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Santa Ceia Cristã: o que é, quem criou e como surgiu?

Last updated on 08/07/2024

A Santa Ceia cristã é um dos sete sacramentos da Igreja Católica, bem como de todas as demais igrejas cristãs. Ela também é chamada Eucaristia, uma palavra que vem do grego εὐχαριστία (eucharistia), e significa “ação de graças“. Muitos alegam que a chamada “Ceia do Senhor“, celebrada geralmente aos domingos nas igrejas, foi instituída pelo próprio Jesus em sua última noite de vida neste mundo junto a seus discípulos. Mas, como está claro no texto bíblico, o evento que ele participava na noite em que foi traído era a Páscoa bíblica (Mt 26:18), que tem sua data determinada para acontecer e não é fixa aos domingos. Então, como realmente aconteceu a transição de um evento para o outro? Foi realmente Jesus quem ensinou seus discípulos a comerem a Santa Ceia Cristã aos domingos e com isso fazerem pouco caso da comemoração da Páscoa bíblica ordenada por Deus, da forma que acontece até hoje em dia nas denominações cristãs mais comuns?

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A origem da Eucaristia.

Na tradução grega dos relatos dos discípulos, chamados “evangelhos” pela cristandade, um derivado da palavra eucharistia aparece no momento que Jesus agradece pelo pão e vinho no jantar de Páscoa que fazia com seus discípulos, basta ver Mt 26:27, Mc 14:23 e Lc 22:17,19. Mas este derivado, ευχαριστεω (eucharisteo), também aparece outras vezes com a mesma forma de agradecimento, como na multiplicação dos pães; veja Mt 15:36, Mc 8:6, Jo 6:11,23.

Logo, eucaristia era uma palavra grega comum e não se referia a um evento religioso específico, nem sugere a criação de um novo.

A Santa Ceia Cristã atual foi primeiramente chamada Eucaristia pelos Pais da Igreja no início do século II (pelo menos), veja a carta de Inácio aos esmirnenses, caps. 7-8. Até hoje é chamada dessa forma na igreja cristã mãe, a Igreja Católica, também mencionada por Inácio nesta carta.

Ora, sendo Jesus falante do aramaico, uma espécie de idioma “irmão do hebraico“, e não do grego, além disso praticante da Páscoa bíblica/judaica sua vida inteira, conforme constatamos em Lc 2:41-42, por exemplo, é natural se imaginar que a criação da Eucaristia, em detrimento da Páscoa de Êxodo 12, não tenha vindo dele (cf. Lc 22:7-8,14-16). Então, de onde realmente veio o evento que até hoje é realizado aos domingos nas igrejas cristãs, do qual é dito que foi Jesus quem o instituiu?

Qual evento Jesus realmente participou na noite em que foi traído?

É comum se dizer no meio cristão que Jesus, o Messias (Cristo), teria instituído a Santa Ceia no seu último jantar de Páscoa com seus discípulos. Com isso ele teria os ensinado a, em vez de celebrarem a Páscoa bíblica de Êxodo capítulo 12, simplesmente comer uns pedacinhos comuns de pães com suco de uva e se recordarem de seu sacrifício na estaca/cruz (segundo a interpretação cristã).

Mas será isso verdade? O que os relatos bíblicos realmente tem a nos dizer? Vamos usar uma tradução bíblica comum para mostrar.

E aconteceu que, quando Jesus concluiu todos estes discursos, disse aos seus discípulos:
Bem sabeis que daqui a dois dias é a páscoa; e o Filho do homem será entregue para ser crucificado.

Mateus 26:1,2 ACF

Por meio deste texto, logo concluímos que ele morreu durante o evento da Páscoa bíblica (ou judaica), que acontece todo dia 14 do mês de NIssan/abib do calendário hebraico, usado hoje em Israel (Lv 23:5; Dt 16:1).

Aqui é interessante fazer uma observação: é intrigante ver como a grande maioria dos cristãos, e até mesmo líderes de longa data, nem sequer sabem o dia que acontece um evento que Jesus participou durante todos os anos de sua vida. Eu mesmo fiquei durante cerca de 14 anos, tendo passado por diferentes denominações de igrejas e me envolvendo nas escolas bíblicas dominicais; cursei seminário teológico durante 4 anos, tendo aulas de segunda a sexta, e nunca ouvi um de meus pastores ou professores falarem a respeito disso.

