A Lei de Moisés (de Deus) foi abolida?

Imagem ilustrativa insinuando que a Lei de Moisés (de Deus) foi abolida.

Geralmente se ouve, especialmente nos estudos teológicos cristãos, que a Lei de Moisés foi abolida (isto é, a Lei que Deus deu através de Moisés). Um dos discursos utilizados é o de que Cristo aboliu a Lei na cruz. Versículos utilizados para defender tal argumento são Romanos 10:4, 2 Coríntios 3:6-18, Efésios 2:15, vários outros versículos em Gálatas capítulos 2 e 3, além da desculpa de ele ter “cumprido” a Lei (finalizá-la) de Mateus 5:17, etc. Qual é a verdade afinal de contas? Será que Deus realmente se desfez de tudo que estabeleceu no passado e anulou as próprias palavras? Ou será que homens têm o direito de se desfazer de palavras e mandamentos Divinos assim? Neste estudo bíblico veremos comentários e relatos cristãos históricos que defendem que Deus aboliu sua própria Lei e vamos refletir acerca do assunto.

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O que algumas bíblias cristãs dizem a respeito da Lei de Moisés ter sido (supostamente) abolida? Vamos começar pela aclamada Bíblia de Jerusalém (BDJ).

Mateus 27 e o véu do templo rasgado.

Além dos versículos já mencionados acima, os quais abordamos em outros estudos bíblicos por aqui, dois versículos em especial de Matias/Mateus capítulo 27 também são usados para argumentar que a Lei de Moisés teve um fim, vejamos:

Jesus, porém, tornando a dar um grande grito, entregou o espírito. Nisso, o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo, a terra tremeu e as rochas se fenderam.

(Mateus 27:50-51, Bíblia de Jerusalém 2002)

A expressão “o véu do templo se rasgou” é usada no meio cristão para justificar que tal acontecimento pôs fim à Lei de Moisés e seus ritos. Claramente, ao ser pregada nos púlpitos cristãos, esta é uma defesa a favor da legitimidade da religião cristã.

A Bíblia de Jerusalém da Paulus Editora, por sua vez, traz o seguinte comentário a respeito dessa passagem bíblica:

Seja a cortina que fechava o lugar santo, seja, antes, a que separava o lugar santo do Santo dos santos (cf. Ex 26,31s). Sob a inspiração de Hb 9,12; 10,20, a tradição cristã viu nesse rasgar do véu a supressão do velho culto mosaico e o acesso ao santuário escatológico franqueado por Cristo.

2ª Coríntios 3 e a abolição da Lei.

Mas os seus espíritos se tornaram obscurecidos. Sim; até hoje, quando lêem o Antigo Testamento, este mesmo véu permanece. Não é retirado, porque é em Cristo que ele desaparece.

(2Cor 3:14, BDJ 2002)

Talvez este tenha sido um dos principais versículos no qual os pais cristãos dos séculos II em diante inventaram a divisão da Bíblia em “Antigo/Velho Testamento” e “Novo Testamento”.

O comentário da Bíblia de Jerusalém diz o seguinte acerca deste versículo:

Outra tradução: “Não lhes é revelado que essa aliança foi abolida por Cristo.

Ainda neste capítulo, o versículo 17 diz o seguinte nessa mesma tradução bíblica:

“Pois o Senhor é o Espírito, e onde se acha o Espírito do Senhor aí está a liberdade.”

O comentarista da BDJ acrescenta:

Paulo identifica Deus ao Espírito a fim de negar que ele ainda opere por meio da letra da Lei (3,6). Aqueles que são conduzidos pelo espírito não estão submetidos à Lei (Gl 5,18), e, portanto, estão livres.

PS: Um verdadeiro vale transgressão, não é mesmo?!

O comentário é um claro tendencionismo utilizando-se de versículos isolados para defender uma determinada linha interpretativa. Isso será mais claro se analisarmos comentários de outros versículos, vejamos:

A carta aos Gálatas e a desculpa de que a Lei de Moisés (de Deus) foi abolida.

Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei.

(Gl 5:22-23)

Acerca disso, o comentarista diz:

O fiel unido a Cristo não tem mais Lei que lhe dite a conduta externa. Ele cumpre a Lei do Espírito (vv. 18.23.25; 6,2; Rm 6,15; 8,2-4; Fl 1,9-10; cf. Tg 1,25; 2,8).

