O rico e Lázaro: explicação e interpretação judaica

Imagem ilustrativa do abismo, sheol (inferno) e seio de Abraão na parábola do rico e Lázaro em Lucas 16.19-31

Por muito tempo tem se especulado qual o verdadeiro significado da história do homem rico e Lázaro, descrita em Lucas 16:19-31. Será uma parábola ou uma história real? Será que “Jesus”, isto é, o mestre Yeshua falou de um inferno de fogo literal ali? Aqui vamos estudar essa narrativa do ponto de vista interpretativo judaico, povo ao qual pertencia o Messias. O autor é o rosh Yoná Sibekhay, líder na Comunidade Judaica Netzari do Pará.

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O contexto da história do rico e Lázaro.

Este é um dos textos que é muito usado para defender crenças incorretas e incoerentes com a verdade das Escrituras. Eu acredito que isso acontece porque muitos interpretam o texto fora do contexto. Claro que este tipo de interpretação não é fruto de uma mente judaica, pelo contrário, a nossa mente tem como uma das regras basilares para interpretar corretamente um texto das Escrituras, o fato de que a nossa interpretação do texto tem que estar alinhada com o seu contexto.

Além disso, para complicar ainda mais a situação, existem alguns que além de tirarem o texto do seu contexto, ainda fazem uma interpretação literal de uma parábola.

Mas alguém poderia me indagar: Rosh, como saber se essa história é uma parábola ou não? Minha resposta é, deixando o texto falar por si mesmo! Pois se formos ter tal história como literal, nós teríamos que aceitar várias coisas que o texto diz como literais também. Mas deixemos essa questão para daqui a pouco, por hora vejamos o que diz o contexto do texto em si:

“Não há servo que possa servir a dois senhores. Pois, ou ele odiará um e se apegará o outro, ou honrará um e desprezará o outro. Não podeis servir á Elaha (i.e. D’us) e ao Mamon (i.e. acúmulo de posses). E os Perushim (fariseus), quando ouviram todas essas coisas, porque eram apegados ao dinheiro, zombavam dele.”

A notícia segundo Lucas 16:13,14. Nossa tradução livre do texto aramaico.

Bem, está claro pelo contexto que o Rabi (mestre) Yeshua estava fazendo uma crítica a vários comportamentos errados de alguns judeus da escola dos fariseus.

Eles, por causa de seu apego exagerado aos bens materiais, ou por causa de ambições físicas, estavam em desobediência á lei de D’us. Logo, é dentro deste contexto que temos o relato de tal história. Continuemos:

“Havia um certo homem rico, que se vestia de linho fino e escarlate, e passava todos os dias em esplêndido luxo. E havia um certo pobre, cujo nome era Laázar (Lázaro); e foi posto à porta do rico, ferido de úlceras. Ele desejava encher sua barriga com as migalhas que caíam da mesa do homem rico… Até os cães também vieram e lamberam suas úlceras.
E assim foi, que o pobre morreu; e os Mal’achim (mensageiros, anjos, e etc.) o conduziram para perto de Avraham (Abraão).
O homem rico também morreu e foi enterrado.”

A notícia segundo Lucas 16:19-22. Nossa tradução livre do texto aramaico.

Aqui vemos que a história contada pelo Rabi Yeshua descreve um homem rico, mas sem empatia pela sofrimento de um pobre chamado Lázaro, isto é, Laázar, que vivia mendigando no porta de sua residência.

Logo, pelo contexto, vemos que o Rabi Yeshua com essa história estava expandindo a sua crítica contra o apego exagerado por bens materiais e por uma vida de luxo.

Ele chega ao ponto de mostrar o quão prejudicial essa situação poderia se tornar. Ou seja, o ser humano chegaria ao extremo, se tornando tão apegado aos seus bens materiais e à busca por uma vida de luxo, que ele mesmo perderia de vista sua empatia, a busca do que é sagrado, e se tornaria tão materialista ao ponto de perder a sensibilidade com o sofrimento de seu semelhante.

O rico descrito na parábola sequer ajudou o seu próximo, Lázaro (Laázar), mesmo tendo condições financeiras de fazê-lo.

Em outras palavras, essa pessoa se tornou um ímpio (ou seja, uma pessoa sem piedade). Esse tipo de pessoas fazem mau uso dos bens materiais que o Eterno lhe permitiu ter nessa vida. Eles usam dessa oportunidade para se tornarem ímpias e maldosas. Claro que tal impiedade não poderia passar impune diante da justiça divina. E na continuação da história contada pelo Rabi Yeshua, essa consequência vem em uma vida futura. Tal como o texto prossegue:

“E sendo atormentado no Sheol (inferno) levantou os olhos de longe, e viu Avraham (Abraão) e Laázar (Lázaro) perto dele. Ele chamou em alta voz, e disse:
Avraham, meu pai, tem piedade de mim, e envie Laázar, para que mergulhe a ponta de seu dedo na água, e umedeça minha língua; pois, eis que estou atormentado nesta chama.
E disse-lhe Avraham:

