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Shemá Israel e a Doutrina da Trindade

Last updated on 22/09/2023

O que é o “Shemá Israel“? Como ele verdadeiramente se encontra no texto original hebraico de Deuteronômio 6:4 e o que ele realmente significa? O que essa pequena frase de Moisés verdadeiramente ensina sobre Deus? Por que Jesus disse que este é o principal mandamento, em Marcos 12:29? Este trecho foi corretamente traduzido nas bíblias comuns? O texto original realmente diz “o Senhor nosso Deus é o único Senhor“? E o que ele nos revela acerca da Doutrina da Trindade Cristã?

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O que deu errado com Deuteronômio 6:4 nas traduções bíblicas?

O capítulo 6 de Deuteronômio é, sem dúvidas, um dos mais importantes da Bíblia Sagrada. Enquanto o mestre Yeshua, chamado Jesus no mundo ocidental e no cristianismo, era tentado no deserto pelo inimigo, por exemplo, cita dois textos deste capítulo para contestá-lo. São eles:

  1. Mat. 4:7 > Deut. 6:16 (“não tentarás o Senhor teu Deus”);
  2. Mat. 4:10 > Deut. 6:13 (“adorarás o Senhor, teu Deus, e só a ele servirás”).

Além disso, Deuteronômio 6 versículo 4 contém o que foi confirmado por Yeshua, em Marcos 12:29, como sendo o principal ou maior mandamento das Escrituras. Mas, das bíblias cristãs, poucas acertaram na tradução deste texto, dentre as quais a Versão Fácil de Ler (VFL) e a Bíblia Peshitta da BV Books. Além destas, a tradução da Editora Sêfer (Tanah Completo), que não é cristã, bem como a Bíblia Judaica Completa, do David Stern.

Na VFL, por exemplo, o texto diz assim:

— Ouça, ó Israel, o SENHOR é o nosso Deus. O SENHOR é só um.

(Deuteronômio 6:4 VFL)

A grande maioria das outras traduções mais conhecidas traduziram algo como: “O Senhor nosso Deus é o único Senhor” (veja ARA, NVI, NAA, NVT, NTLH, KJF, KJA etc.).

Porém, a palavra “senhor” nem sequer aparece no texto original, para dizermos que ele é o único Senhor. Na verdade, o título “Senhor” foi colocado no lugar do nome de Deus ali por causa do costume judaico de se dizer a palavra Adonai (meu Supremo Senhor), enquanto se lêem as Escrituras Hebraicas, em vez de se dizer a real pronúncia do nome do Eterno (bendito seja!).

O texto hebraico de Deuteronômio 6:4, na verdade, diz o seguinte (lendo da direita para esquerda em hebraico):

שְׁמַע יִשְׂרָאֵל יְהוָה אֱלֹהֵינוּ יְהוָה ׀ אֶחָד׃
shemá Israel YHWH eloheinu YHWH ehad
Ouça, Israel: YHWH [é] nosso Deus; YHWH [é] um!

  • Obs.: Os verbos ser/estar não são escritos em certas situações na língua hebraica, mas eles são subentendidos pelo contexto. Portanto, o tradutor deve acrescentá-los, do contrário o texto ficaria sem sentido na outra língua para a qual está sendo traduzido. Por isso encontra-se [entre colchetes] na tradução acima.

Esta (acima) é a tradução literal do texto, ou seja, é exatamente isso que o texto de Deuteronômio 6:4 diz. Portanto, a tradução “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor está errada!

E quanto à citação do Shemá Israel, isto é, de Deuteronômio 6:4, em Marcos 12:29?

Aqui nós começamos a ver o quanto é complicada a situação das traduções bíblicas mais comuns, pois os tradutores embutiram suas interpretações pessoais no texto. E essas interpretações foram influenciadas pelo imaginário cultural ou crenças religiosas que os cercavam. Com isso, muitos deles trocaram certas palavras nas traduções bíblicas, gerando um texto diferente do original.

Além disso, existe a problemática da insistência em se pensar que os textos em grego são os originais dos Escritos Nazarenos, que na cristandade foram erroneamente nomeados de “Novo Testamento”. Já se sabe, pela história, indubitavelmente, que o idioma em que Jesus pregava sua mensagem era o aramaico (um idioma “irmão” do hebraico), e este mesmo era o idioma falado pelos judeus de toda Palestina no 1º século de nossa era.

Ora, existem textos em aramaico dos Escritos Nazarenos tão antigos quanto os textos em grego, a tal ponto de até mesmo igrejas na Síria nunca terem usado o texto grego, mas sempre o aramaico, por padrão. Além disso, ao se comparar simples versículos entre um e outro, é possível constatar que o texto em aramaico é mais coerente que o grego em dezenas de casos. Uma comparação inicial e simples pode ser feita entre a Bíblia Peshitta publicada pela Editora BV Books, por exemplo, com qualquer outra tradução feita a partir dos textos em grego.

Bom, retomando ao nosso assunto, o que eu quero dizer especificamente, a respeito da complicação das traduções bíblicas mais comuns é que, a Bíblia VFL, por exemplo, acertou na tradução de Deuteronômio 6:4, porém errou na de Marcos 12:29. Ou seja, enquanto em Dt 6:4 o texto foi vertido corretamente, afirmando “o SENHOR é um só”, em Mc 12:29 permaneceu a versão tradicional errada, dizendo, “o Senhor nosso Deus é o único Senhor”. Isso, ao meu ver, é uma situação desnecessária, pois Mc 12:29 é uma citação exata de Dt 6:4, portanto ambos os textos poderiam ser vertidos iguais.

Outro caso é a Bíblia Tradução Brasileira, que antes pertenceu à Sociedade Bíblica Britânica. Nela, Mc 12:29 foi traduzido corretamente, da seguinte forma: “Respondeu Jesus: ‘O primeiro é: Ouve, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um só'”. No entanto, Dt 6:4 já foi vertido de outra forma, dizendo: “Jeová nosso Deus é o único Deus”, não afirmando, assim, o que o texto de fato diz, que Deus é um!

Eu não sei se tais erros nestas traduções bíblicas foram ocasionados porque os tradutores quiseram transmitir suas interpretações próprias do texto bíblico, ou se por influência de algum defeito no texto grego. Todavia, o texto em grego diz o seguinte:

“Ἀπεκρίθη (Respondeu) ὁ (-) Ἰησοῦς (Iesus), “Ὅτι (o) Πρώτη (principal) ἐστίν (é), ‘Ἄκουε (Ouça) Ἰσραήλ (Israel): Κύριος (o Senhor) ὁ (-) Θεὸς (Deus) ἡμῶν (nosso), Κύριος (o Senhor) εἷς (um) ἐστιν (é),”

Bom, outras traduções que verteram tanto Marcos 12:29 quanto Deuteronômio 6:4 corretamente foram a Bíblia Peshitta da BV Books e a Bíblia Judaica Completa. A Bíblia Peshitta traduzida pelo Tsadok Ben Derech, que só contém os quatro Relatos (“evangelhos”), porque é uma tradução de estudo, também traduziu Mc 12:29 corretamente.

Agora vamos entrar na questão do ensinamento por trás do Shemá Israel e o que ele tem a ver com a Doutrina da Trindade Cristã.

Por que, no Shemá Israel, Moisés estava ensinando que Deus é um só?

Primeiro, precisamos explicar a palavra hebraica אֶחָד (“ehad” ou “echad“, se pronuncia “errád“, com som de “rr” tremido na garganta). Ela significa, basicamente, uma unidade simples e absoluta.

O mais famoso Dicionário Bíblico, o Strong, que é uma obra cristã, a define da seguinte forma:

0259 אחד ’echad
um numeral procedente de 258; DITAT – 61; adj
um (número)
cada, cada um
um certo
um (artigo indefinido)
somente, uma vez, uma vez por todas
um… outro, aquele… o outro, um depois do outro, um por um
primeiro
onze (em combinação), décimo-primeiro (ordinal)

Echad é uma “unidade composta”?

Algumas pessoas alegam que echad seria uma unidade composta. Ou seja, ela significa que existe uma certa “pluralidade na unidade“, isto é, dentro de uma unidade haveria mais de um ser/objeto/coisa etc. Geralmente essa alegação é feita com base no texto de Gênesis 2:24, onde é dito que homem e mulher, ao se juntarem, se tornariam uma só (echad) carne. Ou seja, são 2 corpos, porém considera-se ambos constituindo 1 só carne (sentimento?). Isso seria um típico exemplo de uma suposta unidade composta.