A cristandade tem Jesus como o Salvador, o Senhor/Mestre e até mesmo como o próprio Deus, mas não sabem o dia que acontece um evento que era tão importante para ele, do qual ele participou, como dissemos, sua vida toda. Há algo de muito controverso nisso, não?! Você sabia da existência do mês de nissan/abib no calendário hebraico, que está ativo até hoje? Sabia que, neste calendário, os judeus contam os anos a partir do dia em que Adão foi criado, por isso sua data já passou dos anos 5780? Sabia que os judeus até hoje celebram a Páscoa do Êxodo, que Jesus também celebrou, no dia 14 de nissan? Quando não sabemos destes detalhes quer dizer que há algo de errado em nosso conhecimento em relação ao nosso Mestre, não acha? Mas nós veremos alguns detalhes mais adiante.

Ora, foi Deus quem determinou que seu povo fizesse tal evento (a Páscoa) neste dia específico, desde o início da nação de Israel, basta ver Êxodo 12:3-20. Mas isso você provavelmente já sabia, não é mesmo?!

Os outros relatos (“evangelhos”) confirmam tal ocasião em que Jesus morreria, vide Mc 14:1, Lc 22:1-2.

Por essa ocasião então, ao chegar o dia determinado, os discípulos dele preparam o jantar de tal evento.

E, no primeiro dia da festa dos pães ázimos, chegaram os discípulos junto de Jesus, dizendo: Onde queres que façamos os preparativos para comeres a páscoa?
E ele disse: Ide à cidade, a um certo homem, e dizei-lhe: O Mestre diz: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a páscoa com os meus discípulos.
E os discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara, e prepararam a páscoa.

Mateus 26:17-19, também em Mc 14:12-16 e Lc 22:7-13

Assim Jesus, na verdade, comeu o jantar da Páscoa bíblica com seus discípulos naquela noite que, conforme já vimos, era o dia 14 do mês de NIssan (cf. Lv 23:5-6).

Pessach, Páscoa bíblica judaica de Êxodo 12
Mas, o que muitas pessoas não sabem, inclusive dentre os cristãos que participam da “Santa Ceia” todo 1º domingo de cada mês, é que o jantar da Páscoa que Jesus fez com seus discípulos conserva muitas semelhanças com a Páscoa celebrada ainda hoje em dia pelos judeus no mundo todo (o que é natural, pois Jesus era judeu, vide Jo 4:9,21-22).

Para mostrar essas semelhanças, vou recomendar assistirmos alguns minutos deste vídeo do canal Israel com Aline. Ela é uma mulher judia que vive em Jerusalém e celebra a Páscoa judaica todos os anos. Após assistir os primeiros minutos do vídeo, recitarei as passagens bíblicas que mostram a semelhança da Páscoa de Jesus com a Páscoa dos judeus realizada nos dias atuais.

Vemos aos 1:33 minutos que a primeira coisa que se faz na cerimônia do jantar é o Kidush, isto é, a bênção sobre o vinho. Assim, lemos em Lucas 22:17 que Jesus abre o jantar da mesma forma, pois ele reparte o vinho entre seus discípulos e dá graças (isto é, ele recita o Kidush).

Matias (Mateus) e Marcos mencionam o partir do pão primeiro porque eles não relatam o evento na exata ordem, conforme Lucas fez; pois ao dizerem “enquanto comiam” significa que o jantar já estava acontecendo, vide Mt 26:20-21,26 e Mc 14:17-18,22.

A Aline nos diz também, aos 2:04 minutos que são bebidas 4 taças de vinho ao longo do jantar, e Lucas menciona pelo menos 2 taças, vide Lc 22:17,20. É em uma dessas quatro taças que ele faz a assimilação de seu sangue com a aliança renovada.

As quatro taças de vinho e os pães sem fermento do jantar de Pêssah (Páscoa bíblica).

Aos 3:10 minutos do vídeo vemos o Karpas, que é algo comestível molhado na água com sal. É interessante notar que, durante o jantar, Jesus também pega o mesmo elemento, molha e dá a Judá de Queriote (Judas), que o traiu; cf. João 13:21-26.

Por fim, aos 3:57 minutos ela diz que músicas são cantadas durante o jantar, e os relatos bíblicos também registram que o Mestre fez o mesmo (Mt 26:29-30Mc 14:25-26).

Ora, tudo que Jesus fez estava ligado ao jantar de Páscoa judaica, ou Páscoa bíblica, que o próprio Deus ensinou ao seu povo no passado. Até hoje este povo mantém tais tradições, em obediência aos mandamentos divinos.

É claro que tanto Matias, quanto Marcos e Lucas, não estavam preocupados em ensinar detalhe por detalhe, em ordem, da liturgia realizada durante o jantar da Páscoa, pois isso já estava enraizado na tradição do povo de Israel, e seus leitores primários já sabiam.