Agora vamos verificar o que diz outra tradução bíblica cristã de peso, a King James, cuja versão oficial foi publicada em português pela Editora BV Books.

Romanos 10:4 e o fim da Lei.

“Porque Cristo é o fim da lei, para justiça de todo aquele que crê.”

(Romanos 10:4, Bíblia King James Fiel 1611 BV Books)

A Bíblia King James de estudo Holman, a fim de promover a anulação da Lei de Deus, diz o seguinte acerca deste versículo:

Cristo é o fim da lei, sendo o seu cumprimento e igualmente sua cessação. Qualquer sistema de salvação baseado em desempenho é excluído.

Obs.: Não obstante a isso, levantando mais controvérsia, a BDJ, em Rm 10:4, traduziu “a finalidade da Lei é Cristo” e não “o fim da Lei”; isso muda completamente o sentido do versículo. Escrevemos um estudo com mais detalhes acerca deste versículo em específico aqui no Blog Bíblia se Ensina.

Agora, a Bíblia King James Atualizada, versão não oficial do rei James de 1611, acrescenta o seguinte comentário acerca deste mesmo versículo:

O vocábulo grego original telos, aqui traduzido por “fim”, tem um duplo sentido: por um lado, refere-se à “finalidade” ou ao “objetivo a ser conquistado”; e por outro, “término” ou “ponto final”. Jesus Cristo corresponde a ambos, porquanto Ele é o alvo da Lei (Gl 4:1-7), como também, o encerramento da Lei como maneira de conquistar a salvação e as bênçãos de Deus.

Isso tudo é muito intrigante, pois o chamado “Antigo Testamento” pelos cristãos termina justamente dizendo, Lembrai-vos da lei de Moisés, meu servo, que lhe mandei em Horebe para todo o Israel, a saber, estatutos e juízos” (Ml 4:4), mas agora os pais cristãos, e seus sucessores teólogos, continuam alimentando afirmações de que a Lei foi encerrada…

Mas, de volta à BKJ da BV Books, um comentário de 2ª Coríntios 3:13 diz o seguinte:

Paulo concluiu que a principal finalidade do véu de Moisés era evitar que os israelitas percebessem que a glória do antigo pacto estava desvanecendo. A lei foi planejada por Deus com uma tendência embutida para cair em desuso (Gl 3:24-25; Hb 8:13).

Chega ser engraçado tentar entender como que Moisés estava querendo que seus contemporâneos israelitas subentendessem que a glória daquele pacto divino estava “desvanecendo“, isto é, acabando, se ele havia acabado de dá-lo naquele momento, aos pés do monte Sinai.

Mas vamos adiante, pois o comentário do versículo 14 deste mesmo capítulo diz o seguinte:

Outra finalidade de um véu é impedir que a pessoa velada veja o que está do lado de fora. Paulo quer dizer que os judeus do primeiro século que não creram no evangelho eram incapazes de perceber a natureza temporária e desvanecente do velho testamento, mesmo ao lerem suas Escrituras.

Em fim, em sua maioria, os teólogos cristãos concordam que a Lei de Moisés foi abolida, caiu em desuso, se tornou antiquada, obsoleta, etc. (Será que pensam assim na hora de cobrar o dízimo utilizando o texto de Malaquias 3:10?)

Mas em que acreditavam os discípulos de Yeshua afinal de contas? Será que eles defendiam que a Lei de Deus foi realmente abolida?

Imagem ilustrativa representando argumento cristão de que a Lei de Moisés (de Deus) foi abolida.

Segundo Paulo, cujo nome original é Shaul (Saul), a comunidade de discípulos a qual ele pertencia concordava com tudo que dizia a Lei e os profetas, basta ver Atos 24:14 que, embora as traduções bíblicas provenientes do texto grego erroneamente chamem-na de “seita“, gerando uma confusão, ainda assim é possível perceber que os discípulos do Salvador não se desfizeram da Lei de Deus, portanto não promoveram esse argumento de que a Lei foi abolida. Vamos transcrever aqui este texto na Bíblia Peshitta da BV Books, que é traduzida do aramaico, idioma no qual Jesus pregou e com o qual se comunicavam os judeus da Palestina do 1º século, e que traduziu tal texto corretamente:

“Mas isto admito, que sirvo ao Deus dos meus pais nessa mesma doutrina da qual falam, crendo em todas as coisas que se encontram escritas na lei e nos profetas,”

Além disso, os relatos bíblicos testemunham que milhares de judeus creram em Yeshua, e mesmo assim todos eram zelosos (praticantes) da Lei de Deus, como vamos conferir a seguir.

