Qual é o dia do Senhor de Apocalipse 1:10, sábado ou domingo?

sábado (shabat) ou domingo, qual é o dia do Senhor de Apocalipse 1.10?

Em Apocalipse 1:10 lemos uma referência ao “dia do Senhor”. Entretanto, ao longo do tempo tem se debatido qual dia seria esse que o emissário (apóstolo) João recebeu uma revelação da parte de Deus e do Messias. Afinal de contas, este dia seria o sábado (shabat) judaico ou o domingo cristão?

Embora o dia do Senhor descrito em Apocalipse 1:10 possa fazer referência a um momento de revelação profética como muitos outros que houveram nas Escrituras (Is 2:12; Am 5:20; Ob 1:15), recai muito sobre isso se por acaso seria este um dia da semana. Neste caso, seria o sábado judaico ou o domingo cristão? Será que João recebeu essa revelação em um desses dois dias? Qual seria verdadeiramente o dia do Senhor na bíblia?

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Poderia ser o “sábado” o dia do SENHOR?

Em Êxodo 20:8-11, por exemplo, lemos que o dia consagrado ao SENHOR seria o sábado, ou melhor dizendo, o shabat. Dizemos “shabat” porque ele simplesmente não ocorre no mesmo horário que o “sábado”, que se inicia no meio da noite da sexta feira. O shabat bíblico, por outro lado, se inicia ao anoitecer da sexta feira (porque na criação primeiro havia noite, depois é que houve dia; cf. Gn 1:1-4).

Assim, no referido texto de Êxodo 20, Deus ordena aos israelitas que se lembrassem do 7º dia da semana como se fosse o último dia de Sua criação, onde Ele cessou de seu trabalho (Gn 2:1-3).

O shabat determinado como “dia do SENHOR” se repete em vários outros trechos ao longo das Escrituras, como Êx. 35:2, Lv. 23:3, Dt. 5:14, etc.

Além disso, em Isaías 58:13 vemos mais claramente o próprio Deus chamando o shabat de “meu dia”.

Para sabermos qual de fato é o “dia do Senhor”, precisamos entender algo importante antes: no texto hebraico não está escrito exatamente “dia do Senhor”, pois a palavra “Senhor” ali, na verdade, está substituindo o Nome de Deus.

Veja um trecho do texto de Êxodo 20:10 no original (lendo da direita para esquerda):

o dia (v’yom) וְי֙וֹם֙
sétimo (hash’vii) הַשְּבִיעִ֔י
é shabat (repouso) (shabbat) שַׁבָּת
de YHWH (laYHWH) לַיהוָ֣ה
seu Deus (eloheykah) אֱלֹהֶ֑יךָ

Mas o que isso quer dizer? É que quando lemos no livro da Revelação (Ap) 1:10 escrito “dia do Senhor”, a palavra “Senhor” ali pode estar se referindo ao Messias ou a Deus, o Pai. Pois naquela época estava proibido pronunciar o Nome de Deus publicamente. Por isso, nas traduções gregas dos escritos dos discípulos (“NT”), que são usadas pelos cristãos, é difícil distinguir quando um texto se refere ao Messias e quando se refere a Deus, pois para ambos os casos utiliza-se a palavra “Kyrios” (senhor ou mestre).

Se em nosso caso João estivesse se referindo ao dia de YHWH, então fatalmente seria o shabat (vide Is. 58:13). Além do mais, considerando que João (Yohanan) era um homem israelita e naturalmente preservava os mandamentos e tradições da Torá (Lei de Deus), jamais inventaria argumentos para desmerecer o shabat bíblico ordenado por Deus ou substituí-lo por outro dia (cf. 1ª Jo. 2:3-4).

Nós podemos ver ainda os discípulos do Salvador, além dele próprio, preservando este dia como sendo especial, vide Lc. 4:16, 23:54-56 e Atos 13:14-15. Eles continuaram a agir assim porque o 7º dia é um sinal eterno entre Deus e os israelitas. Era o dia que eles sempre consideraram consagrado a Ele (Êx. 31:17; At 13:27; 15:21; 18:4). Considerando isso, se o dia do Senhor do Apocalipse 1:10 se referir a Yeshua, nada mudaria.

