João 1: explicação e significado no pensamento original hebraico

estudo bíblico de João 1.1-14, o verbo de Deus ou palavra de Deus, com explicação e significado dentro do contexto original hebraico e judaico

De acordo com o capítulo 20 versículos 30-31 do relato (evangelho) de João, o objetivo deste discípulo era levar seus leitores a crer que “Jesus” é o filho de Deus. Por isso, em João 1 é feita uma exposição introdutória de como ele chegou a alcançar isso, que foi através da ressurreição. Com isso concorda Paulo na carta aos crentes romanos capítulo 1:4, por exemplo (veremos outros versículos mais a frente). Neste estudo bíblico, portanto, tentaremos elucidar o verdadeiro significado do capítulo 1 do relato de João, que é um dos textos mais conhecidos da Bíblia Sagrada, de acordo com o pensamento e contexto original hebraico/judaico.

“No princípio era o verbo…” (versículo 1)

Tanto a palavra grega “logos”, quanto a hebraicadavar” e a aramaica “miltha” significam “uma palavra, fala, uma expressão, uma declaração, um discurso, pronunciamento”, ou semelhantes. Mas nas traduções bíblicas cristãs em português foi traduzido por “verbo”, no masculino, para dar a entender que o texto aqui fala de Jesus, que ele já era Deus no princípio, sendo o próprio verbo de Deus, ou o próprio Deus que se tornou carne, supostamente de acordo com o versículo 14 deste mesmo capítulo. Entretanto, o significado da palavra original é simplesmente o ato de falar ou discursar, e não uma pessoa.

Portanto, vejamos o significado etimológico da palavra grega “logos” no Dicionário Bíblico Strong, por exemplo:

“Logos” no original grego:

3056 λογος logos
de 3004; TDNT – 4:69,505; n m
do ato de falar, palavra, proferida a viva voz, que expressa uma concepção ou idéia
o que alguém disse,
os ditos de Deus,
decreto, mandato ou ordem,
dos preceitos morais dados por Deus,
profecia do Antigo Testamento dado pelos profetas,
o que é declarado, pensamento, declaração, aforismo, dito significativo, sentença, máxima
discurso,
o ato de falar, fala,
a faculdade da fala, habilidade e prática na fala,
tipo ou estilo de fala,
discurso oral contínuo – instrução,
doutrina, ensino,
algo relatado pela fala; narração, narrativa,
assunto em discussão, aquilo do qual se fala, questão, assunto em disputa, caso, processo jurídico,
algo a respeito do qual se fala; evento, obra,

Esse é o significado etimológico, e não o significado interpretativo religioso que o autor também inseriu em sua obra. E conforme vimos, ele diz acima que logos, identificado pela numeração 3056 em seu dicionário, é proveniente de outra palavra, que é identificada no pelo número 3004, e a palavra é a seguinte:

3004 λεγω lego
palavra raiz; TDNT – 4:69,505; v
dizer, falar
afirmar sobre, manter,
ensinar,
exortar, aconselhar, comandar, dirigir,
apontar com palavras, intentar, significar, querer dizer,
chamar pelo nome, chamar, nomear,
gritar, falar de, mencionar
,

Por isso, logos não se refere a uma pessoa.

O significado da palavra hebraica “davar” segue raciocínio semelhante, e pode ser conferida, por exemplo, no Léxico Hebraico e Aramaico traduzido por William L. Holladay, págs. 92,93.

Portanto, de acordo com os significados etimológicos originais dessas palavras, “logos”, “davar” ou “miltha” não significam uma pessoa, como já dissemos. Então, aqui não vamos seguir a sequência do texto utilizando o termo “verbo”, mas em vez disso “palavra”, que é o mais adequado, conforme foi traduzido na NVI, por exemplo (embora essa tradução não tenha perdido certas distorções embutidas no texto também).