Vamos deixar a Bíblia falar por si mesma transcrevendo alguns versículos de Paulo e alguns relatos no Livro dos Atos:

Eu me comprazo na lei de Deus segundo o homem interior;”

(Rm 7:22)

“Que vantagem há então em ser judeu? E qual a utilidade da circuncisão? Muita, e sob todos os pontos de vista. Em primeiro lugar, porque foi a eles que foram confiados os oráculos de Deus. … Então eliminamos a Lei através da fé? De modo algum! Pelo contrário, a consolidamos.”

(Rm 3:1-2,31)

Ouvindo isso, eles deram glória a Deus e lhe disseram:
— Você percebe, irmão, que há milhares de judeus que creram, e todos são zelosos da Lei.
Eles foram informados que você ensina todos os judeus entre os gentios a apostatarem de Moisés, dizendo-lhes que não devem circuncidar os filhos, nem andar segundo os costumes da Lei.
Que faremos, então? Certamente saberão que você já chegou.
Faça, portanto, o que vamos dizer: Estão entre nós quatro homens que, voluntariamente, fizeram um voto. Leve esses homens, participe da cerimônia de purificação com eles e pague a despesa deles, para que rapem a cabeça. Assim todos saberão que não procede a informação que receberam a respeito de você e que, pelo contrário, você mesmo vive de conformidade com a lei.
Então Paulo, levando aqueles homens, no dia seguinte, tendo-se purificado com eles, entrou no templo, acertando o cumprimento dos dias da purificação, até que se fizesse a oferta em favor de cada um deles.

(At 21:20-24,26)

Eu sou judeu. Nasci em Tarso, da Cilícia, mas criei-me nesta cidade, educado aos pés de Gamaliel na observância exata da Lei de nossos pais, cheio de zelo por Deus, como vós todos no dia de hoje.”

(At 22:3)

“Paulo, defendendo-se, dizia: “Não cometi falta alguma contra a Lei dos judeus, nem contra o Templo, nem contra César.”

(At 25:8)

Três dias após, convocou os principais dentre os judeus. Tendo eles comparecido, assim falou-lhes: “Meus irmãos, embora nada tenha feito contra nosso povo, nem contra os costumes dos nossos pais, desde Jerusalém vim preso e como tal fui entregue às mãos dos romanos.”

(At 28:17)

É possível perceber agora, com tudo isso, que os discípulos do Salvador não cometeram crime algum contra a Lei de Deus, tentando aboli-la ou anulá-la?

Vejamos ainda mais textos bíblicos que continuam a reafirmar o valor da Lei/Torá:

Os próprios pais de Jesus continuavam a observar os mandamentos da Lei de Deus, e agiram para com ele em sua infância de acordo com todas as orientações divinas dadas a Moisés, vide Lucas 2:21-24,39-42.

O discípulo amado, Yorranan (João), da mesma forma era um grande defensor da Lei de Deus e seus mandamentos. Ele registra que o Mestre era obediente a essa mesma Lei, vide João 15:10. Veja também outros trechos de sua carta: 1 João 2:3-4, 5:2-3).

Também Jacó, o justo (erroneamente conhecido como “Tiago“), defendia isso, basta ver o capítulo 1:25 de sua carta, por exemplo.

Finalmente, o último livro da Bíblia continua a defender o mesmo que é defendido em toda a Escritura Sagrada: a obediência aos mandamentos de Deus (Ap 12:17; 14:12; 22:14).

Levantamos, até aqui, a controvérsia contemporânea em especial da doutrina cristã em relação ao argumento de que a Lei de Deus (ou de Moisés) foi abolida. Por se apoiar em interpretações extraídas de textos isolados da Bíblia, ignorando-se o contexto de forma geral, esse entendimento continua a ser defendido em não poucos meios religiosos, se não com palavras, com atos (infelizmente), porém muitas pessoas não o percebem. Mas se os discípulos de Yeshua ainda mantinham a prática da Lei de Deus, seus mandamentos e tradições, onde essa história de anulação da Lei Divina começou?

