Quem instituiu o domingo como dia de adoração ao Senhor?

Imagem ilustrativa da ressurreição do Senhor Jesus com as mãos furadas saindo do sepulcro no domingo primeiro dia da semana

Não obstante a Jesus ter frequentado sinagogas judaicas durante toda sua vida e ter participado de seus serviços de estudo bíblico e adoração a Deus aos sábados (Lc 4:16), os cristãos, desde tempos antigos, seguem adorando ao Senhor nos domingos. Segundo o que ouvimos até hoje em dia, essa escolha aconteceu devido ser no 1º dia da semana que Jesus ressuscitou. E ainda são usados textos como Atos 20 versículo 7 e 1 Coríntios 16:1-2 como justificativa. Com base nestes dois únicos textos, afirma-se que os discípulos, que dizem ser a “Igreja” daquela época, já haviam adotado esse costume de cultuar no domingo. Será isso tudo verdade, ou há algo mais por trás da história que não sabemos ou não havíamos percebido?

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Por que Jesus “não cultuava” no domingo?

É claro que Jesus adorava a Deus todos os dias, mas que o domingo não era o dia de culto comum é perfeitamente visível nos relatos bíblicos. Somente o texto de Lucas 4:16, citado acima, prova isso de modo contundente.

E, chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou num dia de sábado, segundo o seu costume, na sinagoga, e levantou-se para ler.

Lucas 4:16

Entretanto, seria óbvio que ele não ia cultuar no domingo, visto que o dia só foi supostamente adotado como dia de adoração por seus discípulos após sua ressurreição, segundo afirma o cristianismo.

Porém, olhando mais de perto para o texto de Lucas, este não só afirma que Jesus, por volta dos seus 31 anos talvez, entrou na sinagoga em sua cidade natal para ler as Escrituras em certa ocasião; também diz que ele tinha o costume de fazê-lo. Ou seja, durante toda sua infância, adolescência e fase adulta, o Mestre de Nazaré frequentou e estudou a Bíblia em uma sinagoga judaica aos sábados. O que é perfeitamente natural, pois ele era judeu e havia recebido isso como tradição de seu povo! (cf. Jo 4:9,22; At 15:21)

Desde os dias da criação Deus santificou o sétimo dia, pois havia terminado seu trabalho criativo em 6 dias e reservou o último para cessar de sua obra, veja Gn 2:1-3. Quando Deus criou a nação de Israel ao libertá-los da escravidão no Egito antigo, deu-lhes também o sétimo dia como consagrado ao descanso, assimilando-o aos dias de Sua criação (Êx 20:8-11; 31:13-17; 35:1-3; Dt 5:12-15, etc.).

Dessa forma Jesus, ou Yeshua no original, deveria obedecer tal mandamento, pois ele deveria se dar de exemplo da prática da Torá para seus irmãos [israelitas] e para o mundo; cf. Mt 5:17-19.

Os discípulos dele, naturalmente, seguiram seu exemplo e mantiveram a tradição que os israelitas receberam de Deus através de seus antepassados, basta ver textos como Lc 23:54-56, At 13:14-15, 17:1-2, 21:24, 24:14, 25:8, 28:17 etc. E até mesmo os gentios (não-judeus) estavam unidos ao povo israelita neste costume (At 13:16,42-43), isso incluía também a comunidade de discípulos do Salvador, basta entender o contexto de Atos 15:21 para perceber. Ou seja, o texto bíblico descreve que tanto judeus como não-judeus viviam juntos participando do serviço matinal de leitura da Torá e dos profetas, aos sábados, e das outras coisas relacionadas ao culto/serviço divino.

Mas se é assim, como este cenário teria mudado tanto? Quando foi que os discípulos do Senhor abandonaram as comunidades do povo de Israel, se tornaram uma Igreja Cristã e começaram a cultuar a Jesus no domingo, da forma que é hoje em dia?

O culto no domingo realmente tem a ver com o dia da ressurreição de Jesus?

De fato, os relatos dos discípulos, chamados “evangelhos”, são contundentes ao mostrar que Jesus ressuscitou no primeiro dia da semana, vide Mt 28:1, Mc 16;9, Lc 24:1, Jo 20:1.

Com base nisso, os cristãos costumam dizer que passaram a adorar no domingo porque a ressurreição do Senhor teria acontecido neste dia. Mas, em relação à primeira comunidade de discípulos dele, a Bíblia não diz isso, como constatamos nos textos acima.