Hoje, toda a liturgia do jantar da Páscoa bíblica está registrada num pequeno livro chamado Hagadá de Pêssach.

Livro Hagadá de Pêssach.

Mas agora, diante de todas essas informações, será que Jesus realmente instituiu a Santa Ceia enquanto comia deste jantar com os discípulos, conforme ensinam atualmente?

E, tomando o pão, e havendo dado graças, partiu-o, e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim.
Semelhantemente, tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós.

Lucas 22:19,20 ACF
também recitado em 1 Coríntios 11:23-25

A partir destes versículos, diz-se que Jesus instituiu naquele momento a chamada “Santa Ceia”. Mas, agora tendo explorado os detalhes bíblicos mencionados acima, para descobrir se Jesus realmente instituiu a Santa Ceia Cristã, que notoriamente é divorciada do evento que ele, de fato, realizava naquela noite, basta fazermos uma simples pergunta: Jesus ordenou seus discípulos repartirem o pão entre si, figurando que aquilo recordaria o seu corpo sacrificado a favor deles. Mas, qual era o pão que eles estavam comendo?

Resposta: O pão sem fermento! Ordenado por Deus a ser comido no dia da Páscoa bíblica, vide Êxodo 23:15.

Na Santa Ceia cristã geralmente come-se pão fermentado, ignorando-se, deliberadamente ou não, o mandamento Divino de comer pão sem fermento. Porém, sabe o que é mais intrigante nisso? É que o próprio Deus disse que quem comesse pão fermentado em Seu evento deveria ser excluído do povo, seja israelita/judeu natural ou não, veja Êxodo 12:19.

Isso deveria nos levar a refletir no seguinte: comendo pão fermentado, então, durante o evento que Jesus fazia, será que estou realmente incluído no povo de Deus?

Porém o que acontece é que tal evento celebrado nas igrejas não é o evento que Jesus realizava naquela noite com seus discípulos (infelizmente)! A Santa Ceia é uma forma modificada posterior supostamente extraída da Páscoa que Jesus realizava. Mas isso certamente o leitor já começou a perceber…

A “Santa Ceia” é uma nova aliança com gentios?

Ao comerem do pão fermentado e beberem o suco de uva, que geralmente é artificial, e ler na maioria das vezes o texto de 1ª Coríntios 11:18-34, os cristãos celebram também uma certa “nova aliança” do Senhor feita com os gentios.

Contudo, havia uma aliança anterior com os gentios (não-judeus) para que o Senhor fizesse uma nova com eles (a não ser a aliança do arco, de Gênesis 9)? Além disso, o que eram os 12 apóstolos? E quais textos bíblicos falam da “nova” aliança?

O principal texto bíblico mencionado quando se fala de nova aliança é o de Jeremias 31:31-33, que é repetido em Hebreus 8:8-12. Porém, basta ler o início destes dois trechos e se perguntar: com quem é feita essa “nova” aliança?

Os textos são claros, e se você respondeu “com a casa de Israel e com a casa de Judá” (ou seja, com a totalidade do povo de Israel), respondeu certo! E visto que os 12 apóstolos eram judeus/povo de Israel, logo a “nova” aliança se direciona a eles mesmos! (Cf. At 10:27-28, 22:2-3 etc).

Além disso, uma observação mais detalhada do contexto envolvendo a época do profeta Jeremias, e um olhar para o texto hebraico destes versículos, nos mostrará que o profeta não falava de uma nova aliança, mas sim de uma aliança renovada ou reparada! Porque eram os israelitas de seu tempo que estavam precisando consertar sua aliança com Deus. Mas isso já é assunto para outro momento.

Por fim, no texto que se refere à aliança renovada, observamos ainda que a prática da Lei de Deus seria reforçada entre os israelitas, pois em vez de terem a Lei de Deus escritas em tábuas de pedra, eles a teriam escrita em seus corações. Então, isso significa que na “nova” aliança seria mantida a prática da celebração da Páscoa bíblica, do modo que ela foi ordenada por Deus ao povo de Israel, pois é mandamento divino para eles e um dos principais marcos de Sua aliança. Assim, o evento jamais poderia ser substituído por outro!

Agora, Jesus estendeu/ampliou essa “nova” aliança para não judeus?

Em primeiro lugar, é importante frisar que o evento do qual Jesus comia naquela noite com seus discípulos, isto é, a Páscoa, é uma aliança permanente entre Deus e especificamente o povo de Israel, basta ver Êxodo 12:14,24, Números 9:2, Deuteronômio 16:1, João 2:13 etc.