Inácio de Antioquia, o pai da anulação da Lei de Deus.

Como vimos, os discípulos do Senhor e toda sua comunidade continuavam a viver de acordo com as tradições da Lei de Moisés (de Deus). Logo, houve um momento na história em que esse pretexto de que a Lei de Deus foi abolida entrou em cena. Isso nós podemos ver pelos próprios escritos dos cristãos primitivos, os pais da igreja, homens que começaram a se evidenciar a partir do início do século II de nossa era.

Vamos ver como Inácio, bispo de Antioquia, se refere à Lei de Deus e ao povo israelita (judeu) em sua carta aos magnésios, escrita na 1ª década do século II:

Não vos deixeis iludir pelas doutrinas heterodoxas, nem pelos velhos mitos sem utilidade. Pois se ainda agora vivemos conforme o judaísmo, confessamos não ter recebido a graça. […]
Assim os que andavam na velha ordem das coisas chegaram à novidade da esperança, não mais observando o sábado, mas vivendo segundo o dia do Senhor, no qual nossa vida se levantou por Ele e por Sua morte, embora alguns o neguem. Mas é por esse mistério que recebemos a fé e por ele é que perseveramos, para sermos de fato discípulos de Jesus Cristo nosso único mestre. […]
Por isso, tornando-nos discípulos Seus, aprendamos a viver segundo o cristianismo. Pois quem usar outro nome fora desse não é de Deus. Ponde assim de lado o mau fermento, envelhecido e azedado, e transformai-vos em novo fermento, que é Jesus Cristo. […]
É absurdo falar de Jesus Cristo e viver como judeu. O cristianismo não depositou sua fé no judaísmo, mas o judaísmo no cristianismo, junto ao qual se reuniram todas as línguas que creram em Deus.

Carta de Inácio aos cidadãos de Magnésia, na Grécia, capítulos 8 a 10, fonte: ecristianismo.org.br.

Como vemos, Inácio usa sua religião, o cristianismo, como veículo para agir com hostilidade ao povo judeu, do qual veio Yeshua/Jesus, bem como ao modo de vida deste povo legado pela Torá, a Lei de Deus.

Então será que o próprio Deus, seu Messias ou os discípulos dele agiram com tal desprezo à nação israelita e promoveram sua supressão?

Para constatar isso, basta ler Romanos 11:1-5, por exemplo. Ver também Efésios 2:11-14, onde Saul (Paulo) defende muito o contrário de uma substituição do povo de Israel. Antes ele afirma que a morte do Messias teve como finalidade justamente unificar os gentios (não-judeus) à comunidade israelita.

Porém, o mais curioso disso tudo é notar que o próprio João escreveu uma carta em que menciona um grupo de pessoas se apartando da comunidade de discípulos. Eles saíram para criar e seguir suas próprias doutrinas; vide cap. 2 v. 19.

Ora, Inácio escreve na 1ª década do 2º século, como já dissemos. Nessa altura ele já tem uma doutrina formada. Então, é possível que sua comunidade, composta por quase totalidade de gentios pelo que se percebe, e sua religião já tivessem algum tempo de vida. Podemos deduzir que pelo menos duas ou três décadas (pós destruição do templo de Jerusalém, em 70, quando os judeus se dispersaram pelo mundo, até o início do 2º século). Com isso, tendo em vista sua declaração de divórcio da comunidade de discípulos judeus e aqueles estrangeiros ligados a eles, além do repúdio aos costumes da Lei Divina, este bispo e seu grupo são fortes candidatos a se encaixarem nos grupos de que fala João em sua carta (pois existiram outros, conforme relata Hegésipo na História Eclesiástica, Livro 4, cap. 22).

A Lei de Deus continuou (e continua) sendo abolida pelo cristianismo ao longo dos séculos?

Se formos falar da Inquisição promovida pelo Cristianismo Católico na era medieval e nos tempos modernos, a resposta será um sonoro sim! Mas vamos voltar um pouco no tempo e verificar se Inácio ganhou adeptos para suas interpretações religiosas das Escrituras e desprezo aos descendentes de Abraão ainda nos primeiros séculos da era comum.