Meu filho, lembra-te de que recebeste os teus bens durante a tua vida, e Laázar os seus males. Além de todas essas coisas, um grande abismo é estabelecido entre nós e você; para que aqueles que desejam passar daqui para vós não possam, nem de lá passar para nós.
Ele lhe disse:

Rogo-te, portanto, meu pai, que o envies à casa de meu pai; pois tenho cinco irmãos; deixe-o ir e dar testemunho à eles, para que eles não venham também para este lugar de tormento.
Avraham lhe disse:

Eles têm Moshe (Moisés) e os profetas, que os ouçam.
Mas ele lhe disse:

Não, meu pai Avraham: mas se algum dos mortos for até eles, eles retornarão (ou “se arrependerão”).
Avraham disse-lhe:
Se eles não ouvem Moshe e os profetas, eles serão infiéis, ainda que alguém ressuscite dos mortos.”

A notícia segundo Lucas 16:23-31. Nossa tradução livre do texto aramaico.

É neste momento da história que vemos claramente que o texto é uma parábola, e não uma história que deve ser entendida literalmente, pois os detalhes do texto são bem criativos, típicos de uma parábola.

Ao começar que não existe este céu e inferno no texto, isto foi o que alguns fantasiosamente entenderam. Mas o texto dá a entender que ambos, após a morte, se viram no mesmo lugar. E este mesmo lugar é o que o texto chamou de “Sheol” (inferno); e lá no Sheol tinha um lugar de tormento para os ímpios e um lugar de tranquilidade para os justos, embora separados por “um grande abismo”.

Logo, este inferno é muito diferente do inferno imaginado por muitos cristãos. Fora que, na parábola, o inferno não é um lugar espiritual para as almas, pelo contrário, pois pela narrativa do texto, ambos são descritos como tendo ressuscitado e estando em corpos físicos. Do contrário, como o homem rico poderia sentir dor e descrever um sofrimento físico? Ou pedir para que o ressuscitado (Laázar/Lázaro) fosse visitar seus irmãos? Fora a descrição do local ou do “grande abismo”. Seria tudo isso realmente literal? É Claro que não! Nada disso é uma descrição real ou literal do que acontece após a morte física.

Portanto, o texto é uma parábola, que entre outras coisas, descreve de forma simbólica que após a morte física haverá duas ressurreições corpóreas, uma ressureição para vida eterna e outra para a morte eterna. E qual destes destinos teremos? Isso dependerá das escolhas e ações que fazemos na vida presente. Ou seja, após a morte física, o destino da vida futura é irremediável tal como o futuro deles na parábola é retratado.

Em vista disso, a parábola é uma advertência para aqueles que tem ambição em serem ricos nessa vida.

Ao mesmo tempo, ela é um conselho para que os ricos sejam tal como foi Avraham avinu (nosso pai Abraão), pois mesmo tendo recebido do Eterno muitas posses nessa fase de sua vida, não se apegou a elas exageradamente, ao ponto de esquecer que sua maior riqueza estava em servir ao Eterno e viver em obediência aos seus mandamentos.

Este é um dos motivos do porque nosso patriarca Avraham é um dos principais protagonistas da parábola, pois ele é um exemplo na Torá para todos que tem tais ambições de como se comportar corretamente com relação aos bens materiais.

Por fim, e em fim, para entender melhor o imaginário do judeu galileu e rabino Yeshua sobre o Sheol, é preciso voltar ao judaísmo antigo e clássico sobre este assunto; entretanto, isso já seria assunto para uma outra postagem.


O rico e Lázaro: Uma interpretação judaica; publicação original: Comunidade Judaica Netzari do Pará. Autor: Rosh (líder de comunidade) Yoná Sibekhay. Edição do texto e adaptação por Gabriel Filgueiras.

Nota: o rico e Lázaro são o exemplo de um contraste entre as pessoas carentes e a apatia de alguns dos fariseus. Quando prosperarmos financeiramente, não sejamos avarentos, mas ajudemos os necessitados! Vide 1 Tim 6:17-19.

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Autor: Gabriel Filgueiras

Um caco de barro que com trabalho duro está sendo moldado pelo Criador.

3 comentários em “O rico e Lázaro: explicação e interpretação judaica”

  1. Olá boa noite!
    Quando puder, faz um estudo de apocalipse segundo a visão hebraica explicando o que pode ter sido mal interpretado ao longo dos séculos. Já que é o livro mais usado para explicar os acontecimentos de hoje.
    Abraços.

    1. Olá Ana, eu tenho muito conteúdo a respeito disso, só me falta gerenciar melhor o meu tempo para ser mais produtivo e conseguir publicar. Mas o livro certamente foi mal interpretado ao longo da história.

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