Contudo, de determinada forma, os estrangeiros já comiam da Páscoa bíblica junto aos judeus desde seu início como nação, basta ver o próprio texto de Êxodo 12, que menciona a primeira Páscoa e marca a saída do povo israelita do Egito (vide vs. 19,43-49).

Logo, a aliança divina sempre foi ampliada aos gentios que quisessem participar dela; veja isso de modo claro também em Isaías 56:6-7.

Também temos alguns exemplos nos Escritos Nazarenos: um centurião romano que simpatizava com o povo judeu (Lc 7:2-5), um estrangeiro etíope que ia a Jerusalém adorar o Eterno (At 8:27), bem como um outro centurião italiano que, de certa forma, se aproximava dos judeus (At 10:1-2), dentre vários outros exemplos. Porém, no que diz respeito a participarem da Páscoa, havia certas condições a serem seguidas…

Ora, foi ordenado aos estrangeiros que quisessem celebrar a Páscoa, que deveriam fazer exatamente do modo que o povo de Israel fazia! Veja Números 9:14.

Assim, fica claro que é proibido modificar a forma de se realizar o evento que Jesus fez em sua última noite com seus discípulos! Veja isso também em Números 9:1-3. E como vimos, Jesus obedeceu a todos os rituais e costumes deste evento, que foram ordenados pelo próprio Deus ao seu povo. Então, eu julgo que não é apropriado a crentes ficarem desobedecendo ou modificando os mandamentos de Deus!

Dessa forma, e naturalmente, o jeito certo de nós, não-judeus, participarmos do evento que Jesus realmente participou, comermos de seu pão e bebermos de seu cálice, seria através da Páscoa bíblica e, logicamente, através de uma comunidade de judeus que creem que ele é o Messias. E não foi exatamente por isso (também) que ele deu seu sangue, para ligar os não-judeus à comunidade do povo de Israel? Não era essa união que seus discípulos defendiam? Basta ver Efésios 2:11-13, Romanos 11:16-18 entre outros.

A Santa Ceia Cristã descontinuou a Páscoa bíblica?

Em resumo, como vimos, Jesus comia, na noite em que foi traído, a Páscoa bíblica que, conforme o mandamento divino, deveria ser realizada no dia 14 do mês de nissan/abib do calendário hebraico. Ele comeu pães sem fermento e os demais alimentos relacionados a este evento. Ou seja, ele obedeceu tudo da forma que Deus determinou ao Seu povo, pois isto era uma ordem divina!

E falou o SENHOR a Moisés no deserto de Sinai, no ano segundo da sua saída da terra do Egito, no primeiro mês, dizendo:
Celebrem os filhos de Israel a páscoa a seu tempo determinado.
No dia catorze deste mês, pela tarde, a seu tempo determinado a celebrareis; segundo todos os seus estatutos, e segundo todos os seus ritos, a celebrareis.

Números 9:1-3 ACF

No entanto, algo curioso que talvez nunca tenha sido dito em alguma denominação cristã, mas que está claro no texto bíblico, é que Jesus declarou que comerá deste mesmo evento com seus discípulos futuramente, no reino de Deus!

E disse-lhes: Desejei muito comer convosco esta páscoa, antes que padeça;
Porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus.

Lucas 22:15,16
Repartindo o pão sem fermento comido durante o jantar de Pêssah (Pàscoa bíblica).

E só para frisar, quando ao repartir o pão com seus discípulos ele disse, “isto é o meu corpo, que é dado por vocês; façam isto em memória de mim”, ele estava repartindo o pão sem fermento que é comido durante o jantar da Páscoa. Ou seja, ele fez uso de um elemento já utilizado na Páscoa e ampliou seu significado. Com isso ele dizia aos seus discípulos, na verdade, para continuarem comendo daquele evento, e enquanto estivessem comendo daquele pão, deveriam repartir uns com os outros em memória de seu corpo, que foi entregue à morte a favor deles.

Sendo assim, se o Mestre ordenou aos seus discípulos continuarem comendo daquele evento, lembrando-se de seu sacrifício durante o jantar, e se afirmou que comerá novamente deste com seus discípulos no reino de Deus, será que deveríamos ter parado de comê-lo? Será que estamos realmente sendo seus discípulos e seguindo seus passos?

Claramente, a Santa Ceia cristã (infelizmente) não é o evento que Jesus participava com seus discípulos e ele não a instituiu!

Se é assim então, quem fez isso? Quem criou a Eucaristia e divorciou o Mestre de sua verdadeira identidade bíblica, que Deus deu ao seu povo? Como este evento realizado atualmente pela cristandade pôde ser assumido com o que Jesus realmente fez?

A origem da Santa Ceia e a controvérsia da Páscoa no século II EC.

