíblico, precisam fazê-lo sob orientação de uma comunidade deste povo.

Em 1 Coríntios 5:7-8 Saul (Paulo) instiga seus leitores a comemorarem a festa da Páscoa. Esta mesma festa é mencionada de novo no capítulo 11, especialmente nos vs. 23-25, lidos mensalmente em praticamente todas as igrejas cristãs. Mas infelizmente não se percebe que ali tratava-se da festa da Páscoa bíblica/do Êxodo, a qual o Messias participou com seus discípulos na noite em que foi traído, e disse que tal festa se cumprirá/realizará novamente no reino de Deus, e ele comerá dela com eles, vide Lc 22:15-16.

Ora, se o Messias Yeshua/Jesus afirmou que comerá novamente o mesmo evento bíblico festivo com seus discípulos no reino vindouro, deveriam os crentes no Deus de Israel terem parado com tal evento? Se o Messias é a completude destas festas bíblicas, não deveríamos celebrá-las com maior alegria, então?

Enfim, não vamos alongar mais essa questão das festas para não sair do foco de nossa pesquisa principal, porque esses poucos relatos já são suficientes.

Os Passagini ainda alegavam que a circuncisão deveria continuar sendo observada.

Quanto a isso, não precisamos discorrer muito, pois o texto de Gn 17:7-11 é claro ao afirmar que esta é uma aliança eterna entre Deus e os descendentes de Abraão. Por isso, aqueles crentes que não são descendentes dele não são obrigados a se circuncidar.

O que foi determinado a respeito deles pelos líderes primitivos da comunidade de discípulos do Messias Yeshua é que deveriam se submeter a um padrão mínimo de obediência à Lei Divina. Depois disso, estando inseridos nas comunidades judaicas e sob orientação dos professores e mestres israelitas, poderiam progredir voluntariamente na obediência aos demais mandamentos da Torá. Basta entender o contexto de Atos 15:19-21 para perceber tudo isso.

Portanto, não vemos necessidade alguma de ficar criando justificativas e interpretações teológicas, dizendo que a Lei de Deus foi abolida, seja parcial ou integralmente, só porque não alcançamos a compreensão correta de como deveríamos pôr em prática certos mandamentos, costumes e tradições. Para os gentios, nem todos os mandamentos da Torá são obrigatórios. Veja nosso estudo acerca dos mandamentos universais de Deus para a humanidade para mais detalhes.

Prosseguindo com nossa pesquisa, entre os anos 1235 e 1238, Salvo Burci, de Piacenza, compôs uma longa obra contra os hereges. Entre os grupos que ele discutiu como uma seita menor estava os Circuncisos, que alegavam que tanto a “Lei Antiga” quanto a “Nova Lei” deveriam ser literalmente observadas. O grupo parece se assimilar aos Passagini, de décadas anteriores; por isso, possivelmente os “Circuncisores” e os Passagini eram um mesmo grupo (Wakefield e Evans, p. 276).

Foi encontrado um manuscrito comumente datado entre 1225 e 1250 que revisou brevemente os nomes e crenças de grupos heréticos, bem como tentativas de refutá-los. Embora incompleto, seu conteúdo ainda é significativo para este estudo. No capítulo 3, seções 20-22, os Passagini e Circumcisi foram mencionados juntos. A obra os descreveu como literalmente observando o “Antigo Testamento”, o sábado e a circuncisão (Wakefield e Evans, pp 296-300).

Se os Passagini e os Circumcisi não fossem o mesmo grupo, então eles eram definitivamente considerados dois ramos da mesma árvore, por assim dizer.

Vale ressaltar que os nomes “Passagini” e “Circumcisi” foram alcunhados a estes grupos. Ao que tudo indica, portanto, devido suas características, eles poderiam ser ramificações ou remanescentes dos judeus nazarenos, isto é, a “seita dos nazarenos”, a verdadeira comunidade de discípulos do mestre Yeshua, de Atos 24:5.

Mas o que aconteceu com os Passagini e os Circumsici?

Na época dos anos 1200, a Igreja Romana aumentou seus ataques contra grupos que não se conformavam com seu sistema de crenças, interpretações e costumes religiosos. Eles recrutaram governantes seculares para cometer atos de violência, incluindo roubo e assassinato contra esses grupos. Isso levou à Cruzada Albigense, que começou em 1209. Dezenas de milhares de pessoas morreram na França porque tinham um sistema de crenças diferente do da Igreja Romana.

