Deus odiou a Esaú? Estudo de Malaquias 1:2-3 no original hebraico

Existem certos textos na Bíblia que colocam os modernos seguidores de Jesus em dificuldade. Além dessa declaração dessa declaração de que Deus odiou Esaú, e ao mesmo tempo o abençoou, citada acima, uma outra das mais difíceis é a declaração do próprio Jesus sobre odiar os próprios pais para ser seu verdadeiro discípulo (Lucas 14:26). A chave para resolver essa dificuldade, porém, está oculta no antigo significado da palavra hebraica שנא (soneh) traduzida incorretamente como “ódio”.

Compartilhe isso:
estudo bíblico de Malaquias 1:3 e Romanos 9:13 explica porque Deus odiou a Esaú, mas amou a Jacó

Comumente nós lemos em nossas traduções bíblicas que Deus odiou a Esaú, enquanto que amou a Jacó, seu irmão (Malaquias 1:2-3; Romanos 9:13). No entanto, podemos ver que Deus, na verdade, abençoou Esaú grandemente (Gn 33:9), até mesmo alertando os israelitas para não atacarem os filhos de Esaú ou arriscarem a retirada de Sua proteção deles se o fizessem (Dt 2:4-6). Como explicar isso? Deus odiou ou não o irmão gêmeo do patriarca dos israelitas?

Existem certos textos na Bíblia que colocam a nós, os modernos seguidores de Jesus, em dificuldade. Além dessa declaração de que Deus odiou Esaú, e ao mesmo tempo o abençoou, citada acima, uma outra das mais difíceis é a declaração do próprio Jesus sobre odiar os próprios pais, por exemplo, para ser seu verdadeiro discípulo (Lucas 14:26).

A chave para resolver essa dificuldade, no entanto, está oculta no antigo significado da palavra hebraica שנא (soneh) traduzida incorretamente como “ódio”.

Deus realmente odiou a Esaú?

estudo bíblico sobre a ira de Deus, o fim dos tempos, o juízo divino

Voltando-se ao caso de Esaú, na verdade, a narrativa da Torá é desenvolvida de tal forma que qualquer um que ouvisse a história da bênção roubada e do engano que Isaque sofreu da parte de seu filho mais novo Jacó, iria simpatizar com Esaú em vez de Jacó! (Gên. 27)

Não há dúvida de que Deus amou Jacó com seu amor pactual (um tipo diferente de amor e cuidado do que ele tinha por Esaú), mas Deus não odiou Esaú no sentido moderno da palavra.

A ira de Deus significa seu reto juízo sobre a impiedade e injustiça (Sl 7:11; Rom. 1:17). Sua ira é santa e justa. O sentimento do ódio porém, as vezes traduzido pelo verbo “aborrecer” (vide Malaquias 1:3 na ARC, por exemplo), é um sentimento maligno que deseja e quer fazer o mal, destruir determinada pessoa por simplesmente detestá-la. Não era este o sentimento de Deus para com a pessoa de Esaú, obviamente, pois como vimos, Ele o abençoou, embora tenha trazido de seu justo juízo sobre seus descendentes (Mal. 1:3b). Por isso, seria inadequado traduzir “odiei a Esaú” em Malaquias 1:3 e levar isso ao pé da letra como entendemos hoje.

Exemplo: a tradução também nos diz que Jacó “odiava” sua primeira esposa Lia.

E aconteceu que, de manhã, eis que ela era Lia. E ele [Jacó] disse a Labão: O que é isto que tu me fizeste? Eu não te servi por Raquel? Por que então me enganaste?

E quando o SENHOR viu que Lia era odiada, ele abriu seu ventre, mas Raquel era estéril.

(Gênesis 29:31 BKJ)

Após uma leitura mais atenta, porém, fica claro que Jacó amava a Raquel mais do que a Lia.

E ele entrou também em Raquel, e ele também amou Raquel mais do que Lia

(Gênesis 29:30 BKJ)

Nesses casos, שנא (soneh) significa “amar alguém / algo menos”, pois era óbvio que Jacó amava a Lia, mas a amava menos do que a Raquel.

Por exemplo, na Torá, Deus permite o divórcio com base em certas circunstâncias rigorosas que tornariam o relacionamento conjugal impossível de continuar. Em outras palavras, Deus permite o divórcio em algumas circunstâncias.

Quando nossas traduções dizem que Deus “odeia” o divórcio (Mal. 2:16), devemos desafiar nossas traduções em português e exigir uma interpretação mais “matizada“, isto é, diversificada (não ao pé da letra), mas cuja interpretação é precisa.