Eusébio de Cesareia, em seu registro a respeito da história da Igreja na obra História Eclesiástica, Livro 5, cap. 23, descreve uma controvérsia que aconteceu entre certas comunidades cristãs logo em seu início, no 2º século de nossa era.

Ele diz assim:

Surgiu, nessa época, considerável discussão em conseqüência de uma diferença de opinião a respeito da observância do período de páscoa.
As igrejas de toda a Ásia, dirigidas por uma tradição remota, supunham que deviam guardar o décimo quarto dia da lua para a festa da páscoa do Salvador, em cujo dia os judeus tinham ordens de matar o cordeiro pascal; e eles eram incumbidos, todas as vezes, de encerrar o jejum naquele dia, qualquer que fosse o dia da semana em que recaísse.
Mas não era costume celebrá-la dessa maneira nas igrejas do restante do mundo, que observam a prática que subsistiu pela tradição apostólica até o presente, de modo que não seria próprio encerrar nosso jejum em nenhum outro dia, senão no dia da ressurreição de nosso Salvador.
Assim, houve sínodos e convocações dos bispos em torno dessa questão; e todos unanimemente formularam um decreto eclesiástico que comunicaram a todas as igrejas em todos os lugares: que o mistério da ressurreição de nosso Senhor não devia ser celebrado em nenhum outro dia, senão no Dia do Senhor e que somente nesse dia devíamos observar o encerramento dos jejuns pascais.
Ainda hoje existe uma epístola dos que se reuniram naquela ocasião; entre os quais presidia Teófilo, bispo da igreja de Cesaréia, e Narciso, bispo de Jerusalém.
Subsiste ainda outra epístola acerca da mesma questão, a qual leva o nome de Vítor. Também uma epístola dos bispos de Ponto, entre os quais presidia Palmas, por ser mais velho; também das igrejas da Gália, sobre as quais presidia Irineu. Além disso, uma dos de Osroene e das cidades dali.
E em especial uma epístola da parte de Baquilo, bispo dos coríntios, e epístolas de muitos outros que, apresentando a mesma única doutrina também expressaram o mesmo voto.

de Cesareia, Eusébio. História Eclesiástica (p. 191). CPAD. Edição do Kindle.
Livro História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia (263-340 EC).

Sabemos que esta controvérsia para com a Páscoa bíblica se levantou no 2º século de nossa era por causa de alguns nomes que o historiador cita aqui.

Teófilo de Cesareia morreu por volta do ano 195. Enquanto Narciso de Jerusalém nasceu no ano 99. Então ambos foram contemporâneos na fase adulta de suas vidas.

Em resumo, o relato de Eusébio está dizendo que, dentre certos cristãos, na semana da Páscoa (14 do mês de nissan), começou-se a fazer um jejum. Aparentemente os cristãos da Ásia continuavam, de alguma forma, participando da Páscoa e encerravam seu jejum no dia em que ela começava, até porque Deus ordenou comer certos alimentos neste dia, vide Êxodo 12:6-11.

Mas, conforme ele disse, nas igrejas do restante do mundo, isso foi ignorado. Eles encerravam seu jejum no dia da ressurreição do Senhor, isto é, o 1º dia da semana, domingo. Assim, eles cometiam ao menos duas transgressões: ignoravam o dia determinado por Deus para se realizar a Páscoa, que devido a diferença de calendários acontece em diferentes dias da semana, e não comiam as coisas que Deus ordenou, das quais cada uma tinha um significado por trás, porque eles estavam jejuando neste dia…

Como vimos, até algumas igrejas cristãs, em seu início, e de certa forma, seguiam alguns costumes dos judeus (isto é, costumes que Deus deu aos judeus em sua Lei). Mas, aos poucos, algumas igrejas foram divorciando-se desse costume e cada vez mais alimentando seu movimento religioso de modo independente, criando novas tradições para si e ignorando aquelas já estabelecidas pela Lei divina.

Eles, então, já haviam começado a mudar os tempos e a Lei (cf. Dn 7:25).

Assim, por volta dessa época, a Páscoa começou a ser realizada em outro calendário e outra data, e isso se refletiu em denominações religiosas cristãs diferentes, cada uma se divorciando da data determinada por Deus para se realizar este evento.

Além disso, já naquele tempo, essa festividade estava perdendo todos os elementos ordenados por Deus à partir do evento do êxodo do Egito. Em vez de recordar todos os poderosos feitos de Deus pelos descendentes de Abraão na época do êxodo, ela estava trazendo à recordação somente a ressurreição de Jesus.