Todavia, o grande problema com essa interpretação é que não existe dicionário bíblico que explique isso, sendo praticamente todos unânimes ao definirem אחד (’echad) como sendo simplesmente o numeral 1. E, na verdade, até hoje essa palavra é usada para tal número, no hebraico moderno.

Além do mais, o texto bíblico não dá detalhes do que seria essa “uma só carne” que homem e mulher se tornam ao se unirem sexualmente. Por isso, pode ser também que seja uma referência ao fruto da união sexual do casal, isto é , um filho, sendo esta a “uma só carne” (corpo) a que o texto se refere. Neste caso, a palavra echad estaria fazendo referência a um ser só, um indivíduo.

Além de tudo, encontramos a palavra errád centenas de vezes nas Escrituras, e a grande maioria delas se refere a uma unidade simples de indivíduo/objeto/coisa etc.

Vamos conferir alguns casos na lista abaixo:

  1. Em Gênesis 2:21 se refere a uma das costelas de Adão;
  2. Em 4:19 se refere a uma das esposas de Lameque;
  3. Já em Gn 10:25 se refere a um dos filhos de Héber;
  4. No capítulo 11:1 cita “uma língua só”;
  5. Em Gn 27:38 relata “uma única bênção”;
  6. Gn 42:11 e 13 cita “um homem só”;
  7. Em Êxodo 11:1 relata “uma praga”;
  8. Já em 12:46 é citada “uma casa só”;
  9. Êxodo 29, vs. 15, 39 e 40 falam de “um animal só” (cf. Nm 29:16-38);
  10. Em 30:10 vemos falar-se de “uma vez no ano”;
  11. Em Números 35:30 refere-se a “uma só testemunha”, ou seja, uma só pessoa, um só indivíduo;
  12. Por fim, em Josué 12:9-24 refere-se, por diversas vezes, a um por um dos reis que foram vencidos em combate pelos israelitas, isto é, cada unidade indivíduo.

São centenas de outros casos, pois errád aparece nas Escrituras pelo menos 730 vezes.

Várias pessoas alegam que existe uma pluralidade na divindade, ou seja, Deus seria um só, mas constituído de várias pessoas, porque echad significaria uma unidade composta.

Todavia, como vimos, não há nada demais com tal palavra. Ela simplesmente descreve uma unidade simples, seja um indivíduo, um objeto, etc. Um cacho de uvas contém várias uvas e, neste caso, echad poderia se referir a uma unidade de cacho de uvas, só isso e nada mais.

Sendo assim, quando o texto bíblico diz que Deus é um só, está dizendo que Ele é uma unidade simples, absoluta e indivisível, e ponto final. Em outras palavras, está dizendo que o ETERNO é um ser só, uma pessoa só, o Pai; além de o único Deus vivo, verdadeiro e existente.

E se quisermos dizer mais, o próprio Senhor Jesus concorda com isso, basta ver, por exemplo, João 17:3 em qualquer tradução bíblica comum, onde ele diz com todas as letras que O Pai é o único Deus verdadeiro, e que ele é um homem enviado (emissário) do Pai. Em 1 Timóteo 2:5, o chamado “apóstolo Paulo” diz o mesmo quando afirma que existe um só Deus, e que Jesus, isto é, Yeshua é o homem mediador entre Deus e os homens. Ora, se Jesus fosse o próprio Deus, que sentido faria ele ser um mediador entre Deus e os homens?

E para completar isto, em outro momento, quando era tentado pelo inimigo e recebe uma proposta de se prostrar e adorá-lo, o Mestre responde: “Está escrito: ao SENHOR, teu Deus, adorarás, e só a Ele servirás”. Outras traduções dizem “e só a Ele prestarás culto” (NVI). O que o Senhor está dizendo com isso?

Primeiro, mais uma vez, que Deus é só o Pai, porque a palavra “SENHOR” neste texto está sendo usada em substituição ao Nome de Deus, como já conferimos numa explicação mais acima. Então, nesta citação de Deuteronômio 6:13, ele está basicamente afirmando: “a YHWH, teu Deus, adorarás”. Em outras palavras, “Deus é YHWH (o Eterno), e a Ele você deve adorar/reverenciar como tal”. E depois ele afirma: “só a Ele servirás” ou “prestarás teu culto/serviço [divino]”.

Logo, até nas bíblias mais comuns é possível percebermos que o Mestre defende que há um só Deus único e verdadeiro, nosso Pai Eterno; a Ele nós devemos servir, adorar e amar.

Eu poderia citar vários outros versículos, porém não devo alongar ainda mais este conteúdo, pois ainda há muito pela frente. Outros casos serão mencionados mais ao final do estudo.

Com tudo isso, fica claro que essa interpretação de “unidade composta” é algo meramente subjetivo, é fruto da imaginação humana, instigada por uma crença que foi plantada há muito tempo atrás, e eu mostrarei por quem e quando ainda neste presente estudo bíblico.

Por que foi necessário Moisés dizer que o Deus de Israel é um só?

Para sabermos com precisão a resposta a tal pergunta, precisamos entender o ambiente de onde estavam vindo os israelitas que estavam com Moisés naquele tempo. É neste ponto que começamos a entender com precisão qual a origem da doutrina da trindade, que hoje em dia é comumente apregoada no meio cristão, seja católico, protestante ou evangélico etc., (porque o cristianismo se considera a religião oficial da Bíblia e dos discípulos de Jesus).

Bom, então, para falar acerca das origens da doutrina da trindade e como o cristianismo a herdou, não serei subjetivo, porque isso não seria honesto e nem útil. Em vez disso farei uso de obras e pesquisas cristãs mesmo. Vamos começar com uma citação do livro Os Outros da Bíblia, do autor André Daniel Reinke, um cristão formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013) e professor de teologia.

A trindade no Egito antigo.

“Como mencionamos anteriormente, era comum a combinação dos deuses [egípcios] em tríades.
Entre muitas as mais usuais eram:
Osíris-Isis-Hórus (em Abidos);
Amon-Mut-Khonsu (em Karnak);
Ptah-Sechmet-Nefertum (em Mênfis);
Khnum-Satet-Anuket (em Elefantina);
e Khepri-Rá-Atum (em Heliópolis). Essa tendência de agrupamento tendia a colocar o deus principal como masculino, o segundo elemento feminino e o terceiro, um deus-filho.
De maneira geral, os agrupamentos divinos em tríades eram expressões de pluralidade e de unidade ao mesmo tempo.
De alguma forma, a tríade acabou sendo percebida pelos egípcios como um símbolo da unidade do múltiplo divino.”

(Livro Os Outros da Bíblia, págs. 87-88, versão Kindle)

O relato histórico acima parece deixar bem claro o motivo pelo qual Moisés ensina que o Deus de Israel é um só, você não acha?

Isso era um contraste entre os deuses antigos em que os egípcios acreditavam, que os combinavam em trios/tríades. Isto é, a combinação de três deuses formavam uma trindade!

Porém, o que mais salta aos olhos, é a impressionante semelhança entre o ensinamento da Trindade cristã com as crenças egípcias antigas!

O próprio autor cristão declara que as tríades de deuses egípcios eram expressões de pluralidade e unidade ao mesmo tempo, justamente o que certos pensadores da Bíblia alegam ao tentarem explicar a fajuta unidade composta, ou pluralidade na unidade, da palavra hebraica errád.

No caso da época em que Moisés saiu do Egito com os israelitas, estamos falando de quase 1500 anos antes de nossa era. Contudo, os egípcios não eram o único povo que combinava seus deuses em trindades.

A trindade na Mesopotâmia.

Na Mesopotâmia antiga, ao menos duas trindades são mencionadas: An, Enlil e Enki; Nanna, Shamash e Ishtar.

(pág. 47)

Depois disso, o autor do livro confessa:

O que importa aqui é o fato de os mesopotâmicos, muito antes dos próprios hebreus, e antecipando em milênios os teólogos da Igreja, terem imaginado que o divino funciona melhor em três.

(Pág. 62)

Veja que os mesopotâmicos anteciparam os hebreus na doutrina da trindade. Isso é óbvio, pois o ensinamento divino que Moisés deu aos israelitas/hebreus é totalmente contrário a essa doutrina, como estamos vendo no caso do Shemá Israel em Deuteronômio 6:4. Mas isso a própria pesquisa de Daniel Reinke também vai dizer, como se segue:

Outro detalhe interessante são as tríades divinas, muito mais frequentes no Egito do que na Mesopotâmia. Vale aqui a mesma reflexão sobre a percepção humana de que o divino poderia ser mais bem representado em três, ideia teológica que os egípcios desenvolveram com intensidade. Isso é notável, pois vale lembrar que os hebreus jamais cogitaram qualquer coisa próxima da Trindade, imbuídos que estavam de uma revelação que apontava para o monoteísmo em sua forma mais básica. A igreja cristã percebeu a presença trinitária em algumas afirmações do Antigo Testamento, mas o judaísmo jamais deu esse passo.

