Explicação de Mateus 16 18: Jesus realmente fundou uma igreja?

Será que o Salvador realmente estava falando de fundar uma #igreja para si, deixando o povo israelita/judeu no esquecimento ao substituí-lo por uma nova comunidade? Neste estudo bíblico veremos qual é o verdadeiro significado de Mateus 16:18, bem como sua tradução correta.

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Explicação de Mateus 16:18, Jesus realmente fundou uma igreja?

“Também eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (Mateus 16 18 NAA) Estaria o Ungido de Israel (At 4:26; Mc 15:32), o Salvador judeu (Jo 4:22), escolhendo um novo povo e fundando uma nova instituição religiosa chamada “igreja” para si no presente texto? Seria mesmo Israel (ou os judeus) a comunidade anterior e passada, cuja Lei foi abolida pelo Messias e combatida especialmente pelo apóstolo Paulo, enquanto que a Igreja a nova comunidade substituta da primeira? Será mesmo que o Salvador teve como finalidade criar uma comunidade totalmente à parte daquela israelita já existente em seu tempo? É o que vamos abordar neste estudo bíblico com explicação de Mateus 16:18 dentro de seu devido contexto.

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Embora este seja um argumento que permeia a teologia cristã, podemos afirmar que, de fato, o Salvador não veio para construir um novo povo, mas para recuperar o que se havia perdido (Lc 19:10), restaurar as tribos de Israel que estavam separadas e dispersas (Mt 10:6; 15:24), e por fim reunir outros povos a essa comunidade escolhida pelo Pai (Jo 10:16).

O que dizem os comentários da teologia cristã acerca de Mateus 16 18?

A Bíblia de Estudo King Jame Fiel, por exemplo, diz o seguinte:

Jesus identificou Pedro como rocha sobre a qual a Sua igreja seria estabelecida. A proclamação, por Pedro e pelos demais apóstolos, do messiado de Jesus pôs o fundamento para a igreja (Ef 2:19-20; Ap 21:14). Edificarei demonstra que Jesus é o responsável pelo crescimento e expansão da igreja [...] O uso que Jesus faz desse termo designa que Seus seguidores constituem o novo Israel, o verdadeiro povo de Deus que se submete ao Seu domínio real.

No final do comentário acima vemos duas graves declarações contra o povo de Deus, isto é, Israel:

  1. Que eles eram um povo velho e ultrapassado (em contraste ao novo que estava sendo fundado), e possivelmente seria abandonado por Deus (pois o comentário disse que os seguidores de Jesus constituem o novo Israel, embora tal termo não seja encontrado na Bíblia);
  2. Classifica os israelitas como um povo falso (não escolhido por Deus?), pois o comentário diz “o verdadeiro povo de Deus que se submete ao Seu domínio real”. Mas será mesmo que Israel já não se submetia ao Seu Deus? O que dizer então do casal Zacarias e Isabel (Lc 1:5,6)? De José (Mt 1:19)? E de João, o imersor (Mc 6:20)? Simeão (Lc 2:25)? José de Arimateia (Lc 23:50,51)?

Adicionalmente, a Bíblia de Jerusalém, uma das mais conceituadas em tradução e pesquisa acerca da redação e transmissão do texto bíblico, diz assim:

[...] Mateus designa a comunidade messiânica; empregando-o paralelamente ao de "Reino dos Céus" (Mt 4:17+), ele salienta que esta comunidade escatológica começará já na terra por meio de uma sociedade organizada da qual Jesus institui o chefe (cf. At 5:11+; 1 Cor 1:2+).

Entretanto, uma comunidade que ainda surgiria não poderia estar aguardando um Messias, isto é, um Ungido (que no meio cristão costuma-se chamar “Cristo“).

O Messias, isto é, o Ungido, já era aguardado por um povo, e este era o povo judeu/israelita (Jo 11:27; 7:40-42; 4:25; Lc 3:15). É justamente por isso que Simão confessa no versículo 16 deste mesmo capítulo: “Tu és o Cristo (Ungido), o Filho do Deus vivo!”

Portanto, o Salvador nunca teve como finalidade criar uma nova comunidade que seria totalmente à parte da israelita já existente em seu tempo. E ainda, se lermos o trecho completo dos comentários das duas Bíblias de estudo cristãs citadas acima, perceberemos isso. Veremos que os comentaristas se colocam em contradição nas suas declarações.

A King James diz assim em um trecho do comentário do mesmo versículo de Mateus 16 18:

A palavra igreja era usada no AT para descrever assembleias judaicas sagradas.