Além disso, o que poucos sabem, e muitos ignoram, é que a Bíblia ainda é um livro escrito sob um contexto judaico, por isso os dias e horas devem ser levados em conta considerando tal contexto. Do contrário, seria sem sentido afirmar que Jesus ressuscitou após três dias e três noites, se na verdade ele morreu numa tarde de 6ª feira, antes de iniciar o Shabat (“sábado”), e ressuscitou na manhã do 1º dia da semana, que julgam ser o domingo (Mc 15:42-43; Lc 23:54; Jo 19;40-42; Mt 28:1-6). Assim, as 72 horas que formam 3 dias e 3 noites não seriam completas e o texto bíblico não estaria dizendo a verdade.

Na verdade, para os judeus, um dia começa logo no início do anoitecer, e não no meio da noite, como é para nós que usamos o calendário ocidental do Papa Gregório XIII (1502–1585). Parece estranho à primeira vista iniciar um dia logo ao anoitecer, mas um novo dia também começa durante a noite para nós, e no meio da noite, como eu mencionei acima.

Mas os judeus consideram que um dia começa logo assim que anoitece porque nos dias da criação foi da mesma forma. Pois a Bíblia descreve que primeiro havia escuridão (trevas), e só depois veio a luz (Gn 1:2-3). No decorrer dos primeiros dias da criação, o texto bíblico então diz, “houve tarde (anoitecer) e manhã (dia claro)…” (Gênesis 1:5,8,13,19,23,31). Ou seja, o 1º dia da semana começou à noite, depois houve manhã (dia claro), então [completou-se] o 1º dia. Logo, a Bíblia descreve a noite, depois o dia claro, então o fim do dia, quando a outra noite já abre o 2º dia.

Logo, Jesus morreu na véspera do Shabat, ou do sábado bíblico (Jo 19:31-33); isto é, ele morreu no fim da tarde de 6ª feira, antes do pôr do sol; ele passou então todo o Shabat no sepulcro, que seria do início da noite da nossa 6ª feira até o início da noite do sábado que conhecemos. Por fim, ele ressuscitou na noite do 1º dia, que não seria o domingo com o qual estamos acostumados, mas seria logo no anoitecer do nosso sábado (Jo 20:1). 

Os três dias e três noites que ele teria ficado no túmulo (Mt 12:40) só podem se referir à divisão dentro de um dia contata pelos judeus.

O dia era contado da seguinte forma:

  1. Hora terceira (por volta das nove horas): Mt 20:3; Mc 15:25; At 2:15;
  2. Hora sexta (por volta do meio-dia): Mt 20:5, 27:45; Jo 4:6, 19:14; At 10:9 e
  3. Hora nona (por volta das três da tarde): Mt 27:45-46; At 3:1, 10:3,30).

Já as noites eram divididas em três vigílias (Sl 63:6), como se segue:

  1. Vigília da noite ou princípio das vigílias (Lm 2:19); esta ia desde o pôr do sol até às 22:00 horas;
  2. Vigília média ou da meia noite (Jz 7:19); começava às 22:00 horas e prolongava-se até às 2:00 da madrugada;
  3. Vigília da manhã (1Sm 11:11) que ia desde as duas horas da manhã até ao nascer do sol.

Os discípulos realmente adquiriram o costume de adorar no domingo, conforme Atos 20:7?

Dado o conhecimento de como eram divididos os horários dos dias e noites pelos judeus, e considerando a maneira de contar os dias a que estamos acostumados aqui no ocidente, então, em Atos 20:7, os discípulos não estavam adorando no domingo, tal como conhecemos hoje em dia. Antes, eles estavam fazendo sua reunião ao anoitecer do sábado (7º dia da semana), quando já começa o primeiro dia da semana no calendário judaico/bíblico; é justamente por isso que o texto diz que Paulo prolongou seu discurso até a meia noite.

No primeiro dia da semana (sábado a noite), nós nos reunimos a fim de partir o pão. Paulo, que pretendia viajar no dia seguinte (na manhã do domingo ou na 2ª feira), falava aos irmãos e prolongou a mensagem até a meia-noite (do nosso sábado, que já é o 1º dia da semana na Bíblia).

Além disso, no final do Shabat, que cai próximo ao anoitecer do nosso sábado, como já dito, os judeus, até hoje em dia, tem o costume de fazer uma refeição juntos, que se chama Havdalá. Era certamente este evento que Paulo fazia com os discípulos, e não um culto no domingo tal como conhecemos…

E quanto ao texto de 1 Coríntios 16:1-2, onde Paulo diz para os discípulos reunirem suas ofertas no 1º dia da semana, devemos lembrar que este é o dia posterior ao Shabat, quando os judeus são proibidos de manusear dinheiro. Então essa prática ordenada por Paulo não se trata de um costume de Igreja, fazer suas atividades no domingo, mas simplesmente esperar o Shabat passar e manusear dinheiro para doações logo no início da semana.