E na verdade ela permanece deste modo até hoje em dia nas mais diversas denominações cristãs, a tal ponto que existem pessoas que pensam que a Páscoa se trata somente disso, como se ela fosse um evento criado só naquela época da morte e ressurreição do Mestre.

Ou seja, eles não sabem ou não percebem que este evento já tinha relação com os judeus a milênios de anos antes, e que Jesus na verdade participava dele desde sua infância (Lc 2:41-42).

Infelizmente, muitas pessoas ainda não conseguem assimilar a Pãscoa que comemoram a ressurreição de Jesus com a do êxodo, que os judeus até hoje realizam. Não conseguem enxergar que a data que comemoram a resssurreição dele está errada (devido utilizarem outro calendário, que foi criado por um papa), e que deveriam estar inseridos na Páscoa bíblica para participarem, digamos, “mais de perto” do gesto que Jesus fez na noite de sua traição..

Naturalmente, não há nenhum problema em se recordar da ressurreição de Jesus na época da Páscoa bíblica original, no entanto, como nós lemos mais acima, nenhuma ordenança divina relacionada a tal evento poderia ter sido modificada! Jesus, como sendo o homem mais obediente aos mandamentos de Deus que já existiu, jamais promoveu tal coisa (cf. João 15:10; Mt 5:17-19).

Mas Eusébio alega em seu relato que tais mudanças foram recebidas por tradições apostólicas. Ou seja, teriam sido os apóstolos que criaram o costume de se ignorar a data certa de se celebrar a Páscoa bíblica, ignorar os alimentos comidos nela e ordenaram um jejum que deveria ser mantido até o domingo (embora a Páscoa, como dissemos, acontece em dias diferentes da semana). Será que isso é mesmo verdade?

Em 1ª Coríntios 11:23-24, o apóstolo Paulo diz: “eu recebi do Senhor o que também lhes entreguei, que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, pegou um pão, e, tendo dado graças, o partiu e disse: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vocês; façam isto em memória de mim’.”.

Ou seja, quando ele fala que “recebeu do Senhor”, ele está simplesmente dando aos discípulos o relato que chegou ao seu conhecimento, acerca da noite em que o Mestre foi traído. E quando ele diz, “[Jesus] pegou o pão e, tendo dado graças, o partiu e disse…”, de qual pão Paulo estava falando? Obviamente era do pão sem fermento, comido durante a Páscoa bíblica, porque era este pão que Jesus repartiu com seus discípulos! Cf. Lc 22:15,19.

Assim, nos ensinamentos de 1ª Coríntios 11:17-34, Paulo não está falando de nenhuma “festa ágape“, como alegam alguns, nem da chamada “Santa Ceia do Senhor“, antes está simplesmente relatando acerca da Páscoa bíblica original que Jesus celebrou no seu último dia de vida; não houve, portanto, qualquer outro novo evento que teria sido instituído pelo Mestre. Além disso, fica claro que os discípulos de Corinto ainda estavam realizando este evento, porém não de forma saudável (vs. 20-21; cf. 1Co 5:7-8); e a comunidade de Corinto ainda era constituída de israelitas, veja 1Co 10:1-2.

Então, essa história de que tais mudanças em relação ao modo de se comemorar a Páscoa bíblica foi recebida pelos apóstolos não se passa, na verdade, de uma estória (lenda ou fábula).

O surgimento da Santa Ceia cristã com Inácio de Antioquia.

Inácio de Antioquia

Inácio de Antioquia, que já mencionamos aqui neste estudo, foi nascido aproximadamente no ano 36 do 1º século de nossa era. Ele foi bispo de Antioquia entre os anos 68-107. Ele também foi um dos principais pais do cristianismo, ao ponto de ter sido o primeiro na história a mencionar essa palavra (cristianismo) na sua carta aos cidadãos da Magnésia grega (magnésios), no cap. 10.

Divorciando o relato bíblico de seu verdadeiro contexto, Inácio chamou o jantar (ceia) de páscoa de Jesus com seus discípulos de Eucaristia, o que foi registrado em sua carta aos crentes da Filadélfia, entre os anos 103-107, aproximadamente.

Nessa altura, ele já queria promover um novo evento com este nome (Eucaristia) e desmerecer uma prática do próprio Jesus relacionada ao evento bíblico do êxodo egípcio. Pois como vimos, antes disso, o Messias não participou de um evento chamado “Eucaristia” ou “Santa Ceia”, nem o instituiu, mas ele participou da Páscoa bíblica, chamada Pêssar no idioma original da Bíblia.

