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Os essênios, quem eram e qual sua importância para nós?

Last updated on 12/03/2022

Provenientes da região de Qumran, no deserto da Judeia próximo ao Mar Morto, os essênios formaram uma comunidade sacerdotal judaica de meados do século 2 AEC até a década de 60 no 1º século EC. Foi por causa dessa comunidade de sacerdotes dissidentes que as Escrituras Sagradas foram fidedignamente preservadas, e nos provaram hoje, uma geração incrédula, cheia de dúvidas e informações confusas, que podemos confiar na palavra profética do Todo Poderoso.

De acordo com relatos históricos, os essênios eram exemplo de uma incomum grandeza moral e pureza espiritual. Eles tiveram papel fundamental na religiosidade judaica. Viviam em ambiente comunitário, mas moravam nos desertos afastados da grande civilização afim de praticarem melhor sua fé.

Em que os essênios acreditavam?

Eles acreditavam ser os únicos que interpretavam corretamente a “Lei de Moisés”, isto é, a Torá, e o faziam com grande cuidado e exatidão, procurando viver de acordo com sua interpretação dela.

Essa comunidade foi melhor conhecida com as descobertas dos Manuscritos do Mar Morto, que aconteceram a partir do ano 1947.

Embora sua grande importância, eles não são mencionados explicitamente nos escritos dos discípulos do Senhor, como os fariseus e saduceus, por exemplo. No entanto, reflexos de seus ensinamentos e costumes são vistos em diversas partes dos escritos nazarenos (“novo testamento”).

Por serem muito devotos aos estudos das Sagradas Escrituras e produzirem suas próprias literaturas, estudiosos estimam que alguns livros pseudo epígrafes (isto é, extra bíblicos) foram escritos pelos essênios, ou ao menos preservados por eles, como o Livro dos Jubileus, o Livro de Enoque e o Testamento dos Doze Patriarcas. Obras como essas foram encontradas dentre os Manuscritos do Mar Morto, região onde essa comunidade os preservava e reproduzia.

Ilustração dos essênios copiando e estudando as Sagradas Escrituras.
Ilustração dos essênios copiando e estudando as Sagradas Escrituras.

A origem dos essênios.

Assim como os fariseus e os saduceus, os essênios se originaram dos hasidim. Essa é uma palavra hebraica que significa “santos, piedosos”. Veja o Salmo 149:1,5 no original hebraico. Durante os séculos 3 e 2 AEC, eles lutaram muito para que a Lei de Deus e seus costumes continuassem a ser observados e as tradições judaicas mantidas.

Com toda força procuraram lutar contra o helenismo que, desde Alexandre Magno, em 332 AEC, vinha oprimindo os judeus não só no aspecto político, mas sobretudo no cultural e religioso.

O helenismo tinha como objetivo descaracterizar elementos da fé judaica (assim como de outras nações conquistadas pelos gregos). Os hasidim fizeram frente a isso com oposição. Em especial, o pior momento da implantação do helenismo se deu quando o Antíoco IV Epifânio ocupou o trono sírio (175 a 164 AEC). Ele forçava aos judeus o estilo de vida grego (ou a cultura helênica).

Busto de Antíoco IV Epifânio, Altes Museum, Berlim.
Busto de Antíoco IV Epifânio, Altes Museum, Berlim.

A luta dos hasidim contra os feitos de Antíoco Epifânio.

Antíoco promulgou um edito real exigindo que os judeus adorassem os deuses gregos. Em seu tempo, o templo de Jerusalém foi dedicado a Zeus, com toda liturgia própria do paganismo. Até mesmo o sacrifício de um porco foi feito no Santo dos Santos (1 Mc 1:54; 4:44-45; 6:7). O porco era um animal imundo para os judeus, como sabemos (Lev. 11:7). É provável que Daniel, que viveu pouco mais de 400 anos antes destes eventos, estivesse falando deste homem no capítulo 8 de seu livro.

Diante destes eventos (lembrando, dentre os anos 175 – 164), os sacerdotes que estavam em Jerusalém foram obrigados a sair de lá porque o templo fora profanado.