Então, se nem os discípulos do Senhor o adoravam no domingo, quem inventou essa prática?

Para começar, prestar adoração divina a outro ser que não seja o Pai é pecado! Pois Ele mesmo disse que não se deve criar outros deuses diante Dele (Êx 20:3,23; Dt 5:7). O Messias (Ungido) é celebrado como o representante de Deus entre seu povo (1Sm 18:7; Mt 21:9), mas a adoração divina, naturalmente, deve ser dada somente ao ETERNO; não fosse assim Jesus não teria confirmado as Escrituras, que dizem: “ao ETERNO, o teu Deus, adore; e só a Ele preste o teu culto” (Lc 4:8; Dt 6:13).

Acontece que os pais da Igreja, teólogos que se evidenciaram a partir do início do século II de nossa era, começaram a fazer reinterpretações da Bíblia divorciadas de seu contexto original judaico e hebraico. Eles criaram novas identidades para o Messias Yeshua e fizeram dele um deus, preferindo usar seu nome grecizado ou latinizado, Iesu Christos (posteriormente Jesus Cristo).

Inácio de Antioquia (bispo entre 68-107), foi um dos primeiros contribuintes para motivar a substituição do dia consagrado por Deus para culto e repouso.

Em sua carta aos magnésios, escrita entre 103-107, ele ensina:

“Aqueles que viviam segundo a ordem antiga das coisas voltaram-se para a nova esperança, não mais observando o Sábado, mas sim o dia do Senhor, no qual a nossa vida foi abençoada, por Ele e por sua morte”

(Carta aos Magnésios. 9,1).

Não obstante Deus ter estabelecido o Shabat como uma aliança eterna entre Ele e seu povo (Êx 31:17), este homem se refere a tal dia como “a ordem antiga das coisas”, e ainda usa eventos da vida do Messias para justificar sua atitude. Mas vamos adiante.

Justino Mártir (100-165), um estudante da filosofia grega e teólogo romano, alimenta a ideia de Inácio. Mas, de certa forma, ele confessa a influência do dia dedicado ao deus sol invicto, já celebrado por certas religiões, no suposto “dia do Senhor“, que para estes dois pais cristãos era o domingo.

“Reunimo-nos todos no dia do sol, porque é o primeiro dia após o Sábado dos judeus, mas também o primeiro dia em que Deus, extraindo a matéria das trevas, criou o mundo e, neste mesmo dia, Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dentre os mortos“.

(Apologia 1,67)

Ora, Justino revela que já havia um chamado “dia do sol”, que naturalmente era o 1º dia da semana, pois ele assimila este ao dia depois do sábado dos judeus e ao dia em que Jesus ressuscitou. Naturalmente, como vimos, o 1º da semana bíblico começava após o Shabat, isto é, ao anoitecer do sábado que conhecemos. O grupo de Justino, bem como o de Inácio, que mais tarde tornam-se a religião oficial do império romano, ignoram o dia bíblico e reinterpretam a seu bel-prazer qual deveria se tornar o dia oficial de adoração e serviço sagrado. Não muito tempo depois dos eventos bíblicos, eles já demonstram que estavam separados do grupo de discípulos do Salvador e de seus costumes.

No final do século III, Eusébio de Cesareia e os cristãos de sua época continuaram a alimentar os ensinos de Inácio.

Eles, portanto, não consideravam a circuncisão, nem observavam o sábado, como também nós; nem nos abstemos de certos alimentos, nem consideramos outras imposições que Moisés subsequentemente entregou para serem observadas em tipos e símbolos, porque tais coisas não dizem respeito aos cristãos.

de Cesareia, Eusébio. História Eclesiástica, Livro 1, cap. IV (p. 26). CPAD. Edição do Kindle.

Eusébio, embora tenha colecionado alguns bons relatos históricos, continua a reproduzir as interpretações teológicas de seus predecessores; ele afirma que a cristandade de seu tempo não guardava certos costumes que Deus entregou ao seu povo, antes desprezava-os, o que incluía a santificação ou culto no sábado.

Mais tarde, o imperador Constantino também se apropria do dia do deus sol invicto, o domingo, e declara-o dia de descanso oficial em seu império.

Foi a 7 de março do ano 321 que o Imperador Constantino proclamou o domingo como dia de descanso, com o objetivo de organizar o calendário semanal. Dia do Deus Sol, divindade oficial do Império nesta altura, e que explica a designação utilizada pelas línguas germânicas para este dia (i.e. sunday (inglês) = dia do sol).