(Pág. 104)

Como nós vemos claramente, a Trindade não é um ensinamento bíblico que tenha nascido entre os israelitas, o povo que escreveu a Bíblia! (Dt 31:9; 33:4; Sl 147:19-20; Rm 3:1-2; 9:4; 2 Pe 1:20-21)

Além disso, também lemos que os egípcios e os mesopotâmicos anteciparam os teólogos da Igreja na doutrina da Trindade. Ora, os bons leitores sabem que “teólogos da Igreja” se refere aos pais da Igreja, homens que se evidenciaram a partir do 2º século de nossa era, e que fundamentaram a doutrina de toda a fé cristã predominante hoje nas igrejas católicas e evangélicas, e até em outras religiões como o espiritismo.

Logo, a doutrina da trindade se desenvolveu fora do ambiente das Escrituras Sagradas e, mais tarde, os pais da Igreja Cristã se inspiraram nas crenças das religiões antigas para lançar suas interpretações da Bíblia Sagrada, “criando” uma trindade para o Deus de Israel também. Veremos mais detalhes acerca disso adiante.

Por fim, tanto esses povos antigos, como outros que vieram depois deles, até próximo e depois do tempo do Messias Yeshua, acreditavam que os deuses compartilhavam da mesma natureza divina, embora fossem pessoas diferentes. Isso é exatamente o ensino cristão introduzido pelos pais da Igreja, e exatamente o contrário do Shemá Israel, que confessa: YHWH ehad (o ETERNO é um!).

Jesus, o Shemá Israel e a Doutrina da Trindade.

icone_Simon-Ushakov_sobre_a-trindade_em_1671
Ícone Simon Ushakov sobre a trindade, em1671.

É inevitável não se alongar mais neste assunto, que foi energicamente debatido entre os cristãos dos séculos 2 até 4 de nossa era, e até hoje continua a levantar controvérsias, ainda mais com o fácil acesso à informação e à história através da internet. Também diante das dúvidas, conflitos e até indignação que devem estar surgindo na mente de vários leitores agora.

Eu já escrevi outros estudos abordando passagens bíblicas específicas que geralmente são usadas para defender que Deus seria três pessoas, isto é, uma trindade. Então, preciso tentar ser sucinto daqui para frente, enquanto determinadas passagens poderão ser respondidas nos comentários no final desta publicação, ou em estudos próprios para cada uma delas.

Em Marcos 12:28-34, que eu já mencionei mais acima, lemos um discurso do Mestre Yeshua com um dos doutores da Torá. No v. 29 o Senhor cita Deuteronômio 6:4 como sendo o principal dos mandamentos. Ele diz, naturalmente, que “o ETERNO é nosso Deus, o ETERNO é um!”, o que foi mal traduzido na grande maioria das versões bíblicas, conforme já explicado anteriormente.

Diante disso, o mestre de Torá responde: “Na verdade, Mestre, disseste bem, que ele é um, e não há outro senão ele…” (v. 32).

Em seguida, vendo que ele havia respondido sabiamente, Yeshua/Jesus lhe disse: Tu não estás longe do reino de Deus (v. 34). Com isso, nosso Salvador está concordando com o escriba que reitera que Deus é um só, a saber, o Pai (o Eterno). Ou seja, nosso Mestre não diz que Deus é um mas é três pessoas, nem que ele seria uma dessas pessoas da divindade; nem tão pouco diz que ele é o próprio Deus encarnado ou coisa do tipo. Pois este não é um ensinamento das Escrituras Sagradas! Além do mais, um não é igual a dois nem três, um é igual a um!

Porém, não podemos deixar de frisar algo muito importante que é dito pelo Senhor no v. 34. Pois quando o escriba confirma a unicidade divina, é respondido que ele não estava longe do reino de Deus. Mas o que isso significa? Obviamente, que a entrada de um indivíduo no reino de Deus está condicionada a crer que o ETERNO é o único Deus verdadeiro, vivo e existente, e que Ele é um só, como expressamente afirma o Shemá Israel e o próprio Messias! E o leitor atencioso se lembrará agora de que o Mestre também disse isso em João 17:3. Pois ele afirma ali que “a vida eterna é esta: que creiam em ti, o único Deus verdadeiro”. Isto é, Jesus ensina que a condição para se herdar a vida eterna é acreditar que o Pai é o único Deus verdadeiro!

Ou seja, quando, conscientemente, fazemos de outros seres um deus (ou “Deus também”), e lhes prestamos culto, estamos automaticamente criando um ídolo, um culto distorcido ou uma divindade fictícia/falsa, e com isso comprometendo a nossa própria vida eterna (vide Êx 20:3,23, Dt 5:7; cf. 2 Rs 18:4).

Mas, quando Deus passou a ser considerado uma trindade, como os deuses egípcios antigos, contrariando o Shemá Israel?

Não vou me alongar tanto aqui também, afim de não tornar o texto cansativo, mas trarei informações históricas importantes que poderão servir de ponto de partida para mais pesquisas.

A interpretação bíblica que ensina que Deus é uma trindade, ou seja, que está dividido em “três pessoas” diferentes, só foi elaborada a partir do 2º século de nossa era, com os pais da Igreja, como eu já mencionei antes.

Lendo isso, talvez alguém diga: Mas e quanto às passagens bíblicas que dão a entender que Jesus é Deus e que o Espírito Santo é uma pessoa e portanto Deus também? Pois bem, falarei de algumas delas ainda aqui neste estudo, resumidamente, mais adiante.

A Doutrina da Trindade Cristã teve seus fundamentos lançados por Inácio de Antioquia (35-107), como vemos a seguir em um de seus próprios escritos:

Pois nosso Deus, Jesus Cristo, tomou carne no seio de Maria segundo o plano de Deus, sendo de um lado descendente de Davi, provindo por outro do Espírito Santo.

(Inácio aos efésios, 18.2a, início do 2º século)

De início já podemos perceber certa confusão na explicação desse homem, pois ele diz que o deus dele, Jesus Cristo, tornou-se carne segundo o plano de Deus. Eram dois deuses então?

Ora, embora Inácio não negue que o Pai é Deus, apresenta claramente que Jesus Cristo é Deus também (também?).

Depois disso, no oriente cristão, por volta do ano 180, há o registro do termo grego Τριας (Trias), usado por Teófilo de Antioquia (2º Livro a Autólico, cap. 15). Não fica claro se ele se refere à doutrina da trindade exatamente como ela foi formulada cerca de 2 séculos depois, tal como permanece até hoje em dia. Mas, de toda forma, já é um vestígio da mesma, até porque Teófilo parece ser da mesma cidade que Inácio, podendo ter feito até parte da mesma Igreja local.

No ocidente, por sua vez, o teólogo Tertuliano (180-220) foi o primeiro a usar a palavra latina trinitas para se referir à Trindade Cristã. Este homem já tenta defini-la com mais detalhes.

O termo trinitas se encontra em sua obra redigida no início do século III, Adversus Praxeas.

Tertuliano tenta explicar a Trindade da seguinte forma:

[…] especialmente no caso desta heresia, que se supõe possuir a pura verdade, pensando que ninguém pode acreditar em Um Só Deus de qualquer outra forma que não dizendo que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são a mesma Pessoa. Como se deste jeito também um não fosse todos, em que todos fossem de Um, por unidade (que é) de substância; enquanto o mistério da dispensação está ainda guardado, o qual distribui a Unidade em uma Trindade, colocando em sua ordem as três Pessoas – O Pai, o Filho e o Espírito Santo: três, contudo não em condição, mas em grau; não em substância, mas em forma; não em poder, mas em aspecto; ainda que em uma substância, uma condição e um poder, enquanto que Ele é um Deus, de onde estes graus, formas e aspectos são reconhecidos, sob o nome de Pai, Filho e Espírito Santo.

Praxeas, Tertuliano, cap. 2. Fonte: ecristianismo.com.br.