Prosseguindo, ao dizer “no princípio”, João está falando de um começo, um ponto de partida, um início. Mas que princípio era esse? É óbvio que, como bom israelita que era, ele fazia referência ao “princípio” (em hebraico “reshit“) de Gênesis 1:1. Portanto, nota-se que, neste discurso inicial, o autor quer fazer um paralelo do primeiro livro das Escrituras (Tanakh) com alguma mensagem que ele passará mais a frente.

João está dizendo simplesmente que “no princípio era a palavra de Deus, seu discurso ou sua fala”. Ou seja, isso era tudo que estava ali quando ainda não havia mundo.

“e a palavra estava com Deus…”

Ou seja, a palavra criadora de todas as coisas estava com Deus, o Criador. Ele era o possuidor dessa palavra. Essa palavra, esse discurso veio dele. Ou seja, a palavra pertencente a Deus é que dá origem a tudo que veio a existir.

“E a palavra era Deus” (“o verbo era Deus”)

Como vimos, nas traduções cristãs mais tradicionais está escrito “e o Verbo era Deus”, como na ACF, ARA, NAA, etc., para dar a entender que “o Verbo era Deus” e “Jesus era esse verbo”, portanto ele era Deus. Porém, mesmo o texto grego não está nessa sequência, pois ele diz “e Deus era a palavra”, e não o contrário.

Vejamos dois textos gregos famosos para comprovar isso. Primeiro o texto Nestle Aland 1904, o principal utilizado para traduzir o “Novo Testamento” das Bíblias modernas, publicado no site bibliaportugues.com, por exemplo.

João 1.1 interlinear grego-inglês, texto de Nestle Aland 1904, fonte: bibliaportugues.com.

O texto encontra-se no interlinear (lado a lado) grego-inglês. E como visto no final do versículo diz “and God was the Word”, isto é, “Deus era a palavra”.

Agora vejamos uma compilação mais antiga do texto grego, que também foi muito famosa desde a invenção da imprensa entre os séculos 15 e 16. Trata-se do Textus Receptus (texto recebido) publicado por Stephanus em 1550.

João 1.1 interlinear grego inglês no textus receptus (texto recebido) Stephanus (Robert Estienne), de 1550.

Como visto, o texto, publicado no site textusreceptusbibles.com, diz a mesma coisa, “and God was the Word”, que é “e Deus era a palavra”. Podemos ainda mencionar o texto grego compilado pelo Dr. Wilbur Pickering, a Família 35, que naturalmente segue a mesma sequência.

Portanto, o autor está simplesmente dizendo aqui que Deus era aquela palavra no princípio, pois só Deus estava ali, antes de tudo ser criado.

“ela [a palavra] estava no princípio com Deus”

A palavra criadora que dá origem à toda forma de vida existente estava com o próprio Deus no princípio, quando nada ainda havia sido criado. Isso nos faz lembrar a ilustração/revelação de Provérbios 8:22-30, mas não vamos nos prolongar com outros textos agora. Porém este raciocínio do versículo 2 se completará com as palavras seguintes de João 1:3, que diz:

“todas as coisas foram feitas por meio dela, e sem ela nada do que foi feito se fez” (versículo 3)

Ora, todas as coisas foram feitas por meio da palavra que Deus proferia na criação do universo, e sem essa mesma palavra nenhuma forma de vida veio à existência. Ou seja, em Deus está a origem de tudo que existe e todos recebemos vida por meio da palavra Dele. O autor quer deixar isso bem claro para que entendamos suas explicações seguintes.

Além do mais, entenderemos essa frase melhor ainda com as palavras que se seguem, onde João começará uma nova fase de sua abordagem e mostrará, de modo ilustrativo, sua finalidade com essa introdução.

“a vida estava nela [na palavra]” (versículo 4)

A vida estava na palavra porque foi a palavra criadora proferida por Deus que deu origem a todas as formas de vida existentes no universo, como já dissemos. Então aqui vemos que Deus é o doador da vida através da sua palavra que criou tudo.