Judas Macabeu, valente guerreiro, incentivado pelo seu pai Matatias, um velho sacerdote (1 Mc 2:1-4), foi o homem usado para unir muitos judeus na grande luta contra o Antíoco IV Epifânio (1 Mc 6:19ss).

A revolta dos Macabeus foi constituída de sacerdotes. Ela contagiou todo o povo para lutar contra o império sírio selêucida dominante. Eles queriam reconquistar Jerusalém, lutar contra o avanço da cultura pagã e consequente morte da cultura judaica.

Os hasidim estavam entre estes judeus que deram apoio a Judas Macabeu (1 Mc 2:42). O comentário da Bíblia de Jerusalém traz mais informações a respeito deles.

"... Hasidim, os "piedosos", comunidade de judeus apegados à Lei. Eles resistiram à influência pagã desde antes dos Macabeus e tornaram-se aa tropa de choque de Judas (cf. 2 Mc 14:6), mas sem se subordinarem à política dos Asmoneus (cf. 1 Mc 7:13). Segundo Josefo, durante a chefia de Jônatas, por volta de 150, eles se dividiram em fariseus (Mt 3:7+ e At 4:1+) e essênios, mais bem conhecidos desde as descobertas de Qumrã (cf. Antiguidades XIII, 17s).

Após a morte de Judas Macabeu, seu irmão Jônatas o substituiu a pedido dos próprios amigos de Judas. Ele foi igualmente um grande líder e levou sua nação a grandes vitórias (1 Mc 9:28-31).

Depois, porém, das grandes proezas de Jônatas, o sucessor de Antíoco, Alexandre, fez acordos com ele por motivos políticos, e constituiu-o sumo sacerdote de toda a nação judaica (1 Mc 10:15-21). Ora, o império selêucida não havia acabado, porém havia sido extirpado das terras de Israel.

Estes eventos deram origem aos essênios. Pois Jônatas não era descendente de Arão para assumir o sumo sacerdócio, sendo constituído assim por motivos políticos. Então um grupo de judeus se separa para o deserto da Judeia, em Qumran, por não terem concordado com o acordo entre Jônatas e Alexandre, rei da nação que fora inimiga de Israel. Assim diz o comentário da Bíblia de Jerusalém acerca destes eventos:

"Jônatas é descendente de Joiarib, antepassado da primeira das vinte e quatro classes sacerdotais... [cf. 1 Crôn. 24:7] 
Quanto a Alexandre, soberano reconhecido, competia-lhe o direito de nomeá-lo (cf. 7:9; 2 Mc 4:24). Assim ficava excluída a família dos Oníadas, da qual provinham tradicionalmente os sumos sacerdotes. 
Foi, sem dúvida, nessa ocasião que o filho de Onias III refugiou-se no Egito, onde fundou o templo de Leontópolis (cf. 2 Mc 1:1). Nas mesmas circunstâncias outro sacerdote, o "Mestre de Justiça", de quem fala o escrito essênio Documento de Damasco, refugiou-se em Qumrã...

Um dos grupos que não aderiram à aliança que Jônatas fez, os essênios, era justamente este que apoiava a guarda da Torá, que conservava os costumes transmitidos por Moshé (Moisés), servo do Deus Altíssimo. O grupo dos essênios, portanto, era fiel e conservador quanto à prática das Sagradas Escrituras e sustentava que somente um descendente de Arão poderia exercer o sumo sacerdócio. Esses eventos são do ano 152-150.

Foto das ruínas de Qumran visto do alto, onde viviam a comunidade dos essênios.
Foto das ruínas de Qumran visto do alto, onde viviam a comunidade dos essênios.

Flávio Josefo, que esteve em companhia dos essênios por três anos, descreveu esse grupo como uma comunidade com uma disciplina mais rígida e estrita que a dos fariseus ou a dos saduceus.

Josefo é uma testemunha judaica do 1º século. Seu nome original hebraico é Yosef ben Matityahu (יוסף בן מתתיהו, “José, filho de Matias” [Matias é variante de Mateus]). Titus Flavius Josephus (aportuguesado “Flávio Josefo”), é o nome que recebeu ao adquirir cidadania Romana – assim como Shaul se tornou Paulus, aportuguesado como Paulo, o enviado (apóstolo).