Agora, no século 4, depois de muitos debates, conflitos e brigas, quando a Doutrina da Trindade foi finalmente formulada, quando decidiu-se que o Espírito Santo seria realmente uma pessoa e o cristianismo tornou-se a religião oficial do império romano, publicou-se uma carta sujeitando todas as pessoas do império a acreditarem nisso de forma obrigatória. Ela ficou conhecida como Édito de Tessalônica, e acerca deste assunto diz assim:

É nossa vontade que todos os diversos povos que são súditos de nossa Clemência e Moderação devem continuar a professar aquela religião que foi transmitida aos Romanos pelo divino Apóstolo Pedro, como foi preservada pela tradição fiel, e que agora é professada pelo Pontífice Dâmaso e por Pedro, Bispo de Alexandria, um homem de santidade apostólica.
De acordo com os ensinamentos apostólicos e a doutrina do Evangelho, que nós creiamos em uma só divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em igual majestade e em uma Santíssima Trindade.
Nós autorizamos que os que obedecerem a essa lei assumam o título de Cristãos Católicos.
Porém, para os outros, uma vez que em nossa opinião, são loucos tolos, nós decretamos que recebam o nome ignominioso de heréticos, os quais não deverão ter a presunção de dar aos seus conventículos o nome de igrejas.
Eles irão sofrer em primeiro lugar o castigo da condenação divina e, em segundo lugar, a punição que a nossa autoridade, de acordo com a vontade do Céu, decidir infligir.

Publicado em Tessalônica no terceiro dia das calendas de março, durante o quinto consulado de Graciano Augusto e o primeiro de Teodósio Augusto.” Fonte: Historias de Roma, por Eduardo André.

É intrigante a forma taxativa com que a população é coagida a adotar a nova crença romana na divindade, e como ecos dessa forma continuam a ressoar até os dias atuais, onde são taxados de hereges aqueles que não acreditam na doutrina da trindade da mesma forma que a cristandade.

Mas, como a nossa pesquisa mostrou, sendo atestada por pesquisas de autores cristãos mesmo, a doutrina da trindade não nasceu com os autores bíblicos, os profetas, reis e sacerdotes israelitas, que acreditavam unanimemente que Deus é um só em absoluto e indivisível!

Portanto, não é difícil perceber que aqueles homens contrariaram tudo o que o Shemá Israel afirmou. As interpretações deles foram inspiradas em culturas alheias ao que foi transmitido ao povo bíblico, e causaram muita confusão no mundo antigo, e estão causando até hoje também.

Anuncia Sua palavra a Jacó, Seus estatutos e Suas leis a Israel. Para com nenhuma outra nação agiu assim, e Seus preceitos elas desconhecem. Portanto, louvado seja o Eterno! HaleluYah!

Salmo 147:19-20

Obs.: Não sou judeu nem israelita, mas reconheço que Deus amou este povo e lhe confiou suas leis e ensinamentos, independente daqueles que foram infiéis no passado; vide Is 43:1-4, Jr 31:35-37, Rm 3:1-2, 9:4, 11:1-2,16-18.

Mas, e quanto às passagens bíblicas que dão a entender que Deus seria uma trindade?

Quadro da santíssima trindade por Paolo Gaetano em Getty Images.
Quadro da “santíssima trindade” por Paolo Gaetano em Getty Images.

Nosso presente estudo já ficou muito longo. Portanto, e eu vou apenas citar e explicar, de forma bem resumida, mas acredito que satisfatória, algumas das passagens bíblicas em que várias pessoas entendem serem indícios, ou mesmo ensinamentos claros, da Trindade, e mostrar que não passam de interpretações divorciadas de seu devido contexto.

Gênesis 1:26.

Começando por Gênesis 1:26 onde, na conclusão da criação, Deus diz: “façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança”. Os professores de seminário teológico e a própria teologia cristã afirmam que ali era a Trindade falando. No entanto, o texto em si diz isso? O texto diz que Deus estava falando consigo mesmo ou com as outras duas “pessoas da divindade”? Não! Gênesis 1:26 apenas afirma que Deus disse algo no plural e pronto. Mas então com quem ele falava?

Já que o texto é enigmático, ele nos leva a conjecturar. Porém, não precisamos saltar para longe do texto do 1º livro da Bíblia para tirar uma conclusão simples dessa questão. Se lermos Gn 3:22-24, onde Deus fala no plural de novo, concluiremos que haviam outros seres celestiais com Ele nos tempos iniciais da criação, e o mais coerente e honesto (já que Gn 1:26 por si só não dá detalhes) é afirmar que era com estes que Deus falava, convidando-os para participar de um momento sublime de sua obra.

Um breve relato acerca da criação mesmo, no Salmo 8:3-6, confirma isso, onde subentendesse que os mensageiros celestes (anjos) foram criados antes do homem e estavam ali presentes durante a criação. Um comentário acerca deste texto na Bíblia de Jerusalém concordará com isso, e este mesmo comentário desta tradução bíblica, afirma que foram os padres (pais) da Igreja que viram neste texto a Trindade insinuada, confirmando assim, portanto, mais uma vez, que essa doutrina não se originou na mente daqueles que receberam de Deus a revelação das Escrituras.

Existem outras literaturas antigas que explicam que Deus ali falava com sua corte celeste, porém nosso espaço agora é pouco para citar mais. Consulte nosso estudo específico acerca da Trindade em Gênesis 1:26 aqui no Blog Bíblia se Ensina para mais detalhes.

Mateus 3:16-17, Marcos 1:9-11 e Lucas 3:21-22.

Os três textos mencionados neste tópico relatam o ritual de imersão pelo qual Yeshua passou, em outras palavras, o batismo de Jesus.

Reprodução de João batizando Jesus; o batismo deve ser em nome da trindade conforme Mateus 28 19 ?

Será que estiveram presentes no batismo de Jesus as três pessoas da Trindade? Bom, vamos deixar o texto bíblico falar por si. Vou transcrever aqui o texto de uma tradução bíblica comum mesmo.

E, sendo Jesus batizado, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre ele.
E eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo.

Mateus 3:16,17 Almeida Corrigida Fiel (ACF)

Os outros dois relatos são muito parecidos, portanto não há necessidade de ficar ocupando mais espaço em nosso conteúdo.

Bom, em todo caso, o texto está dizendo que eram as três pessoas da Trindade presentes ali? Ele está afirmando que o chamado Espírito Santo ou Espírito de Deus era uma pessoa? O texto está chamando Jesus de Deus ou de segunda pessoa da Trindade ou o Espírito de terceira?

Não, não e não! O texto em si não está tentando transmitir nenhuma doutrina, ele só está relatando o que aconteceu. E para saber mais detalhes disso, seria necessário fazermos uma consulta no idioma bíblico original, o que farei em outro tópico.

Por fim, e simplesmente, não há nenhuma doutrina da trindade sendo defendida na cena do batismo de Jesus, o que os teólogos interpretam com isso é mero fruto de sua imaginação humana e criatividade teológica.

Mateus 28:19.

Esse pode ser um dos textos mais difíceis de se abordar, e muitas pessoas terão dificuldade em digerir a realidade a respeito dele. Nele, Jesus teria dado uma ordem aos seus discípulos, onde teria dito:

Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;

Mateus 28:19

Essa seria uma prova contundente do Deus trino. Um fato sem refutação: o Messias estaria ensinando uma nova doutrina aos seus discípulos judeus (como ele). O Mestre estaria aqui revelando a máxima da trindade; agora ele estaria dizendo para os seus discípulos que Deus realmente é três pessoas, embora isso certamente fosse contrariar o Shemá Israel, a prece que todo judeu (como eles) recita pelo menos duas vezes por dia.

Você já ouviu a expressão “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” antes, no Édito de Tessalônica, que foi citado aqui. Mas ainda antes desse édito, Tertuliano repete essa expressão algumas vezes em seus escritos.

Porém, o mais intrigante nisso é que os discípulos estavam na frente do Senhor quando ele teria dado essa ordem, de batizarem dessa forma. No entanto, parece que eles não quiseram obedecer o seu Mestre, ou quem sabe não acreditavam em Deus da forma que o Messias supostamente teria dito nos últimos momentos após sua ressurreição. Você já deve saber que as cenas de batismo/imersão relatadas no Livro dos Atos testemunha contra essa fórmula batismal trinitária; veja Atos 2:38, 8:16, 10:48 e 19:5.

Como podemos conferir em todos os casos ocorridos nos versículos citados acima, e dentre outros, os crentes foram batizados apenas em nome do Senhor Jesus, isto é, Yeshua. E em nenhum momento, em qualquer livro/relato dos Escritos Nazarenos, vemos uma cena sequer de batismo em nome da Trindade. 

Mas por que os discípulos não obedeceram uma (suposta) ordem expressa dele, que era para batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Parece haver algo de errado nisso, não é mesmo?!