“e a vida era a luz do homens”

Agora João assimila a vida que veio da palavra com a luz, assim como no Gênesis 1, em certo momento, Deus disse, “haja luz”, e foi depois que houve a luz que as outras formas de vida começaram a existir

Isso nos faz lembrar o momento em que uma mulher gera uma criança, o parto, em que é dito que ela “deu à luz um filho”. Ou seja, o que vem à luz (ou para a luz) é aquilo que recebe vida.

Logo, se a luz é a vida, então naturalmente a escuridão (trevas), é a morte.

“A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela” (versículo 5)

Aqui nós ainda podemos manter o paralelo que João está fazendo com Gênesis capítulo 1. Pois de acordo com aquele relato, primeiro havia a escuridão, e só depois é que houve a luz (vide Gn 1:2-4). Então, como já dissemos, depois que houve a luz é que as outras formas de vida vieram a existência, é por isso que João disse que a luz resplandece nas trevas e estas não prevaleceram contra ela

Em suma, João está mostrando que a luz veio à partir da escuridão, e a escuridão (as trevas) não puderam resistir.

Aqui então já começamos a perceber o verdadeiro significado de João capítulo 1 e a finalidade deste discípulo com essa alegoria. Pois tendo em vista que a luz representa a vida e a escuridão a morte, e assim como na criação a luz brilhou nas trevas e elas não prevaleceram, assim também a morte não prevaleceu contra a vida quando Jesus foi ressuscitado dos mortos por Deus (vide At. 2:23-24,31-32; 3:15,26; 4:10; 5:30; 10:39-41; 13:29-30,33,36-37; 17:31; Rom. 10:9; 1 Cor. 6:14; 15:12-15; 2 Cor. 4:14; Gál. 1:1; Col. 2:12; 1 Tess. 1:10; Heb. 13:20-21; 1 Pe 1:21).

Logo, nesse texto de João 1:5 é feita uma alegoria com o texto de Gênesis 1:2,3 para se referir à ressurreição do Mestre. Porque assim como a luz nasceu das trevas na criação e deu origem às outras formas de vida, na ressurreição do Senhor a vida nasceu da morte, isto é, a luz nasceu das trevas. E veremos mais adiante que a ressurreição dele dará origem a outras.

“Houve um homem enviado por Deus, e o nome dele era João. Este veio como testemunha para testificar a respeito da luz, para que todos viessem a crer por meio dele.”

Essa luz a que os versículos 6 e 7 se referem é a luz que nasce das trevas, basta seguir a sequência para concluir. E João, o imersor (batista), veio para testificar da luz, ou seja, dar testemunho dela. 

Ao texto dizer que ele (João imersor/batista) não era a luz, pelo raciocínio, notamos que o autor está dizendo que seu xará não era “a luz” que iria resplandecer das trevas. Ou seja, João não era aquele que ressuscitaria dentre os mortos, e de fato o próprio imersor disse isso, vide João 3:28.

“Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz” (versículo 8)

Ou seja, não era João imersor o Messias, isto é, o Ungido, como dissemos acima. Entretanto, ele veio para dar testemunho a respeito dele.

João o batista (imersor) dando testemunho a respeito de Yeshua (Jesus) que ele era o cordeiro de Deus.

“a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina toda a humanidade”

O que é a luz que ilumina toda a humanidade? (ou a todo homem)

Já vimos que assim como a luz que resplandeceu nas trevas, João está falando de uma vida que ressurgiu da morte, ou seja, ele falava da ressurreição que ocorreria. Essa ressurreição traria aos homens a iluminação da vida eterna, ou da ressurreição dentre os mortos, e essa luz conduziria outros homens a conquistarem a mesma imortalidade.

Paulo também fala exatamente disso, e com mais clareza, em 1 Coríntios 15:20-23.

Portanto, percebemos agora que o tema central de João no primeiro capítulo de seu relato é a ressurreição do Senhor e como, através dela, ele chegou a ser filho de Deus (veremos versículos de referência mais adiante).