Busto-romano-tido-como-de-Flavio-Josefo-Yosef-ben-Matitiyahu
Busto romano tido como de Flávio Josefo.

Josefo informa que haviam três comunidades judaicas predominantes no 1º século: os fariseus, os saduceus e os essênios. Ele menciona:

"Quando fiz treze anos desejei aprender as diversas opiniões dos fariseus, dos saduceus e dos essênios, três "seitas" que existem entre nós, a fim de, conhecendo-as, eu pudesse adotar a que melhor me parecesse. Assim, estudei-as todas e experimentei-as com muitas dificuldades e muita austeridade."

Os essênios também reproduziam uma esperança messiânica da época. Eles sempre faziam refeições juntos porque acreditavam que um dia o Messias (Ungido) pessoalmente viria para abençoar o pão e o vinho, e assim inaugurar os tempos messiânicos. Interessante que Jesus, isto é, Yeshua, provavelmente conhecendo essa tradição, que nós desconhecíamos até os achados de 1947, termina seu ministério dando uma bênção semelhante sobre o vinho e o pão (Lucas 22:17-20).

Os banhos de purificação dos essênios.

Os essênios também praticavam muitos banhos de purificação. No sítio arqueológico de Qumran há muitos tanques de purificação através do mergulho. A pessoa descia por uma escada completamente impuro, mergulhava na água e depois subia por outra parte, na teoria deles, completamente purificado. Esse banho era diário, pois no dia a dia poderia se ter contato com alguém que tocou num cadáver, por exemplo, deixando aquela pessoa contaminada e contaminando quem tivesse contato com ela (cf. Lev. 5:2).

Um dos tanques onde os essênios realizavam seus banhos de purificação no sítio arqueológico de Qumran.
Um dos tanques onde os essênios realizavam seus banhos de purificação no sítio arqueológico de Qumran.

João (original “Yohanan“) o batista começa sua pregação justamente mergulhando as pessoas na água. Esta e outras evidências mostram que ele passou algum tempo com os essênios.

Os essênios diziam que eram puros, e seu mergulho era para manter essa purificação/santidade. No caso de João, as pessoas, considerando-se pecadoras, eram mergulhadas para o arrependimento. Portanto, este batismo (mergulho/imersão) que antes era um rito de purificação na comunidade dos essênios, depois se tornou um ritual do seguimento de João; posteriormente um rito de iniciação na comunidade de discípulos do Senhor (João 3:22,26; 4:1-2; At 10:47,48; 19:1-7), e finalmente reproduzido também no cristianismo, que nasce com os pais da igreja no 2º século EC, embora tivesse algumas diferenças, como o batismo em nome da trindade.

O banho de purificação dos essênios chega a ser mencionado na Bíblia também:

Imagem ilustrativa do banho de purificação dos essênios.
Imagem ilustrativa do banho de purificação dos essênios.
"Houve então uma questão entre os discípulos de João e os judeus acerca da purificação."
 (João 3:25)

Ao que tudo indica, a “purificação” mencionada em João 3:25 é o banho de purificação dos essênios. Nos documentos de regras da comunidade está escrito que isso era exigido aos seus membros, similarmente ao cristianismo de hoje, onde é exigido que as pessoas sejam batizadas (mergulhadas) nas águas como ritual de iniciação nele.

Embora Paulo levasse as boas novas do Messias (Ungido) judeu para todo o mundo romano, fazendo que uma fé judaica se tornasse universal, os manuscritos do mar morto, isto é, os escritos dos essênios confirmam as raízes indiscutivelmente judaicas do cristianismo. Neste ponto, ao analisar e comparar o texto dos documentos, a vivência judaica do primeiro século e o cristianismo que se desenvolveu ao longo dos anos, os pesquisadores e estudiosos dizem que houve mudança naquela que começou como uma religião judaica.