A Bíblia de Jerusalém, por sua vez, explica:

O termo semítico que traduz ekklesia significa "assembleia" e encontra-se frequentemente no AT para designar a comunidade do povo eleito, principalmente no deserto (cf. Dt. 4.10 etc.; At 7.38). Círculos judaicos que se consideravam como o Reino de Israel (Is 4.3+) dos últimos tempos, como os essênios de Qumrã, assim chamaram a sua reunião [...]"

Logo, começamos sabendo que a palavra grega “ekklesia” (traduzida nas Bíblias cristãs por “igreja”) não designa um novo povo, pois já foi usada antes na tradução grega das Escrituras hebraicas, a Septuaginta, redigida mais de 200 anos antes da época Senhor, para descrever a congregação de Israel.

Além disso, “ekklesia” também é usada no texto grego para traduzir as palavras aramaicas do mártir Estêvão em Atos 7:38, e ali ele se referia à comunidade de Israel também.

Portanto, “ekklesia” não se trata de uma comunidade nova, mas daquela já antes escolhida e estabelecida pelo próprio Deus (cf. Deut. 4:37; 7:6-8; 10:15; 14:2; 18:5; 21:5). Além do mais, Deus jamais rejeitou o seu povo! (Rom. 11:1,2+; cf. Jer. 31:35-37; Salmo 89:30-34).

É, por isso, com desonestidade que a palavra “igreja” nas bíblias cristãs se coloca como uma instituição substituta de Israel, que jamais deixou de ser o povo escolhido de Deus. Tendo em vista que uma tradução mais adequada para “ekklesia” seria “congregação” ou “assembleia”, como na World English Bible (cf. Mt 16:18), pois se refere ao ajuntamento de pessoas, e não a instituições religiosas.

Tendo conhecido toda esta realidade e fatos, nos perguntamos:

Será mesmo que Mateus 16 18 se refere à igreja como novo Israel de Deus que o Ungido quis fundar?

Será que a Lei dos judeus, a Torá, foi realmente abolida pelo Ungido para que desse lugar a um novo povo com uma nova maneira de viver?

À julgar simplesmente pelos fatos textuais abordados acima, não! Ele jamais quis criar uma comunidade que não deveria mais ter a Torá, que é o próprio ensinamento do Deus vivo defendido por seu Filho, como sua Lei Sagrada (vide Mat. 5:17-19; Jo 15:10; cf. 1 Jo 2:3-6; Tg 1:25; 2:8; 2 Pe 1:19; 3:2).

O Senhor certamente nunca teve por intenção substituir uma comunidade por outra que tivesse uma identidade diferente da que Deus já havia definido para seu povo na Torá, pois todos foram chamados para fazer parte da mesma comunidade escolhida por Deus, isto é, Israel (vide Jo 10:16; Rom. 11:17-18; Ef 2:11-14,19).

É um verdadeiro engano dizer que Israel se tornou uma comunidade velha e ultrapassada, cuja aliança foi abandonada por Deus e a Lei abolida, e a instituição Igreja a nova, que colocou a primeira e sua Lei em estado de desmerecimento (Rom. 11:1-2a; cf. Jer. 31:35-37; Rom. 9:4,5).

O Mateus 16:18 solapado e dissimulado.

Ao examinarmos o texto de Mateus 16 18 em sua etimologia e contexto original, percebemos que trata-se de uma tradução e interpretação solapada ao real texto das Escrituras. Essa interpretação artificial surge devido a traduções distorcidas de textos bíblicos, que são defendidos por uma teologia sistemática deturpada, a qual usa versículos isolados para induzir as pessoas a certas crenças.

E ainda, conhecendo o real significado da palavra οικοδομεω (oikodomeo), usada na tradução grega de Mateus 16 18, traduzida por “edificarei” em português, veremos que o texto que transmite a falsa ideia de nova comunidade está realmente errada. Pois “oikodomeo” não significa somente “edificar a partir da fundação”, mas também “restaurar pela construção, reconstruir, reparar, terminar a estrutura da qual a fundação já foi colocada,” (Concordância Bíblica Strong, págs. 1366 e 1539).

Além do mais, podemos somar a isso o relato de Atos 15:16, que é uma citação do profeta Amós (9:11-12). Este profecia fala de reconstruir a comunidade de Israel, separada desde os tempos da divisão do reino na época de Roboão, rei de Judá, e Jeroboão, rei de Israel (cf. 1 Rs 11:9-13, 26-35; 12:1-19; cf. Jo 4:9; 8:48). E nós, os que não fazíamos parte da comunidade de Israel e nem desfrutávamos das bênçãos que Deus lhes deu, por meio do seu Ungido fomos aproximados (cf. Ef 2:11-14).