“A palavra estava no mundo, o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a conheceu.” (versículo 10)

Muitas pessoas entendem que este versículo 10 está falando de “Jesus” (isto é, Yeshua). Entretanto, devemos questionar: ele estava no mundo antes de seu nascimento? É óbvio que não! E os que afirmam o contrário o fazem somente por meio de conjecturas, e eu particularmente não acho saudável trabalhar com conjecturas, porque são pessoais e por isso duvidosas e não expressam a realidade.

A palavra que estava no mundo, portanto, é a palavra de Deus, ou seja, aquela palavra criadora do princípio.

Por isso, o que o texto de João 1:10 está dizendo é que essa palavra (pronunciamento, discurso, fala, ensinamento) de Deus estava no mundo desde o princípio, pois o próprio mundo foi feito por ela. Não obstante, o mundo, isto é, as pessoas do mundo, não a conheceram, ou a rejeitaram, como vemos claramente no decurso da humanidade, com exemplos em Gênesis capítulos 6 e 11.

“Veio para o que era seu, e os seus não a receberam.” (versículo 11)

O versículo 11 de João 1 é um dos mais distorcidos deste texto. Pois os que o leem superficialmente, e com ideias errôneas já formatadas na mente, dizem que aqui neste versículo foram os judeus que não receberam ao Messias. No entanto, ao continuar lendo este mesmo capítulo, vemos de imediato um pequeno grupo de judeus recebendo-o (vs. 35-51).

Então de quem o versículo 11 estava falando? Quem é que veio ao mundo e quem eram “os seus” que não o(a) receberam? Nós já vimos no tópico anterior, no entanto, basta ler também o versículo 10 para concluir claramente, pois quem estava no mundo era a palavra, ela que veio ao mundo, ou seja, aquela palavra criadora de Deus que estava com Ele quando nada ainda existia. Até aqui não pode tratar-se de Yeshua porque ele não ainda havia nascido.

“Os seus” que não receberam a palavra de Deus trata-se da humanidade, que foi feita pela própria palavra. O texto não pode tratar-se somente dos judeus e da nação de Israel, com a justificativa de que eles não receberam ao Messias (que quer dizer “ungido”), pois além do pequeno grupo do capítulo 1, como já mencionado, os 12 emissários (apóstolos) que ele escolheu também eram judeus (Mat.10:1-7). Além disso, o próprio Shaul (Paulo) explica que haviam vários da nação de Israel que creram no Mestre nazareno, ainda que esses muitos representassem uma minoria da nação (Rm 11:1-5). O irmão do Senhor também relata que foram milhares os que creram nele (e continuaram mantendo o zelo pela Torá), vide Atos 21:20.

“Mas, a todos quantos a receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome,” (versículo 12)

João mostra aqui que só aqueles que recebem a palavra de Deus dentro de si é que receberam ou receberão o poder de se tornarem filhos de Deus. Entretanto, isto não é tudo, pois logo em seguida ele explicará como que um filho de Deus nasce, e isso automaticamente nos fará assimilar de que forma foi que o Mestre tornou-se o filho de Deus e consequentemente como nos tornaremos também.

“os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (versículo 13)

Ora, João está explicando aqui que um filho de Deus não nasce por meios naturais, isto é, do sangue ou da carne, querendo se referir às relações naturais humanas. O filho de Deus não é um descendente comum humano. Um filho de Deus nasce pela vontade do próprio Deus, mediante a obediência à palavra Dele (“os que a receberam”). E Yeshua alcançou isso através de sua ressurreição dos mortos, que foi resultado de sua obediência a Deus, vide Atos 13:33, Rom. 1:4.

Os filhos de Deus tem natureza transcendente e eterna, e o próprio Senhor explica claramente que eles nascem através da ressurreição em Lucas 20:34-36. É por isso também que João explica em sua primeira carta que, embora agora somos chamados de filhos de Deus, ainda não se manifestou o que seremos de verdade ao finalmente alcançarmos essa dádiva (vide 1 João 3:1-2). Paulo ainda completa isso dizendo que o status de filho de Deus será alcançado somente em nossa redenção (Rom. 8:21-23).