Em 1236, o Papa Gregório IX emitiu uma carta contra os Patarenos, ela excomungava e anatematizava os “cátaros, patarenos, os pobres de Lyon (valdenses), passagani, Josefinos, arnolistas, speronistas e todos os outros nomes pelos quais os hereges podem passar…”. O conteúdo deste documento ampliou a busca por “hereges” a qualquer pessoa que diferisse em seu estilo de vida daquele que foi aprovado pela Igreja Romana.

Embora a civilização, sob ordem papal e ameaça de exclusão da comunhão da Igreja, denunciasse aqueles que pertenciam aos grupos chamados hereges, houveram alguns que se arriscaram a protegê-los, como alguns governantes de Lombardia, que fizeram isso até o início do século 14 (por volta de 1325).

No decurso deste tempo, este grupo perseguido em questão parecia ter desaparecido da história. Naturalmente, com o aumento dos decretos papais condenando-os, e a ação de vários governantes contra eles, o que lhes restava era se ocultarem mesmo. Muitos deles morreram por sua tradição, outros abandonaram-na, e mais outros fugiram para regiões distantes, a fim de continuar ali a praticar sua fé.

No século 13, a exclusão dos judeus tornou-se um dogma eclesiástico.

Muitos judeus, fugindo das perseguições, especialmente na Alemanha e França, ocuparam a Espanha e Portugal, na tentativa de construir uma vida normal.

Entre altos e baixos, às vezes sendo tolerados, muitas vezes não, eles, bem como outras etnias, por volta do ano 1478, foram alvos da chamada “Santa Inquisição“, da Igreja mãe de todas as outras, nestes dois países também. Até mesmo no Brasil o tribunal da Igreja perseguiu os judeus, mas essa é uma parte da história pouco explorada. É possível conferir mais informações nas diversas obras da historiadora Anita Novinsky, que explora o assunto com riqueza de detalhes até os tempos modernos.

Por fim, nosso espaço aqui ficaria longo demais se continuarmos a dar tantos detalhes, e nós nem mencionamos o nazismo, iniciado por volta de 1920, que deu fim à vida de cerca de 6 milhões de judeus.

Essas perseguições, que juntas completam o tempo da grande tribulação mencionada na Bíblia (Mc 13:14-20), só tiveram seu fim por volta de 1948, quando os judeus voltaram a repatriar seu país, inclusive com papel fundamental de um brasileiro, Osvaldo Aranha, que presidiu a reunião da ONU que decretou a criação do Estado de Israel. Daí por diante os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó começaram a desfrutar de maior liberdade religiosa e civil.

Assim, enquanto certas religiões se expandiam pelo mundo por meio da imposição e violência, especialmente a da Igreja de Roma, colonizando várias terras (inclusive o Brasil), a “seita dos nazarenos”, isto é, a comunidade judaica de discípulos do Messias Yeshua, que vivia entre os outros judeus, como eles, preocupava-se mais em sobreviver do que se desenvolver. Eles também chegaram até o Brasil, onde sua maior concentração se deu no nordeste, local onde foi construída a primeira sinagoga judaica das Américas, a Kahal Zur Israel, em Pernambuco. Aqui, nós estudamos online com a Comunidade Judaica Netzarim do Pará (Facebook Kehilat Netzarim PA).

Concluímos, por agora, nossa pesquisa acerca da trajetória da “seita dos nazarenos” de Atos 24:5 ao longo da história. É claro que haviam muitos outros detalhes a serem abordados, o que certamente nos renderia um livro. Mas espero que as informações publicadas aqui tenham sido precisas para fazer nossos leitores compreenderem que sempre houve um remanescente fiel que preservou a doutrina do Messias prometido, sem distorcer as verdades que Deus outrora comunicara nas Santas Escrituras aos seus servos, os profetas, o que não poucos infelizmente, fizeram ao longo do tempo.

Eis que eu estou com vocês todos os dias, até o fim desta era. Amén.

Matias/Mateus 28:20b
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Autor: Gabriel Filgueiras

Um caco de barro que com trabalho duro está sendo moldado pelo Criador.

Um comentário em “A seita dos nazarenos: quem foram eles na Bíblia e na história?”

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