Todos nós sabemos que o divórcio é uma das experiências mais dolorosas que qualquer ser humano pode passar na vida. Mas há uma coisa que é ainda pior do que o divórcio: um casamento abusivo! A Torá protegeu as pessoas da necessidade de continuar neste vínculo ímpio (vide Mat. 19:8; ref. Deut. 24:1).

Naturalmente, o divórcio e o novo casamento (mesmo em bases bíblicas) não são ideais, mas traduzir Malaquias 2:16 como Deus odeia o divórcio e interpretá-lo como a proibição total da separação conjugal é uma representação horrível do Deus amoroso sobre o nosso mundo quebrado. Que tipo de amor fraternal se conformaria em ver uma mulher sendo violentada, agredida e maltratada por um homem?

Da mesma forma, traduzir que “Deus odiou a Esaú” não é o mais adequado, quando, do ponto de vista etimológico cultural-original hebraico, Deus o amou menos, em vez de tê-lo odiado.

Quantas outras passagens da Bíblia nós entendemos mal porque não entendemos ou conhecemos sua formação original judaica?

E quanto a odiar/aborrecer nossos pais, filhos, irmãos e até mesmo a própria vida para sermos seguidores de Jesus?

No caso de Lucas 14:26, que mencionamos mais no início, as traduções clássicas como King James e Almeida Corrigida Fiel, que tem a fama de serem as mais fiéis ao texto original, nos informam:

Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.

(Lucas 14:26 ACF)

Neste mesmo versículo, a Bíblia de Jerusalém, por exemplo, que traduziu “se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe…”, trouxe uma nota de rodapé informando que tal expressão (“odiar”) trata-se de um hebraísmo. Ela diz:

Hebraísmo: Jesus não exige ódio, mas desapego completo e imediato (cf. 9:57-62)

Adicionalmente, neste mesmo versículo, a Bíblia Peshitta publicada pela editora BVBooks, que é traduzida do texto aramaico, o idioma que Jesus falava, traduziu “quem vier a mim e não aborrece a seu pai e a sua mãe…”, informa em nota de rodapé:

Aramaico: sani, que pode ser traduzido como odiar, aborrecer. em comparação com seu amor por Ele. Refere-se a outorgar a Ele a prioridade em amor em contraste com os sentimentos naturais da carne da alma em nossas relações filiais, mas de maneira alguma deve se interpretar isto como um aborrecimento literal das pessoas a quem devemos amar. Ver Êx 20:1-5; Mat. 10:37

Portanto, “odiar” aqui se trata de uma expressão idiomática hebraica que significa mais precisamente “amar menos” ou “amar com prioridade menor”, e não deve ser entendido ao pé da letra do significado da palavra “odiar” ou “aborrecer“.

Logo, o conhecimento do hebraico bíblico é vital para se entender a palavra do Senhor corretamente, mesmo o Novo Testamento, pois o Senhor e os discípulos viviam sob este contexto e pregavam as Escrituras originais hebraicas.

Por isso, traduções bíblicas modernas já fizeram um trabalho mais apurado até mesmo do que a King James e as antigas versões de João Ferreira de Almeida. Confira:

“Se alguém que me segue amar pai e mãe, esposa e filhos, irmãos e irmãs, e até mesmo a própria vida, mais que a mim, não pode ser meu discípulo.

Nova Versão Transformadora. O mesmo se repete na NVI, NAA, KJA e NTLH, por exemplo.

Concluindo. Está óbvio que é uma tradução errada dizer “Deus odiou a Esaú” ao pé da letra, isto é, no sentido moderno da palavra, sem se ater ao sentido antigo do hebraico bíblico.

Vimos também que, de fato, no idioma original hebraico está a raiz para entender definitivamente e corretamente todo o contexto bíblico, inclusive do Novo Testamento também.


Fontes de consulta e tradução:

Compartilhe isso:

Autor: Gabriel Filgueiras

Um caco de barro que com trabalho duro está sendo moldado pelo Criador.

5 comentários em “Deus odiou a Esaú? Estudo de Malaquias 1:2-3 no original hebraico”

  1. Mano!O fato de Deus ter amado menos a Esaú fez com que ele amaldiçoa a Esaú e seus descendentes?Deus fez com que as terras dos descendentes de Esaú só tivessem animais selvagens e eles não poderiam construir casas! É estranho!

Digite seu comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.