“e a palavra se fez carne” (versículo 14)

Nas Bíblias cristãs foi traduzido “e o verbo se fez carne”, a fim de masculinizar o termo e construir o pensamento de que o verbo era “Jesus” e esse “verbo” se tornou carne quando foi gerado por sua mãe (cujo nome verdadeiro hebraico é MIriam). Dizem com isso ainda que este era Deus no início e que portanto Deus desceu do céu, se fazendo carne, “vestindo pele humana”. Entretanto, como já vimos, “o verbo”, isto é, “a palavra” aqui não é uma pessoa e por isso não se refere à Yeshua. 

Além do mais, já aprendemos também que um filho de Deus não nasce por meios naturais, ou seja, da gestação feminina. A sequência do texto mostrará que um filho de Deus nasce por meio da palavra Dele, quando este a obedece. Paulo explica claramente em Atos 13:30-33 (citando Salmo 2:7) que um filho de Deus é gerado com a ressurreição proveniente da obediência do crente à palavra. Ou seja, Paulo está explicando no referido trecho de Atos que o Salmo 2:7, que diz, “tu és meu filho, hoje te gerei”, se cumpriu na ressurreição de Yeshua.

Em suma, um filho de Deus nasce pelo recebimento da palavra. Essa mesma palavra muda seus pensamentos, sua vida, sua existência, e um dia transformará seu corpo e sua realidade numa realidade superior ao alcançar a imortalidade e vida eterna.

Por isso, quando um ser humano recebe a palavra de Deus em si, ela deve “se fazer carne” na vida dele. Ou seja, essa pessoa deve viver (praticar) a palavra de Deus até que um dia ela transforme sua realidade existencial. Sendo assim, está sendo gerado nele um filho de Deus.

Portanto, “a palavra que se fez carne” aqui é uma alusão à ressurreição do Senhor. Pois após “se fazer carne” ela [a palavra] habitou entre nós, ou seja, refere-se a Yeshua quando este voltou à vida, porque a frase seguinte diz, “e vimos a sua glória“, que é a glória de Yeshua ressurreto, e ele só foi glorificado após sua ressurreição, como podemos ler em João 7:39, 12:16,23, 13:31, 17:1, Atos 2:32,33

ressurreição, homem saindo do túmulo

“E vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai.” (versículo 14b)

E finalmente João ainda completa dizendo que a glória da palavra foi vista, glória como a do primogênito do Pai (versículo 14). No texto grego está “unigênito do Pai”. No entanto, nos manuscritos aramaicos mais antigos está “primogênito“, o que foi refletido na tradução de George Lamsa, por exemplo, e essa leitura faz mais sentido. Isso é explicado pelo fato de o versículo 12 explicar que “a todos quantos receberam a palavra receberam o poder de serem filhos de Deus”

Por isso, Deus já gerou um filho, que é Yeshua, o seu primogénito, mas Ele ainda vai gerar muitos outros (cf. Rm 8:29). Yeshua é o primogênito que foi ressuscitado pela palavra de Deus, tornando-se assim seu filho. Mas depois, todos os que exercerem fidelidade a Deus à exemplo dele, também serão ressuscitados e se tornarão filhos de Deus, como já vimos em 1 Coríntios 15:20-23. Portanto, neste versículo não faz sentido chamá-lo de “unigênito”, se nosso Senhor é só o primeiro.

Mas afirmar que o Senhor foi feito filho de Deus traz a seguinte indagação:

Por que o Mestre foi chamado de filho de Deus antes de sua ressurreição, como em Mateus 3:17, 17:5, etc.? 