Poderia ser “domingo” o dia do SENHOR?

Agora, em certo momento da história, passou-se a interpretar que o domingo, 1º dia da semana no calendário romano da época, seria o “dia do Senhor”, ou seja, do Senhor Jesus Cristo. Isto porque, segundo o argumento cristão, o Salvador ressuscitou neste dia da semana e deu novo significado às Escrituras, rompendo com a Lei de Moisés. Com essas e outras novas interpretações teológicas, os pais do cristianismo começaram a retirar de cena o shabat bíblico e estabelecer o domingo como dia de adoração e culto ao “Deus Filho”.

Mas quando, de fato, tudo isso começou? Essa resposta obtemos claramente na carta de um dos primeiros pais da Igreja: Inácio de Antioquia.

Inácio viveu entre os anos 35-107, e diz-se que a partir do ano 68 foi líder (bispo) em Antioquia da Síria, onde “Paulo e Barnabé” foram chamados a testemunhar do Messias no mundo romano da época (cf. At. 13:1-3).

Depois do chamado de Atos 13, vemos estes dois emissários (apóstolos) entrarem em diversas sinagogas no dia do shabat para testemunhar a respeito do Salvador, veja At. 13:14,44; 16:13; 17:2; 18:4.

Por isso, como vemos nos versículos referenciados acima, mesmo depois da ressurreição do Ungido, os discípulos não tiveram problema nenhum em continuar as liturgias dos israelitas, que aconteciam todo dia de shabat (sábado pela manhã), conforme os mandamentos divinos (At. 13:27; 15:21; cf. Lc 23:56).

Porém, em algum momento da história (não muito distante daquele), tinha de se cumprir as profecias bíblicas referentes à anulação da Lei de Deus, que na verdade já estava atuando nos dias dos primeiros discípulos (2ª Tess. 2:7). Logo, interpretações doutrinárias e teológicas supostamente baseadas na vida do próprio Messias começaram a ser criadas, porém com intuito de anular/descaracterizar a Lei de Deus e consequentemente a identidade que Seu povo recebeu Dele nela.

Sendo assim, uma das desculpas criadas para retirar de cena o shabat como sendo o dia de Deus, foi argumentar que o domingo seria este dia pelo fato do Messias ter ressuscitado nele.

Neste ponto, Inácio de Antioquia foi um dos primeiros pais cristãos a contribuir para motivar a substituição do shabat para o domingo. Podemos ver isso em sua carta aos magnésios, onde ele diz:

“Aqueles que viviam segundo a ordem antiga das coisas voltaram-se para a nova esperança, não mais observando o Sábado, mas sim o dia do Senhor, no qual a nossa vida foi abençoada, por Ele e por sua morte.”

(Carta aos Magnésios. 9,1; escrita por volta de 98 – 107 EC).

Não obstante os discípulos do Senhor terem continuado mantendo as tradições da Torá, como disse o próprio “Paulo” em Atos 24:14 e 28:17, e como relatado também em 21:20-24, Inácio chama essas tradições de “ordem antiga”, isto é, ultrapassadas, dentre outras coisas no restante de sua carta aos magnésios. Com essas palavras, era óbvio que este homem estava criando algo novo e consequentemente alheio a certos mandamentos de Deus para Seu povo. No capítulo 10 da carta mencionada, ele claramente chama essa inovação de “cristianismo“.

Não muito tempo depois de Inácio, Justino Mártir revela onde os cristãos se inspiraram para inventarem o seu próprio “dia do Senhor”, isto é, o domingo.

Justino viveu entre 100-165. Ele foi um estudante da filosofia grega e teólogo romano. Ele alimenta a mesma ideia do Inácio. Porém, vai mais além, pois de certa forma, confessa a influência do dia dedicado ao deus sol invicto, já celebrado na época, para inspirar o novo dia do “Senhor”. Justino relata:

No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se lêem, enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas […]
Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame.