Ou no máximo, se considerarmos oikodomeo com o mero significado de “construir” e não “reconstruir”, devemos nos referir a uma comunidade judaica messiânica (seguidora do Ungido Yeshua), dentre tantas outras comunidades judaicas que haviam em Israel no 1º século. E aquela é exatamente a que vemos nos relatos dos atos dos apóstolos.

Os seguidores de Yeshua (aportuguesado Jesus) no livro dos Atos dos Apóstolos.

A comunidade do Senhor esperava as promessas de Deus para Israel prometidas nos escritos dos profetas (At 2:15,16,39; 28:20). Portanto, continuavam a viver as esperanças do mesmo povo. Outros elementos que esclarecem a identidade da comunidade de discípulos do Salvador são:

De fato, os discípulos não lutaram nem pregaram contra as tradições transmitidas a eles por Deus na Torá, através de Moisés (Atos 22:2-3; 24:10-14; 28:17-21; cf. Rom. 3:29-31).

Os próprios pais da igreja testemunharam que uma comunidade de discípulos assim sempre existiu ao longo da história.

Vejamos, portanto, estes breves relatos dos próprios pais da igreja que descrevem como eram os discípulos judeus que criam no Ungido:

“Os Nazarenos (...) Aceitam o Messias de tal maneira que eles não deixam de
observar a Lei antiga.” Jerônimo (347-420), Commentary on Isaiah, Is 8:14.
"Mas estes sectários... não se chamavam de cristãos,  mas de '‘nazarenos’'...
contudo, são simplesmente judeus completos. 
Eles não só usam o Novo Testamento como também o Antigo Testamento como o faz os judeus (...).
Eles não possuem diferentes ideias, mas confessam tudo exatamente como a
Torá descreve e na forma judaica – exceto, porém, por sua crença no Messias.
Pois eles reconhecem tanto a ressurreição dos mortos quanto à criação divina
de todas as coisas, e declaram que D-us é Um, e que o Seu Filho é Yeshua o
Messias. 
Eles são bem treinados no hebraico. Pois dentre eles a Torá inteira,
os Nevim (Profetas) e... os Ketuvim (Escritos) (...) são lidos em hebraico, como
certamente o são entre os judeus. 
Eles são diferentes dos judeus, e diferentes dos cristãos, apenas no seguinte: Eles discordam dos judeus porque chegaram à fé no Messias; mas como eles ainda estão na Torá – circuncisão, o Shabat, e o restante – eles não estão de acordo com os cristãos... eles não são nada mais do que judeus (...). 
Eles possuem as Boas Novas de acordo com Matitiyahu completamente em hebraico. Pois está claro que eles ainda preservam-nas no alfabeto hebraico, tal qual foram escritas originalmente."
Epifânio de Salamina (310-403), Panarion 29.

O que realmente deveria ser a “igreja” então?

Finalmente, a comunidade não-israelita que busca ao Criador e quer se aproximar Dele não deveria divorciar-se do povo israelita, já escolhido por Ele.

E de fato, no decorrer de todo o livro dos Atos dos Apóstolos e dos escritos nazarenos (evangelhos), como vimos, os discípulos não se divorciaram em momento algum da Torá, que é o ensinamento do próprio Criador, de suas tradições e do povo de Deus, os israelitas/judeus. Nós gentios que cremos no Ungido Yeshua deveríamos, no mínimo, viver nos padrões da aliança do arco (Gên. 9:1-7) e fazer avanços gradativos de obediência à Torá (cf. At 15:19-21).

Não obstante, ao longo da história cristã, muitos teólogos fizeram (e fazem) divisão entre Igreja e Israel, dizendo ainda que a Igreja é o novo Israel de Deus, como vimos nos comentários bíblicos mais acima, como se o povo a quem Ele disse que não abandonaria foi abandonado/substituído (cf. Jr 31:34-37; Gên. 17:3-7; Jz 2:1; Salmo 89:29-34; 105:8-10).

Percebemos, com tudo isso, que nem mesmo o Senhor ou seus discípulos agiram de modo contrário à Torá e à aliança Divina com Israel. Poderíamos até mesmo abordar vários eventos e personagens históricos para expor o que verdadeiramente causou a divisão entre “igreja” (os gentios) e judeus, no entanto este não é o foco de nosso presente estudo.

Diante de tudo isso, uma tradução mais adequada para Mateus 16:18 seria: “sobre esta rocha reconstruirei (ou construirei) a minha congregação”.

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Autor: Gabriel Filgueiras

Um caco de barro que com trabalho duro está sendo moldado pelo Criador.

3 comentários em “Explicação de Mateus 16 18: Jesus realmente fundou uma igreja?”

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