Aliás, no próprio texto bíblico em grego, a palavra traduzida por “ceia” nas bíblias comuns é δειπνεω (deipneo), que significa, basicamente, comer ou jantar (Dicionário Strong G1172). Essa palavra vem de outra, δειπνον (deipnonG1173), de mesmo significado, ambas sendo utilizadas não somente em Lc 22:20 e 1Co 11:25, referindo-se ao jantar da Páscoa que o Senhor participava, mas também em outros textos que relatam refeições comuns ou festivas, como Mt 23:6, Mc 6:21, Lc 14:12,17, Jo 12:2, Ap 19:9.

A palavra “eucaristia” vem do grego εὐχαριστία (eucharistia), e significa “ação de graças“.

Segundo Inácio, a ceia crista, tal como conhecemos hoje, teria sido instituída por Jesus Cristo na sua última noite de Páscoa e representa seu próprio corpo e sangue “consubstanciados“. Ou seja, o pão e o vinho que se comem na Santa Ceia Cristã seriam literalmente o corpo e o sangue do Cristo. A partir daí, este evento se reflete em praticamente todas as demais igrejas cristãs da história, cada uma com uma liturgia e regras próprias. Vamos ler o trecho da carta mencionada.

“Sede solícitos em tomar parte numa só Eucaristia, porquanto uma é a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo, um o cálice para a união com Seu sangue; um o altar, assim como também um é o Bispo, junto com seu presbitério e diáconos, aliás meus colegas de serviço. E isso, para fazerdes segundo Deus o que fizerdes.”

Carta de Inácio aos filadelfios, parágrafo 4.1; fonte: ecristianismo.org.br.

Tão cedo na história vemos o gesto feito pelo Salvador, de repartir o pão e o vinho da Páscoa bíblica, sendo divorciado de seu contexto que envolvia os eventos de Êxodo 12.

Paralelo a este escrito de Inácio, o qual sugere que ele estava lutando para manter a Eucaristia um costume fixo em sua comunidade, ou pouco tempo depois, surge o Didaquê, que é um documento intitulado como “instrução dos doze apóstolos”. Nele também há orientações para se comer a Eucaristia, conforme conferimos abaixo:

Reuni-vos no dia do Senhor (Domingo) para a Fração do Pão e agradecei (celebrai a Eucaristia), depois de haverdes confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja puro.

Didaque 14:1; Fonte: Fraternidade Laical São Próspero.

Ora, segundo a Enciclopédia Britânica, o Didaquê é um produto de um dos pais da Igreja, criado por volta do 2º século. A mesma Enciclopédia menciona que o Didaquê pode ter sido produzido no Egito ou na Síria, sendo este último justamente o lugar onde Inácio foi bispo. Muito sugestivo, não?!

Ademais, no Catecismo da Igreja Católica, lemos que a Eucarística sempre foi celebrada aos domingos, porque no seu calendário seria esse o dia da ressurreição do Senhor (Compêndio 2005 – Libreria Editrice VaticanaO Sacramento da Eucarística, 276. Fonte Vatican.va).

Corpus Christi - Última Ceia - de Paolo Gaetano.
Corpus Christi – Última Ceia – de Paolo Gaetano

Sendo assim, a Santa Ceia cristã, ou a Eucaristia, foi criada pelos padres católicos mais antigos (os pais da Igreja), e por isso, fatalmente, todas as outras denominações de igrejas cristãs evangélicas continuam a seguir o costume deles ou da Igreja mãe de todas as outras, e não o verdadeiro costume de Jesus.

Pois o Senhor mesmo não repartiu o pão e o vinho em recordação de sua morte neste dia (no domingo), mas sim enquanto comia do pão ázimo da Páscoa bíblica com seus discípulos, que tem dia e horário determinados para acontecer, como temos visto extensivamente aqui. Ele então ordenou que seus discípulos se recordassem de sua morte por eles enquanto comessem deste evento bíblico (Lc 22:15-19).

Mas talvez alguém ainda queira considerar comum a prática de se estabelecer um novo costume e desmerecer o antigo, pois sua intenção é lembrar-se de Jesus ou adorar a Deus. Então, o que podemos dizer em relação a isso?

Bom, Jesus fez isso? Ele desmereceu mandamentos e costumes ordenados por Deus para estabelecer outros? Seria correto ele fazer isso, ou seus discípulos?

Quem sabe, para responder a essas questões, podemos nos lembrar do exemplo do rei Saul. Ele quis “obedecer” a Deus do seu próprio jeito, sob pretexto de agradar ao Eterno, apresentando-lhe sacrifícios e ofertas. Mas qual foi a resposta divina para ele?