As conjecturas dos teólogos são muitas na tentativa de explicar tal discrepância. Mas eu não as mencionarei aqui para não alongar mais o nosso conteúdo.

Mas, para completar tal disparidade, os textos de Mt 21:25, Atos 1:22, 18:25, 1 Coríntios 1:13-15 e dentre outros, bem como o próprio contexto histórico da época, mostra que o batismo, ou seja, o ritual de imersão em águas, era realizado no nome de um indivíduo apenas.

Então o que aconteceu para o tal batismo trinitário se fazer presente nas traduções bíblicas que conhecemos?

A verdade é que aconteceu em Mateus 28:19 o mesmo que 1 João 5:7-8, e relacionado ao mesmo assunto, a Trindade, isto é, uma inserção ou modificação do texto bíblico original!

Quanto a 1 João 5:7-8 explicarei mais adiante. Em relação ao batismo trinitário de Mateus 28:19, nenhum manuscrito bíblico anterior ao século 4 contém as palavras do batismo trinitário! Seja manuscrito grego ou aramaico. E o que se torna mais intrigante ainda é que foi justamente nessa ocasião que a doutrina da trindade foi finalmente formulada.

Em comentário acerca desta fórmula batismal de Mateus 28:19, a Bíblia de Jerusalém confessa:

É possível que, em sua forma precisa, essa fórmula reflita influência do uso litúrgico posteriormente fixado na comunidade primitiva. Sabe-se que o livro dos Atos fala em batizar “no nome de Jesus” (cf. At 1,5+; 2,38+). Mais tarde deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade.

Pois bem, talvez eles não tenham se aprofundado nessa pesquisa, seja porque não quiseram ou não acharam necessário levantar controvérsia com um texto bíblico tão difundido nas instituições religiosas. Todavia, em busca da verdade, resolver tal discrepância e encontrar uma concordância histórica para a cena do batismo, eu pesquisei mais e ao longo de cerca de 3 anos consegui encontrar algumas respostas satisfatórias. No entanto, não compartilharei todas as informações aqui, quem sabe reserve isso para escrever num livro, visto o tamanho que nosso texto está tomando agora.

Bom, em contrapartida ao texto do batismo trinitário que foi herdado por todas as bíblias e manuscritos posteriores ao século 4, há várias menções de Eusébio de Cesareia diretas a esse texto de Mateus 28:19 e a essa ocasião da ressurreição do Senhor. Na verdade, há cerca de uma dezena de citações entre suas obras Demonstração do Evangelho e História Eclesiástica, ambas do final do século III. Mas para não alongar ainda mais nosso estudo eu citarei apenas três.

Mas os outros apóstolos que eram perseguidos de várias maneiras, no intuito de destruí-los, foram expulsos da terra de Judéia e seguiram caminho pregando o evangelho a todas as nações, confiando no socorro de Cristo, que disse: “Ide e ensinai todas as nações em meu nome”.

Eusébio de Cesareia. História Eclesiástica, pág. 82. CPAD. Edição do Kindle.

Com uma palavra e voz Ele disse aos Seus discípulos: “Ide, e fazei discípulos de todas as nações em Meu Nome, ensinando-os a guardar todas as coisas que Eu vos ordenei,” e Ele juntou o efeito à Sua Palavra; e em pouco tempo toda raça de gregos e bárbaros estava sendo levada ao discipulado,

Eusébio de Cesareia, Demostratio Evangelica, Livro 3, cap. 6.

Pois Ele não os ordenou simples e indefinidamente fazer discípulos de todas as nações, mas com a necessária adição de “em meu nome”. E o poder de Seu Nome sendo tão grande, que o apóstolo diz: “Deus lhe deu um nome que está acima de todo nome, para que em nome de Jesus se dobre todo joelho, tanto das coisas do céu como da terra, e coisas debaixo da terra”, Ele mostrou a virtude do poder em Seu Nome escondido da multidão quando Ele disse aos Seus discípulos: “Ide, e fazei discípulos de todas as nações em Meu Nome.”

Eusébio de Cesareia, Demostratio Evangelica, Livro 3, cap. 7.

Consulte nosso estudo específico acerca do batismo trinitário de Mateus 28:19 para mais detalhes. Veja também uma nota que estou disponibilizando no meu Evernote no endereço bit.ly/mt2819-nota para as outras citações de Eusébio. Mais informações históricas e pesquisas acerca deste trecho bíblico serão liberados quando, se Deus me permitir, eu fazer o lançamento da tradução bíblica na qual estou trabalhando (visite biblia.pro.br/bsa para mais detalhes).

João 1:1-14.

João utiliza os versículos iniciais de seu relato para fazer um prólogo à sua obra. Ele o faz de forma poética e relacionando sua mensagem com o texto de Gênesis capítulo 1, daí ambos começarem com a expressão “no princípio”.

O trecho inicial deste capítulo exige um estudo só para ele, porque aqui João está falando do poder da palavra de Deus e da ressurreição de seu Mestre, Yeshua; diferente do que muitos pensam, imaginando que ele estava falando de um deus encarnado. Aliás, o “deus encarnado” era outra ideia da cultura egípcia, onde o Faraó se considerava o próprio deus Hórus encarnado no mundo.

Mais uma vez, e por causa do complexo conteúdo, serei sucinto aqui, reservando mais explicações para um espaço específico.

O relato de João, sem sombra de dúvida, não foi escrito originalmente em grego, pois eu já mostrei em outro estudo aqui no blog que os judeus da Palestina no 1º século não se comunicavam neste idioma. Na verdade, eles tinham até dificuldade em aprendê-lo. O próprio historiador judeu daquele tempo, Flávio Josefo, menciona isso em suas obras.

Todavia, mesmo assim, usarei o texto grego para provar que a ideia de homem-deus-encarnado ali não é real. A começar pelo fato de a palavra grega “logos”, traduzida por “palavra” ou “verbo” em João 1:1, não designar uma “pessoa”

Do ponto de vista meramente etimológico, e não do interpretativo imaginário religioso, o próprio Dicionário Strong define logos assim:

3056 λογος logos
de 3004; TDNT – 4:69,505; n m
do ato de falar
palavra, proferida a viva voz, que expressa uma concepção ou idéia
o que alguém disse
palavra
os ditos de Deus
decreto, mandato ou ordem
dos preceitos morais dados por Deus
profecia do Antigo Testamento dado pelos profetas
o que é declarado, pensamento, declaração, aforismo, dito significativo, sentença, máxima
discurso
o ato de falar, fala
a faculdade da fala, habilidade e prática na fala
tipo ou estilo de fala
discurso oral contínuo – instrução
doutrina, ensino
algo relatado pela fala; narração, narrativa
assunto em discussão, aquilo do qual se fala, questão, assunto em disputa, caso, processo jurídico
algo a respeito do qual se fala; evento, obra
seu uso com respeito a MENTE em si
razão, a faculdade mental do pensamento, meditação, raciocínio, cálculo
conta, i.e., estima, consideração
conta, i.e., cômputo, cálculo
conta, i.e., resposta ou explanação em referência a julgamento
relação, i.e., com quem, como juiz, estamos em relação
razão

Como verificamos já de início, se recuperarmos o texto bíblico para seu sentido original, perceberemos que João, no capítulo 1 e versículo 1 de seu livro, não estava descrevendo um homem que era o próprio Deus no princípio ou o Deus que depois se encarnou num ser humano. Além do mais, o texto em grego não diz “a palavra/verbo era Deus”, mas o contrário, como vamos verificar abaixo:

Ἐν-En (No) ἀρχῇ-arke (princípio) ἦν-en (era) ὁ-o (a) Λόγος-logos (palavra), καὶ-kai (e) ὁ-o (a) Λόγος-logos (palavra) ἦν-en (estava) πρὸς-pros (com) τὸν-ton (-) Θεόν-Theos (Deus), καὶ-kai (e) Θεὸς-Theos (Deus) ἦν-en (era) ὁ-o (a) Λόγος-logos (palavra).

Agora, no versículo 14, quando é dito “e a palavra se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do primogênito vindo do Pai…”, isso está dizendo que a glória da palavra divina foi vista em Yeshua quando ela (a palavra) “se fez carne”.

Ora, “se fez carne” é uma linguagem figurada para se referir à ressureição do Messias, que recebeu vida de novo em seu corpo depois que foi ressuscitado pela palavra de Deus (por tê-la obedecido durante toda sua vida, vide Mc 10:17-19, Lc 10:25-28).