Aproximadamente dois séculos depois dos escritos de Inácio, Eusébio de Cesareia, um dos historiadores cristãos mais influentes, menciona como viviam os cristãos de sua época. Ao lermos, verificamos que sua doutrina não era diferente da doutrina de Inácio, que parecia estar enfrentando “problemas” com a adesão ou a manutenção de alguns aos costumes de vida judaico-bíblicos. Na obra mais popular de Eusébio, a História Eclesiástica, ele diz:

“Pois visto que o nome cristão pretende indicar a própria verdade de que um homem, pelo conhecimento e pela doutrina de Cristo, distingue-se pela modéstia e justiça, pela paciência e uma fortaleza virtuosa, e por uma profissão de piedade com respeito ao único e supremo Deus; tudo isso não foi cultivado com menos diligência por eles que por nós. Eles, portanto, não consideravam a circuncisão, nem observavam o sábado, como também nós; nem nos abstemos de certos alimentos, nem consideramos outras imposições que Moisés subsequentemente entregou para serem observadas em tipos e símbolos, porque tais coisas não dizem respeito aos cristãos.”

História Eclesiástica, CPAD, págs. 25-26,30.

Se lermos com atenção os versículos bíblicos que se referem aos costumes mencionados por Eusébio neste trecho de seu livro, notaremos que foi o próprio Deus quem definiu os tais para Seu povo. Eusébio, contudo, diz, “estas coisas não dizem respeito aos cristãos”; com isso, não estaria ele dizendo (querendo ou não) que os cristãos (mencionados por ele) não são o …

É uma realidade dura de ser digerida, mas posso afirmar com certeza que o problema não se encontra nas pessoas (pelo menos não em boa parte delas), que na verdade só intentam servir a Deus com sinceridade.

O problema se encontra nas interpretações religiosas que se fizeram a muito tempo atrás, as quais foram herdadas por todo o mundo ocidental.

O problema passa a estar nas pessoas, isto é, em nós, se não dermos ouvidos à verdade e deliberadamente não a seguirmos (cf. 2Co 13:18).

O que Jesus disse a respeito dos que defendem a anulação da Lei de Deus?

Existe uma passagem bíblica muito conhecida, mas infelizmente traduzida de modo, digamos, não preciso nas traduções bíblicas comuns. Me refiro a Matias/Mateus 7 21:23, que diz assim:

Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino do céu, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está no céu. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos os demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes declararei: Eu nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós trabalhadores da iniquidade.

(Mateus 7:21-23 Bíblia King James Fiel)

Quero chamar atenção aqui para a palavra “iniquidade“. Um dicionário bíblico cristão muito famoso, o Strong, define assim a palavra original grega aqui:

458 ανομια anomia
de 459; TDNT – 4:1085,646; n f
a condição daquele que não cumpre a lei
porque não conhece a lei
porque transgride a lei
desprezo e violação da lei, iniqüidade, maldade

Segundo o dicionário de português, iniquidade seria o mesmo que maldade. Porém, trata-se de uma maldade que, de tantas vezes cometida, não se sente mais remorso ou arrependimento, porque já se considera o mal praticado uma coisa comum. Fonte: Dicionário Informal. Ou seja, é uma violação das leis naturais cometida de forma comum.

Mas de acordo com o Dicionário Bíblico mencionado acima, o sentido de iniquidade (anomia no grego), é ainda mais profundo e específico. Porque quem pratica anomia, ou quem trabalha a favor dela, é aquele que despreza a Lei de Deus ou trabalha pela violação da mesma. E a lei embutida na palavra anomia certamente se refere à Lei de Deus, ou Lei de Moisés, a Torá, porque antes o Senhor menciona a vontade de Deus, que está contida na Lei Dele.

Logo, uma tradução mais precisa para este versículo 23 seria:

“Eu nunca vos conheci, apartai-vos de mim, vós que trabalhais pela violação/anulação da Lei”.

Outra traduções bíblicas, mesmo entre as cristãs, concordarão com isso, em proporção maior ou menor, veja:

Eu, porém, responderei: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim, vocês que desobedecem à lei!

(Nova Versão Transformadora)

“E então abertamente lhes declarei: ‘Nunca vos conheci; apartai-vos para longe de Mim, os que estais praticando este desprezo- às- leis’.