(Apologia 1,67:3,7. Fonte: apologistascatolicos.com.br).

É notável a mistura religiosa que deu origem a novos costumes dentre os cristãos. Justino explica que sua comunidade se reunia em dias normalmente dedicados a divindades das crenças de outras nações, não obstante o Eterno ter ordenado ao Seu povo nem sequer mencionar seus nomes (Êx. 23:13; Jos. 23:6-7).

Junta-se a isso a anulação do shabat bíblico que o pai anterior dele, Inácio, propôs com sua nova religião. É como tentar fazer a coisa certa (ler a Bíblia) do jeito errado, ou seja, a seu bel prazer, a exemplo do rei Saul (1 Sm 15:12-23).

Estes dois homens, e outros que vieram após eles e os seguiram, criaram suas próprias interpretações da vida do Messias e das Escrituras influenciados por suas culturas e crenças, que geralmente eram greco-romanas.

Em suma, eles criaram uma nova religião que por si só, e como vimos, teve por intenção desvirtuar as tradições que o Salvador e seus discípulos receberam da Torá. Assim, eles propuseram a substituição de muitas tradições que o próprio Criador ensinou, e conseguiram atrair muitas pessoas com isso, pois elas iam se familiarizando com conceitos e costumes parecidos com o de suas religiões, crenças e culturas.

Mas mudar as leis e ordenanças de Deus seria correto, ainda que sob pretexto de honrá-lo? Como Deus lidou, por exemplo, com o rei Saul quando ele tentou fazer isso, como mencionamos acima? Vide 1 Sam. 15:22-23. Não deveriam os mandamentos de Deus serem preservados, conforme Ele ordenou para o Seu povo? (Dt 12:29-32; 2 Rs 17:6-15).

Diante disso, o que os seguidores do Ungido de Deus deveriam fazer, já que o próprio afirmou que nenhum dos mandamentos deveria ser violado? (Mt 5:19) Aqueles homens estavam realmente seguindo o verdadeiro Messias? E hoje em dia, nós estamos realmente seguindo aquele Mestre israelita?

A fixação do domingo com o dia do “Senhor”.

Foi no século 4 que o sincretismo religioso dos primeiros pais da igreja foi finalmente formalizado pela Igreja do Império romano. Pois o culto ao Sol Invicto ainda permaneceu em Roma (assim como o uso da denominação dies Solis), até a promulgação do célebre édito de Tessalônica, de 27 de fevereiro de 380.

Com esse édito, o imperador Teodósio I estabeleceu que a única religião de Estado seria o cristianismo, banindo assim qualquer outro culto. Então, em 3 de novembro de 383, o dies Solis (dia do Sol) passou a ser denominado oficialmente dies dominica (dia do Senhor) em todo o Império. No entanto, a denominação pagã alusiva ao Sol foi preservada, tanto em inglês (Sunday) como em alemão (Sonntag), por exemplo.

O culto a divindades ligadas ao sol é muito antigo, e em certo tempo influenciou até mesmo israelitas idólatras nos tempos do exílio babilônico – séc. 6 AEC; vide Ez 8:15-17. Após Roma ter conquistado o Egito, em cerca de 30-31 AEC, Augusto enviou dois obeliscos a Roma e “dedicou-os ao sol” (Soli donum dedit). isso é uma prova de que o sol era venerado como divindade no império romano ainda antes do Messias vir ao mundo. Os cultos a antigas divindades ligadas ao sol eram frequentemente no primeiro dia da semana, dies solis.

O Salvador, portanto, naturalmente, prosseguiu com o mandamento de Deus e a tradição de seu povo, vide Mc 1:21, 6:1-2 (cf. Jo 10:15). Ele não poderia anular isso, pois o próprio Deus dele afirma que o shabat era uma aliança eterna entre Ele e seu povo (Êx 31:13-17). Finalmente, qual permanece sendo o dia do Senhor então?

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Autor: Gabriel Filgueiras

Um caco de barro que com trabalho duro está sendo moldado pelo Criador.

3 comentários em “Qual é o dia do Senhor de Apocalipse 1:10, sábado ou domingo?”

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