No decorrer do livro de João, ele mesmo relata quando que essa glória da palavra foi vista no Filho de Deus, que foi depois de sua ressurreição, basta ver o capítulo 7:39. Ora, o Senhor só se tornou Filho de Deus, de fato, depois de sua ressurreição, vide Atos 13:32,33, Rm 1:4 etc. Assim também nos tornaremos filhos de Deus completos depois deste momento, vide 1 João 5:1-2. Ademais, o próprio Mestre explica que os filhos de Deus são os filhos da ressurreição, vide Lc 20:34-36.

Aliás, foi exatamente por esse motivo que eu citei o v. 14 de João 1 como está no texto aramaico, que diz “primogênito filho de Deus” e não “unigênito” (veja a tradução de George Lamsa). Porque Yeshua foi o primeiro filho de Deus (em qualidade de eternidade), gerado pela ressurreição dos mortos; depois dele serão aqueles que o lhe são fiéis (cf. Rm 8:29 e 1Co 15:20-23).

Eu sei que estes conhecimentos são novos para não poucos leitores da Bíblia, que estão habituados a acreditarem na interpretação de que João 1 estaria descrevendo um deus que se encarnou homem. Mas na verdade, isso é algo inventado pelos pais da igreja e inspirado nas crenças estrangeiras antigas. Fica, de fato, difícil explicar tudo em poucas palavras e sem dizer mais do contexto bíblico.

Por fim, o próprio João declara na conclusão de sua obra que ele havia escrito para que todos acreditassem que Yeshua/Jesus é o Filho de Deus, e não Deus encarnado, homem-deus ou coisa do tipo, vide 20:30-31. Por isso, não temos motivo para crer diferente do que o autor do texto bíblico quis transmitir. Além do mais, assim como os outros discípulos, João era judeu e acreditava no Shemá Israel, isto é, que Deus é um só, o Pai Eterno, e não poderia inventar crenças que diferissem disso. O que passa disso, portanto, é proveniente da interpretação religiosa criada depois, o que acabou se refletindo nas traduções bíblicas mais comuns de que fazemos uso, e consequentemente na religião mais popular do mundo atual.

Veja nosso estudo específico acerca de João 1:1-14 para mais detalhes.

João 10:30.

“Eu e o Pai somos um”. É o que Jesus afirma no curto versículo de João 10:30. Depois de dizer isso, os judeus que o ouviam pegaram em pedras para matá-lo, e alegaram que com tais palavras ele estava se passando pelo próprio Deus (vs. 31-33).

Aqueles que acreditam na Doutrina da Trindade isolam este versículo de todo seu contexto para defendê-la de modo contundente. Eles até convencem muitas pessoas, mas cauterizam sua própria mente. De fato, eu mesmo agia assim no passado.

No entanto, o Senhor explica o que quis dizer logo em seguida, mas poucos param para prestar atenção nisso, do contrário não alimentariam a doutrina trinitária.

Primeiro, ele estava dizendo que era um com Deus em suas obras, basta ver o v. 32, onde ele explica isso. E ele dará mais detalhes na sequência da conversa.

Nos vs. 34-35 ele afirma que as Escrituras Sagradas chamaram outros seres humanos de “deus” também. Na verdade, ele está se referindo ao Salmo 82:6. Logo, o mestre Yeshua está se colocando em comparação àqueles seres humanos do Salmo 82, com o diferencial de ser superior a eles, claro.

Mas por que o Salmo chamou aqueles homens de “deuses”?

Agora nós precisamos fazer um pequeno retorno ao idioma original da Bíblia para explicar.

A palavra hebraica usada naquele Salmo para descrever aqueles homens, que foi traduzida como “deuses” ou “deus” nas bíblias tradicionais, é אֱלֹהִים (elohim). Essa palavra tem vários significados, a depender de seu contexto, mas todos conectados entre si de alguma forma. No próprio Dicionário Strong, já citado aqui antes, podemos descobrir alguns significados que ficam ocultos ao entendimento daqueles que não pesquisam. Vamos conferir:

H430 elohiym, plural de H433 DITAT – 93c n m p
1 plural
1a governantes juizes
1b seres divinos
1c anjos
1d deuses
2 plural intensivo – sentido singular
2a deus/deusa
2b divino
2c obras ou possessões especiais de deus
2d o verdadeiro Deus
2e deus

Se prestarmos atenção nos significados de elohim, veremos que a tradução “deuses” é um problema nas traduções bíblicas em si, e não no texto original. Pois elohim indica alguém que tem poder para julgar, uma autoridade, alguém forte, um juiz etc. Na verdade, a tradução “deus” é influência do grego “theos”, e não algo proveniente do texto hebraico em si.

Por exemplo, nos textos de Êxodo 21:6, 22:8-9,28 elohim foi geralmente traduzido por “juízes” em não poucas versões da Bíblia.

Portanto, o que o Mestre está dizendo no discurso em volta de João 10:30 é que ele é um com o Pai em suas obras, basta ver o que ele diz nos vs. 32.37-38, onde neste último ele diz que o Pai está nele, e não que ele é o próprio Pai ou o próprio Deus encarnado. Além do mais, no v. 36 ele deixa claro que estava alegando ser o Filho de Deus, e não o próprio Deus.

João capítulos 14, 15 e 16.

Os capítulos 14 a 16 do relato (“evangelho”) de João são mesmo intrigantes e meio enigmáticos. Vários versículos nele, supostamente, dão a entender que se trata da ação das três pessoas da trindade em conjunto. Vou apenas citar o endereço deles e o leitor pode conferir na própria Bíblia:

No v. 6 Jesus diz: “… ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. Porque Jesus disse “ninguém vem ao Pai” e não “ninguém vai ao Pai”, que parece ser o correto, os líderes religiosos deduzem que ele é o próprio Pai, ou seja, o próprio Deus.

Entretanto, ele mesmo responde o que quis dizer na sequência da conversa, quando Filipe pediu que mostrasse a eles o Pai. Jesus responde que aquele que o vê estaria vendo ao Pai, e por quê? Simplesmente porque, ele disse, o Pai está nele! (v. 10)

Verifique que ele não afirma “eu sou o próprio Pai”, ou “eu sou o próprio Deus”, nem “a segunda pessoa da Trindade”. Antes, ele disse que o Pai está nele por causa das obras que fazia, porque eram as mesmas do Pai (v. 11).

Perceba como tudo trata-se de linguagem figurada para ilustrar realidades vividas na prática.

Além do mais, na sequência de seu discurso, no v. 20, ele alega que seus discípulos estão nele, e ele neles, e isso não quer dizer que eles se tornaram o próprio Jesus ou deuses como ele também seria.

Agora, nos versículos 16, 17 e 26 ele começa a falar do “outro Consolador”, o Espírito da verdade, segundo está em várias traduções bíblicas.

Aqui ele parece estar falando de uma terceira pessoa, como naturalmente se deduz ao ver o texto já formatado em português para induzir a essa crença.

Depois de mais discurso, o Senhor volta a falar do “Espírito” só no final do cap. 15, no v. 26. Ali ele diz que o chamado “Espírito” daria testemunho acerca dele. Mas note que ele diz que seus discípulos testemunhariam também.

Adiante, a partir do versículo 7 do capítulo 16, e até o versículo 14, ele fala mais uma vez do Consolador. Dessa vez ele diz que esse Consolador convenceria o mundo de seus pecados, ele guiaria seus discípulos na verdade e não falaria de si mesmo, mas só o que tiver ouvido, e ainda anunciaria as coisas futuras. Por fim, ele também glorificaria ao Messias.

Todas essas são características pessoais, não é mesmo?! Convencer alguém, guiar, falar, ouvir, anunciar e glorificar um outro.

Isso tudo daria a entender que o “Espírito” é de fato a terceira pessoa da divindade ou trindade, embora tal expressão nem sequer existe na Bíblia.

Contudo, na conclusão deste mesmo discurso, o Mestre fala mais claramente e revela acerca de quem ele estava falando ao usar tais palavras. Vamos conferir o versículo 25 para constatar:

Disse-vos isto por parábolas; chega, porém, a hora em que não vos falarei mais por parábolas, mas abertamente vos falarei acerca do Pai.

João 16:25 ACF

Agora o Mestre revela tudo! Ele não afirma que estava falando de um Deus trino, nem de três pessoas na divindade. Ele afirma antes que falava acerca do próprio Pai através de parábolas, ou seja, de uma linguagem figurada!

Portanto, aqui também não temos motivo para acreditar na construção da Trindade, basta deixar o texto falar por si só. Além do mais, a palavra “espírito” não significa pessoa, o que veremos mais adiante.

João 20:28.

E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu!