“Que no venerável Dia do Sol, os magistrados e os que residem nas cidades descansem, e que todas as oficinas estejam fechadas. Porém, nos campos, os que se ocupam da agricultura poderão livremente continuar seus afazeres, pois pode ocorrer que outro dia não seja tão conveniente para as sementeiras ou a plantação de vinhas”.

Não foi por acaso que o dia decretado como de descanso tenha sido o domingo, porque era o dia do Deus Sol, Sol Invictus, que era uma divindade oficial do Império nesta época. Fonte: RTP Ensina.

O sincretismo entre o deus sol invicto e o Jesus Cristo do cristianismo medieval é inevitável (vide os raios solares na cabeça) …

  • achado arqueológico romano com deus sol invicto
  • Imagem em gravura do Jesus Cristo da Igreja Católica Romana medieval.
  • Presépio, José e Maria, Jesus nasceu em 25 de dezembro?

Os bons leitores já sabem que, a partir de Constantino, que favoreceu o cristianismo em seu império (317), esta começa a se tornar a religião oficial de toda a Roma (vide Édito de Teodósio em 381). E por fim, com o poder da Igreja que dominou o Estado posteriormente, toda a civilização ocidental (europeia e americana) foi formada, trazendo como dia de folga o domingo, bem como o dia de culto da Igreja, inspirado primeiramente no dia do deus sol invencível, um ídolo da Pérsia antiga, para o qual a Igreja mãe medieval deu certas “roupas” de Jesus Cristo.

Em suma, nem Yeshua nem seus discípulos assimilaram o dia de uma divindade estrangeira com sua ressurreição, tornando-o dia de culto em lugar do sábado bíblico, sagrado por Deus (Dt 5:12-14; Lc 4:16; At 17:1-2, 25:8, 28:17).

Por fim, um discípulo deveria agir como seu mestre ou modificar seus costumes? (vide Lc 6:40)

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Autor: Gabriel Filgueiras

Um caco de barro que com trabalho duro está sendo moldado pelo Criador.

8 comentários em “Quem instituiu o domingo como dia de adoração ao Senhor?”

  1. Independente da plularidade de religiões que existem, a bíblia é uma só. Não existe duas ou mais interpretações, só uma.
    Ela, a Bíblia, não nos ensina que o domingo, substituiu o Sétimo dia do quarto mandamento da santa lei de Deus. Essa tradição foi implanta por uma vontade humana, nunca a de Jesus ou de Deus.
    Isso, não é coisa de judeu, hebreu ou adventista… é a santa palavra expressa na bíblia, que determina isso. Existe uma profecia no livro de DANIEL, que afirma que essa tradição ou poder político-religioso, mudaria os tempos e as leis do SENHOR. Dizem alguns, sem base bíblica, que Jesus mudou ou aboliu na cruz, essa obediência aos mandamentos do Deus criador dos céus e da terra… não foi esse o objetivo do sacrifício expiatório do nosso salvador Jesus Cristo !
    Essa confusão religiosa(babilônia), tbm já estava prevista na PENA INSPIRADA. Uma PESQUISA e ESTUDO sério da bíblia, sem ACHISMO, revela e mostra claramente isso. Um abraço a todos, graça e paz !!!

  2. Amado, Gabriel Filgueiras, se o Senhor Jesus ressuscitou em um Sábado, segundo o calendário Judeu, qual a razão, portanto, dos discípulos, o apostolo Paulo, a Igreja e o Apostolo João, enfatizarem “ O Dia do Senhor? Qual seria este dia, segundo o Novo Testamento. O dia sétimo da semana? Se sim, porque não enfatizar o Shabat, que já era de costume?

    1. Olá Alan, obrigado por comentar. Em Apocalipse cap. 1 onde é mencionado “o dia do Senhor”, não é especificado de que dia se trata, e pode ser apenas uma expressão para se referir a um momento em que foi recebida uma revelação profética ou o tempo em que ela foi cumprida. Mas eu escrevi a respeito deste assunto em outro estudo aqui no blog também. Mas, na bíblia, o dia que Deus chama de “meu” é o shabat (“sábado”), basta ver Isaías 58:13 (dentre outros). Além do mais, o shabat já foi enfatizado em vários lugares dos relatos dos discípulos, nós é que não enxergamos por causa da formatação religiosa que recebemos de nossa nação, basta ver por exemplo Lc 4:16, 23:54-56, At 13:14-15, 17:1-2 etc.

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