Porventura o Eterno se deleita mais com ofertas de elevação e sacrifícios do que com que se ouça a voz do Eterno? Eis que obedecer é melhor do que sacrificar, e atender é melhor do que a gordura de carneiros!

Vide 1Sm 15:18-23

Soma-se a isso a ordenança divina referente à Páscoa que já lemos em Números 9:1-3, onde é dito que tal evento deveria ser celebrado de acordo com suas ordenanças, costumes, ritos e tradições. Mas o que a interpretação cristã posterior fez foi divorciar o gesto do Messias de seu verdadeiro contexto, configurando-se claramente uma desobediência e obstinação.

A situação fica mais grave quando nos lembramos de certas palavras do Salvador, que dizia: “qualquer que desprezar um destes mandamentos, e assim ensinar os homens a fazer o mesmo, será considerado o menor no reino de Deus” (Mt 5:19).

Então, como celebrar a verdadeira “Ceia do Senhor”, isto é, o jantar de Páscoa?

enchendo uma taça de vinho sobre a mesa
Foto por cottonbro studio em Pexels.com

Por fim, Jesus, o qual, às vezes, devido a controvérsias como essa que abordamos aqui, preferimos nos referir pelo seu nome original/verdadeiro, Yeshua, nunca instituiu a chamada Santa Ceia Cristã ou Eucaristia. Esta é, na verdade, um produto dos pais da igreja, que quiseram um messias para si, ao seu próprio modelo, quiseram subverter o povo de Israel, e portanto divorciaram o Messias da Bíblia de sua verdadeira identidade, criando, através disso, uma religião para si mesmos.

Mas a verdade é que, infelizmente, cada vez que o evento dos pais da Igreja é reproduzido assimilando-o ao que Jesus fez, uma série de mandamentos bíblicos são colocados em desprezo, mandamentos dos quais Deus disse ao seu povo: celebrem isso como festa ao Eterno para sempre! (Êx 12:14,24)

E, já que este mandamento trata-se de uma aliança direta entre Deus e seu povo, Israel, como já mostramos antes, a forma correta de participar do mesmo é filiando-se a uma comunidade deste povo e recebendo orientação deles. Naturalmente, deve ser uma comunidade que tem Jesus, isto é, Yeshua como o Messias prometido.

Se o leitor quer alguma indicação, por aqui estamos estudando (online) com a Comunidade Judaica Netzarim do Pará, mas existem outras, como a Sinagoga Sem Fronteiras e Ensinando de Sião (por exemplo). Basta a cada um procurar, fazer contato e ver com qual se familiariza melhor.

Enquanto isso, aguardamos pelos dias do reino do Messias, quando todos seremos um só povo, e seguiremos uma única verdade, a “verdadeira verdade” (reflita em Zc 8:20-23).

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4 Comments

  1. Wcg Wcg

    A santa ceia é um dos maiores equívocos teológicos instituídos e praticados cegamente por muitos. O apóstolo Paulo chama a atenção, repreende aquele povo devido a falta de altruísmo, e faz uso do exemplo de Jesus na Páscoa, e por fim, afirma: “fazei ISTO” ou seja, o exemplo de Cristo e não “AQUILO” que vocês estavam fazendo. E ainda conclui todo o pensamento no versículo 33: “PORTANTO… quando vos ajuntais, esperai uns pelos outros. Estudem pronomes demonstrativos e conjunções conclusivas.

  2. Y souza Y souza

    Também concordo que a “santa ceia” é praticada de forma incorreta. E discordo que deva ser praticada de acordo com os costumes judaicos. Algum de vocês é circunciso? Paulo falou diversas vezes contra a circuncisão (Gálatas 5:2).

    Isso sendo dito. Acredito que a Ceia que Cristo estabeleceu, vai além de um ritual que só é praticado porque está escrito claramente na biblia. Não era para ser assim.

    A ceia de da igreja de Cristo tem como principal objetivo anunciar a sua morte, até que ele volte. Mas isso é feito através de comunhão com os irmãos, coisa que não é praticada nas igrejas.

    Ao invés disso, eis o que deveria ser feito:

    1) Cada um traz de casa o que tem de melhor
    2) Cada um não coma sua propria ceia, com diz Paulo, mas compartilhe tudo o que levar, para que seu irmão não passe fome enquanto você se satisfaz. Dessa forma, todos serão saciados ou todos passarão fomes juntos. Esse é o significado de comunhão
    3) Durante o jantar, sentem-se para conversar uns com os outros. Conheçam uns aos outros, falem da palavra de Deus e se encorajem a respeito das promessas de Cristo. De fato, anunciando-o até que ele volte.

    Faça isso e não tenho dúvidas de que estará seguindo a biblia.

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