João 20:28

Muitas pessoas podem considerar que Jesus é Deus pelas claríssimas palavras de Tomé neste versículo, que abertamente declara que Jesus é o seu “Deus”. No entanto, vamos parar para pensar no seguinte: alguns versículos anteriores a este, o próprio Jesus havia chamado o Eterno de “meu Pai” e “meu Deus” (v. 17).

Ora, se Jesus alega que tem um Deus, como pode ser ele o próprio Deus? Em outros versículos bíblicos ele diz o mesmo, como em Ap 3:3,12, onde chama o Pai de “meu Deus” pelo menos 4 vezes.

Além disso, por várias vezes, seus discípulos afirmam que o Pai é o Deus dele, basta ver Rm 15:6, 2Co 11:31, Ef 1:17 etc.

E para refletir mais, na presente tradução bíblica utilizada aqui, ACF, o próprio Criador chama seu servo Moisés de Deus também, basta conferir Êxodo 4:16 e 7:1 (também na NAA).

A resposta para essas aparentes confusões o leitor já teve na explanação de João 10:30-36, mais acima. Pois, no idioma original aramaico em que Tomé e Jesus se comunicavam, Tomé chama o Mestre de “elahi” (אלָהי֖), isto é, “meu elaha”. Você pode conferir este texto no site obohu.cz/bible/index.php; acesse o menu, na sessão Other Translations selecione Peshitto NT in Hebrew letters with Accents and Vowels, então procure pelo texto de João 20 e veja a última palavra do versículo 28.

Ora, “elaha” é da mesma raiz de “elohim” ou “el“, que designa uma autoridade, um juiz, um soberano, alguém que tem poder ou força. Era dessa forma que Tomé se referia ao seu Mestre.

Para mais detalhes, veja nosso estudo de João 20:28 aqui no blog.

2ª Coríntios 13:14 (13 em algumas traduções).

A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo seja com todos vós. Amém.

2 Coríntios 13:14 ACF

Alguns cristãos também usam este versículo como uma clara referência à Trindade.

Bom, o próprio versículo não está chamando Jesus ou o “Espírito Santo” de Deus, nem está dizendo “que a graça, amor e comunhão das três pessoas da trindade seja com todos vós”. Mas, mesmo assim, vamos discorrer acerca disso também.

Vou tentar simplificar, fazendo uma tradução literal do próprio texto grego dessa carta, embora eu use o texto em aramaico como o oficial, mas vamos adiante.

Ἡ-E (A) χάρις-karis (graça) τοῦ-tou (do) Κυρίου (Senhor) Ἰησοῦ-Iesou (Iesus) Χριστοῦ-Kristou (Ungido), καὶ-kai (e) ἡ-e (o) ἀγάπη-agape (amor) τοῦ-tou (de) Θεοῦ-Theu (Deus), καὶ-kai (e) ἡ-e (a) κοινωνία-koinonia (comunhão) τοῦ-tou (do) Ἁγίου-agiou (santo/sagrado) Πνεύματος-Pneumatos (vento/sopro), μετὰ-meta (seja com) πάντων-panton (todos) ὑμῶν-umon (vocês).

Ora, o que eu vejo neste texto é a descrição de um Deus só.

Mas o que pode surpreender alguns leitores agora é descobrir que a palavra pneumatos (ou simplesmente pneuma), usada várias vezes para se referir ao “Espírito Santo”, significa originalmente vento/sopro. Veja os números G4151 e G4154 (que deu origem à 4151) no Dicionário Strong. Isso já quebra completamente a crença na doutrina da trindade, porque originalmente tal palavra não designa uma pessoa.

Mas por que pneuma foi traduzido por “espírito”? Certamente, por influência do latim spiritus, que quer dizer sopro, vento, respiração, e consequentemente se refere à força vital do ser humano.

Tanto a palavra grega quanto a latina certamente herdam o sentido hebraico da palavra rúah, que também significa vento e designa o ar em movimento (a Bíblia de Jerusalém explica isso no comentário de Gênesis 6:17).

Rúah pode ter significados diferentes, dependendo de seu contexto, mas todos com alguma ligação entre si. Pode significar um vento literal (Êx 10:13; Sl 11:6, 55:8), o ar (Jó 41:16), o fôlego de vida (Gn 7:15), o interior do ser humano, isto é, sua mente ou emocional (Gn 26:35; Ez 20:32), ou ainda pode indicar uma inspiração, haja vista que “inspirar” é inserir o ar nos pulmões, mas figuradamente indica uma influência, poder ou capacidade que alguém recebe de outro (vide 1Sm 19:20; At 11:28).

Por isso, eu traduziria 2ª Coríntios 13:14 da seguinte forma:

A graça do Senhor Yeshua, o Ungido, e o amor de Deus, e a comunhão proveniente da inspiração santa seja com todos vocês.

Veja mais sobre o significado da palavra espírito aqui no blog, ou o significado de rúah no Projeto Bíblico Ezra.

Filipenses 2:5-11.

Este texto parece uma clara afirmação de que o Messias realmente é Deus. Porém, mesmo na tradução em português, podemos nos fazer algumas perguntas.

⁵ De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus,
⁶ Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus,
⁷ Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens;
⁸ E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.
⁹ Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome;
¹⁰ Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra,
¹¹ E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.

Filipenses 2:5-11 ACF

O versículo 6 parece indicar que, mesmo sendo homem, ele continuou sendo Deus. Vamos pensar um pouco. Se é assim, então por que, no versículo 9, é dito que Deus o exaltou? Ele já não era Deus? E que Deus é esse que o exaltou, um 2º ou um 1º Deus? Isso não faz sentido algum, e ainda quebraria o princípio maior refletido no Shemá Israel, o principal mandamento da Bíblia, que diz que Deus é um só, e que não há outro, nem um segundo ou um terceiro.

Mas a questão, sem a necessidade de entrar no texto original, é de fato respondida no versículo 11, que conclui dizendo “para glória de Deus Pai”. Ou seja, o próprio texto está dizendo que o Pai é quem é Deus e glorificado por meio de seu Ungido (Cristo).

Ainda sem adentrar no texto original, podemos verificar que a “forma de Deus”, na qual o Senhor se encontrava (v. 6), está em contraste com a “forma de servo”, mencionada no v. 7. Ou seja, Yeshua saiu do estado de alguém que tinha poder para o estado de alguém que não tinha. Logo, a “forma de Deus” do v. 6 indica alguém que tem consigo autoridade e poder, e não que seja o próprio Deus encarnado ou que seja em si o próprio Deus Eterno.

Agora, se adentrarmos no idioma original da Bíblia, teremos ainda mais apoio para tal explicação.

Pois o próprio Dicionário Strong, mesmo inserindo a ideia da trindade na definição da palavra grega Theos (G2316), também explica que a mesma pode se referir a um “representante ou vice regente de Deus; um magistrado ou juiz“. Ou seja, o Dicionário está definindo como significado de Theos o mesmo que Elohim, que, como vimos em tópicos anteriores, é usado para se referir a juízes, homens que de alguma forma tem poder/autoridade. E é isso que Paulo está falando acerca de Yeshua em Fp 2:5-11, pois ele não poderia contradizer o Shemá Israel inventando uma segunda divindade.

Para ser mais claro nas minhas palavras, não deixando dúvidas, eu quero dizer que a palavra “Deus” não necessariamente existe no idioma original em que a Bíblia foi escrita, o hebraico (e o mesmo vale para o aramaico, língua na qual Jesus pregava sua mensagem). Sendo as traduções mais corretas para Elohim essas alternativas: soberano, poderoso, juiz, autoridade e similares. Portanto, é o texto em português, bem como o pensamento, teologia e crenças por trás de suas palavras, que traz problemas.

Moisés foi chamado de elohim (Êx 4:16, 7:1), juízes de Israel foram chamados de elohim (Êx 22:9), o Criador foi chamado de Elohim, pois Ele é o verdadeiro Elohim (Gn 1:1), deuses da antiguidade foram chamados de elohim (1 Rs 11:33), os fortes trovões da sétima praga que caiu sobre o Egito antigo foram chamados de elohim (Êx 9:28) e as lutas pelas quais Raquel passou com sua irmã foram chamadas de elohim também (Gn 30:8).

Por fim, como eu disse, elohim designa algo ou alguém forte, poderoso, que tem autoridade e/ou força, e não necessariamente uma divindade. Este mesmo caso vale para os textos de Isaías 9:6, Romanos 9:5 e 1 João 5:20, em que as bíblias comuns chamam Jesus de Deus também, mas na verdade o texto quer dizer que ele é a autoridade sobre todos (toda criação).