Bíblia de Estudo LTT 2018

“Então claramente lhes direi: “Nunca vos conheci. Afastai-vos de mim, transgressores!””

Bíblia Livre – Nestle 1904

Isso é o que diz com mais precisão o texto bíblico original em grego, utilizado pelos teólogos e tradutores cristãos e lido nas versões bíblicas em português.

Logo, o que o senhor Jesus está dizendo neste texto é que várias pessoas pregariam mensagens e fariam até supostos sinais milagrosos no nome dele. Ele descreve um movimento religioso que alega estar representando-o, carregando consigo o legado dele. No entanto, ele afirma que não conhecia tais pregadores, pois eles praticavam coisas contrárias à vontade do Pai, eles trabalhavam pela anulação da Lei de Deus.

Por fim, como podemos notar lendo a própria Bíblia, a história do Messias, de seus discípulos e comparando com as doutrinas introduzidas pelos pais da Igreja nos primeiros séculos da era comum, concluímos que a argumentação de que a Lei de Deus foi abolida é uma criação humana distorcida da verdade.

Concluindo: a Lei de Deus foi abolida? Objetivamente que não! Mas ela é cumprida na íntegra hoje em dia? Também não, dadas as circunstâncias depois da diáspora e destruição do Templo de Jerusalém no ano 70, Templo este que, de acordo com profecias bíblicas, será reerguido pelo próprio Messias (Zc 6:12-13), e não por um suposto personagem chamado “anticristo“.

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Autor: Gabriel Filgueiras

Um caco de barro que com trabalho duro está sendo moldado pelo Criador.

11 comentários em “A Lei de Moisés (de Deus) foi abolida?”

  1. Você está completamente errado, e sabe disso. A lei de Moisés era para uma descendência que tinha como ÚNICO propósito a vinda de Jesus. Inácio de Antioquia estava corretíssimo: o judaísmo bastardo e ilegítimo, com um templo destruído e com sacrifícios que são rejeitados por Deus, não levam a lugar algum.

  2. Pertinente aos dízimos, prefiro o ensinamento de Jesus, afirmando que cada um contribua conforme o desejo do seu coração e que faça isso com alegria e não com tristeza! Amém!

    1. Dorivaldo, obrigado por comentar, mas essas não são palavras de Jesus, além disso, em Mt 23:23 e Lc 11:42, ele não se opõe à lei do dízimo, pois o maior defensor da Lei de Deus jamais poderia falar contra ela ou se desfazer dela.

  3. Parabéns irmao ….meu cunhado , ele não acredita mais no novo testamento infelizmente… Por causa das profecias de Ezequiel cap 40 a 48 …se vc tiver zap , para podermos conversar …Deus abençoe ,obrigado

  4. Realmente complicado. Mas_podendo estar errado_ entendo que a lei imutável de Deus ( tbm chamado 10 mandamentos) jamais mudará. Porém leis acerca de costumes, tradições… essas podem mudar.
    Basta observar-mos que os primeiros gentios não se circuncidavam ao aceitar a mensagem da salvação de Cristo.

    1. Rodrigues, é porque a circuncisao era ordenada só para os judeus ou israelitas, isto é, os descendentes de Abraão (vide Gn 17), então isso nunca mudou. Um gentio poderia ser circuncidar, a fim de se tornar um israelita natural só se quisesse.

      1. Compreendo sua colocação, porém sabemos que nem tudo que está escrito na lei de Moisés se aplica hoje. Acho que seu texto embora excelente poderia ser mais detalhado sobre o que é imutável e o que é mutável ou interpretativo para nós que não somos judeus

      2. Entendo que sua resposta apenas sustenta minhas argumentações sobre o texto ser mais claro ou objetivo sobre a lei de Moisés para nós não- judeus. Pois a colocações na lei que são impostas aos judeus… mas e nós? O que dá lei nos é imposto a seguir? Seu texto sugeriu toda a lei mas vc msm concorda que a lei tem artigos que são obrigatório apenas aos judeus….

      3. Um discípulo deve imitar seu mestre e se aperfeiçoar no caminho ensinado por ele. É uma caminhada de aprendizado, prática e adaptação. Não é para menosprezar a Lei de Deus, mas para aderir a ela gradativamente.

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