Isso é simples de explicar. Foi pelo mesmo motivo que Abraão foi chamado pai de multidões quando nem sequer tinha um filho de sua esposa (Gn 15:5,15-19), e ainda era velho. Porque Deus chama à existência as coisas que não existem como se já existissem, e era isso que Ele estava fazendo com Yeshua (cf. Rom. 4:17).

Conclusão do significado de João 1.

Página da Bíblia com João capítulo 1 em inglês.

Em suma, nestes versículos iniciais do 1º capítulo de seu relato, João está usando uma linguagem própria rabínica comum no judaísmo chamada de “midrash”, onde um texto (neste caso Gênesis 1) é tirado de seu sentido literal e ganha outro significado, dando alusão a alguma mensagem que o autor quer transmitir. Em nosso caso, a ressurreição de Yeshua e como ele se tornou filho de Deus. 

Também podemos chamar esse método de “interpretação alegórica”, onde João está usando a luz como sentido de vida, as trevas (escuridão) como morte e a palavra de Deus como criadora da existência. Então, assim como no princípio, na criação, tudo veio à existência pela palavra de Deus, assim também a nova criação que está por vir, isto é, os filhos de Deus, também são gerados pela palavra Dele. 

Logo, em nenhum momento deste texto João quis se referir a um “deus encarnado”, ou que o Criador está dividido em três pessoas, sendo uma trindade, e que Yeshua seria a segunda pessoa dessa mesma trindade, coisas essas incomuns para a mente de qualquer hebreu/judeu (vide Deut. 6:4). Mas antes ele está dizendo que aquela mesma palavra que criou tudo no princípio (que também não é uma pessoa), essa mesma que gerou vida ali continua a criar e criará por fim a nova realidade dos filhos de Deus (cf. Rom. 8:19-21). Além disso, um dos pontos principais é falar da luz que nasceu das trevas, ou da vida que nasceu da morte, isto é, a ressurreição do ungido Yeshua.

A interpretação cristã que surgiu posteriormente à época dos discípulos diretos do Senhor é que deu sentido totalmente contrário ao contexto original hebraico e judaico, sendo influenciada por culturas de outros povos, em especial greco-romanas.


Redação do texto: Gabriel da Rocha Filgueiras. Publicação: Blog Bíblia se Ensina. Essa interpretação do texto de João 1 é parte do ensinamento da Comunidade Judaica Netzari. Alguns complementos, citações e referências bíblicas, bem como a edição e organização do texto, são do autor.

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Autor: Gabriel Filgueiras

Um caco de barro que com trabalho duro está sendo moldado pelo Criador.

19 comentários em “João 1: explicação e significado no pensamento original hebraico”

  1. Jesus Cristo é o nome dado à Palavra de Deus que nasceu neste mundo como um bebé. A Palavra de Deus se fez carne.
    Repare, assim como Deus disse: haja luz e houve luz, assim, também quando Deus disse que aquele que pecar certamente morrerá deveria morrer. Pois Deus diz e isso é assim tal como diz. No entanto, Deus amou o mundo de tal maneira que enviou a Sua Palavra a este mundo para que a Sua Palavra, em carne, morresse no nosso lugar. À Palavra, em carne, chamamos Jesus Cristo. Pois, daquilo que eu leio é isto que entendo. A Palavra de Deus através da qual tudo foi criado, a Palavra que proferida se cumpre, pois Deus não mente…essa mesma Palavra, morreu, como ser humano, em carne e, como ser humano, em carne, ressuscitou. Agora, a Palavras de Deus está em forma humana para todo o sempre e nós, seres humanos podemos ter vida.
    Este texto se refere a Jesus Cristo: “E estava vestido de uma veste salpicada de sangue; e o nome pelo qual se chama é a Palavra de Deus.” PCF — Apocalipse 19:13
    Tal como João 1 também.
    Mas em lado nenhum, na Bíblia, fala que a Palavra de Deus era uma pessoa antes de vir a este mundo como um ser humano. Por isso, Jesus, foi chamado de Deus connosco, pois estando a Palavra de Deus connosco, Deus está connosco.

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