Efésios 4:30.

E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção.

Efésios 4:30 ACF

Porque o chamado “Espírito Santo” se entristece, será que ele é Deus? Será que é uma pessoa da divindade ou a terceira pessoa de uma trindade?

Vamos responder essa pergunta mencionando outros textos bíblicos que dizem praticamente a mesma coisa.

Ora, sendo Esaú da idade de quarenta anos, tomou por mulher a Judite, filha de Beeri, heteu, e a Basemate, filha de Elom, heteu.
E estas foram para Isaque e Rebeca uma amargura de espírito.

Gênesis 26:34,35

Ora, Isaque e Rebeca ficaram com seu espírito amargurado (triste, chateado, irritado) por causa das mulheres de seu filho Esaú. Quer dizer que o espírito do casal era um ser à parte deles?

Então Acabe veio desgostoso e indignado à sua casa, por causa da palavra que Nabote, o jizreelita, lhe falara, quando disse: Não te darei a herança de meus pais. E deitou-se na sua cama, e voltou o rosto, e não comeu pão.
Porém, vindo a ele Jezabel, sua mulher, lhe disse: Que há, que está tão desgostoso o teu espírito, e não comes pão?

1 Reis 21:4,5

Nesta cena, será que o espírito de Acabe, que estava desgostoso, chateado, aborrecido, triste, estressado, era uma pessoa que existia à parte dele?

O coração alegre é bom remédio, Mas o espírito abatido seca os ossos.

Provérbios 17:22

O que significaria o “espírito abatido” neste provérbio, se não o interior do próprio ser humano em si? Por que, em todos estes casos, o espírito se refere ao ser interior de cada indivíduo, mas quando aplicado a Deus tem que se referir a uma terceira pessoa da divindade, uma espécie de terceira versão do divino ou uma terceira repartição dele, sendo que o maior ensinamento das Escrituras, o Shemá Israel, afirma que Ele é um só, uma unidade indivisível e absoluta?

Certamente que Efésios 4:30 se refere ao “ser interior” (por assim dizer), do próprio Deus, e não a uma das pessoas da dita trindade.

Isso já havia sido mencionado pelo profeta Isaías antes, não é uma invenção de Saul (Paulo), basta ver o capítulo 63:10 do livro deste profeta. Tal texto, na Bíblia Hebraica da Editora Sêfer, foi vertido da seguinte forma:

Mas eles se rebelaram e trouxeram aflição a Seu santo Ser; por isto Ele Se tornou Seu inimigo e contra eles Se voltou.

Isso já deve responder outros textos bíblicos que talvez estejam se passando pela mente do leitor agora, como Atos 5:3, onde as traduções bíblicas comuns mencionam que um homem mentiu ao “Espírito Santo”, sendo que o versículo seguinte responde que na verdade se tratava do próprio Deus.

Você também pode comparar Isaías 40:13, Romanos 11:34 e 1 Coríntios 2:16 em qualquer tradução bíblica comum para constatar que o “Espírito do Senhor” se refere à mente/intenção/”ser interior” de Deus.

Veja nosso estudo de Efésios 4:30 para mais detalhes.

1 João 5:7-8.

Bom, basta comparar este texto em versões bíblicas diferentes para constatar uma diferença gritante. Vejamos:

⁷ Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um.
⁸ E três são os que testificam na terra:
o Espírito, e a água e o sangue; e estes três concordam num.

1 João 5:7,8 ACF

7 Há três que dão testemunho:
8 o Espírito, a água e o sangue; e os três são unânimes.

1 João 5:7-8 NVI

Algo assim não poderia ser deixado em silêncio, não é mesmo?!

Este texto seria, de fato, a mais clara prova que a Bíblia daria de que Deus é de fato três pessoas. Mas o que aconteceu com ele na Bíblia Nova Versão Internacional (NVI)? Observe o tamanho do trecho adicional apresentado na Bíblia Almeida Corrigida Fiel, bem como na Bíblia King James Fiel e na Almeida Revista e Corrigida.

Ora, eu já escrevi uma pesquisa explicando essa adição ao texto aqui no Blog Bíblia se Ensina. Inclusive existem até provas em documentos históricos de que o trecho adicional apresentado naquelas traduções bíblicas clássicas não é verdadeiro. Contudo, os próprios tradutores modernos e eruditos do texto bíblico em grego, que inclusive acreditam na doutrina da trindade, mostram que tal adição não é original.

Vamos conferir os comentários de 1 João 5:7-8 em algumas traduções bíblicas e de pesquisadores do texto em grego.

Bíblia NVI:

Alguns manuscritos da Vulgata dizem testemunho no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo, e estes três são um. 8E há três que testificam na terra: o Espírito, (isto não consta em nenhum manuscrito grego anterior ao século doze).

Bíblia de Jerusalém:

O texto dos vv. 7-8 está acrescido na Vulg. de um inciso (aqui abaixo entre parênteses) ausente nos antigos mss. gregos, nas antigas versões e nos melhores mss. da Vulg., e que parece ser uma glosa marginal introduzida posteriormente no texto: “Porque há três que testemunham (no céu: o Pai, o Verbo e o Espírito Santo, e esses três são um só; e há três que testemunham na terra): o Espírito, a água e o sangue, e esses três são um só.”

Conclusão da pesquisa do dr. Wilbur Norman Pickering, especialista do texto em grego:

Aqueles que usam a AV (Authorized Version) ou NKJV (New King James Version) estão acostumados a: “Há três que dão testemunho no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. E há três que dão testemunho na terra: o Espírito, a água e o sangue; e estes três concordam como um.”
As palavras em itálico (adicionais) são encontradas apenas em cinco manuscritos gregos tardios (menos de 1% do total) e em parte da tradição latina, de onde vieram.
Para ser mais preciso, os manuscritos são: (61)[16º], (629)[14º], (918)[16º], 2318 [18º], 2473 [17º], em que as letras cursivas em ( ) diferem umas das outras; os dois que concordam literalmente com o TR (Textus Receptus) provavelmente foram copiados dele.
O único que é claramente antigo o suficiente para ter servido como exemplar do TR, 629, é muito diferente – faltam as últimas sete palavras no TR, omite outras cinco, altera cinco e adiciona duas – 19 de 40 palavras é demais; o Textus Receptus não é baseado na letra cursiva 629, portanto deve ser uma tradução do latim (ou seu exemplar se perdeu).
A leitura mais curta faz excelente sentido.
[Aqueles que fazem das ‘três testemunhas celestiais’ um teste decisivo para a ortodoxia são ignorantes ou perversos (ou ambos).]

Wilbur Pickering explica mais a respeito da adição de 1 João 5:7-8 em uma entrevista no seguinte vídeo do Youtube, no canal do Adolfo Euclair:

Bom, por que falar mais, se os próprios eruditos e tradutores do texto em grego, que acreditam na doutrina da trindade, estão criticando aqueles que criaram tal adição de 1 João 5:7-8? Mas vale ressaltar que aqui não é uma briga de opinião ou disputa por crenças. É constatado arqueologicamente, textualmente e historicamente que a referida adição trinitária não faz parte do texto bíblico original, inclusive do texto aramaico, tal como comenta a Bíblia Peshitta da BV Books:

No texto Peshitta não aparece a leitura “… no céu, o Pai, o Verbo e o Espírito Santo, e estes três são um. E três são os que dão testemunho na terra”. Tampouco aparece nos manuscritos gregos mais antigos.

Algo semelhante aconteceu com o texto do batismo trinitário de Mateus 28:19, porém sendo este mais difícil de concluir devido ter sido reproduzido em praticamente todos os manuscritos gregos, e até alguns aramaicos, mas só os posteriores ao século 4, como eu já mencionei antes.

Conclusão: o Shemá Israel (Dt 6:4 e Mc 12:29), o mandamento mais importante da Bíblia, afirma que Deus é um só, ou seja, uma “pessoa” só, o Pai; e a história testemunha que a doutrina da Trindade é um desenvolvimento dos pais da Igreja, posterior aos tempos bíblicos, que tinha sua base em crenças religiosas estrangeiras antigas.

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5 Comments

  1. Rudy Rudy

    Interessante, uma dúvida como fica então 1 João 5:20?

    • Oi Rudy. Se o texto ali quer dizer literalmente que Yeshua é Deus, então o profeta Moisés também seria Deus, veja:
      “Então, disse o Senhor a Moisés: Vê que te constituí como Deus sobre Faraó, e Arão, teu irmão, será teu profeta.”
      Êxodo 7:1 ARA
      Moisés era Deus?

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