Há ideias dos manuscritos que se assemelham a ideias hoje tidas como cristãs. Essas ideias pertenciam aos judeus da antiguidade, mostrando que os “cristãos” primitivos eram judeus (como podemos ver nos relatos dos discípulos (evangelhos) e no Livro dos Atos). Alguns elementos culturais do que hoje chamamos de “cristianismo” foram originados na fé e nos costumes judaicos. Até mesmo seu estilo literário. Com o tempo, porém, o cristianismo evoluiu e tornou-se algo diferente daquele “judaísmo” primitivo. Isso é o que os manuscritos revelaram. A linguagem dos manuscritos de Qumran e os relatos dos discípulos do Senhor eram semelhantes, porém o contexto mudou com a evolução do cristianismo.

O supervisor da comunidade dos essênios.

Ilustração de um supervisor da comunidade dos essênios.
Ilustração de um supervisor da comunidade dos essênios.

A comunidade dos essênios também tinha órgãos administrativos. Havia o Conselho da Comunidade onde eram tomadas as decisões. Homens sábios e de boa conduta presidiam sobre este conselho. É interessante notar que em Atos dos apóstolos um perfil semelhante de homens é exigido para administrar as causas da comunidade de discípulos (At 6:3). Havia também um colégio supremo composto por doze homens e três sacerdotes. Yeshua, em seu ministério, escolhe doze emissários (apóstolos), mas tinha afinidade maior com três deles (Mat. 10:1-4; Mar. 5:37; 9:2; 14:33). Além disso, havia uma pessoa que ocupava um cargo de grande responsabilidade, o mebaqqer, que significa “inspetor” ou “supervisor”.

Semelhantemente, Paulo fala sobre os supervisores do rebanho de Deus (gr. bispos) em Atos 20:28.

O supervisor da comunidade de Qumran não podia ter menos de 30 nem mais de 50 anos. Ele supervisionava a congregação, presidia as assembleias, examinava os candidatos à comunidade, ensinava o sentido exato da Torá, investigava os transgressores da mesma, decidia litígios, distribuía mantimentos aos pobres e servia de mestre e pai da comunidade. É interessante notar também que Paulo chamava a si mesmo não só de mestre dos crentes, mas de pai (1 Cor. 4:15).

O compartilhamento de bens dentre os essênios.

Vemos em Atos dos apóstolos os crentes doando suas propriedades para suprir as necessidades da comunidade de irmãos (cf. 2:44-45; 4:34-37). Foi descoberto que este mesmo costume era exigido de homens que tinham muitos bens e que queriam fazer parte da comunidade dos essênios. Os primeiros discípulos do Senhor vendiam suas posses para suprir as necessidades dos demais, e eles tinham tudo em comum, ninguém considerava que coisa alguma do que possuía era sua própria. Pensamento muito parecido com o da comunidade dos essênios, dos quais ao menos alguns devem ter vivido dentre estes primeiros movimentos dos seguidores do Ungido.

De forma semelhante, o Senhor orientou a um jovem muito rico que vendesse todos os seus pertences e desse aos pobres (Marcos 10:17-21). O grupo dos essênios era o único que fazia isso. Os fariseus e saduceus, por outro lado, eram gananciosos e gostavam de acumular riquezas (Lucas 16:13,14; Mat. 23:14); não obstante à Torá ensinar o contrário, que eles deveriam compartilhar seus bens, fazendo caridade aos pobres (Êx. 23:10-11; Lev. 19:9,10; 25:35; Deut. 15:4,7,8,10,11). Então vemos reflexos dos ensinamentos da Torá nos costumes da comunidade de Qumran, no ensino do Mestre e posteriormente na vivência das primeiras comunidades de discípulos.

Os filhos da luz e os filhos das trevas.

Há várias semelhanças de linguagem nos escritos nazarenos e dos essênios. Como por exemplo, a comunidade se chamava de “filhos da luz”, e tanto o Senhor quanto Paulo, mais tarde, usam o mesmo termo para se referir aos crentes (cf. Jo 12:36; Ef 5:8; 1 Tess. 5:5). Os descrentes também eram chamados de “filhos das trevas”, tanto pelos essênios quanto pelos discípulos do Senhor (1 Tess. 5:5).

Os essênios foram tão longe que chegaram a escrever nos manuscritos que Deus dividiu a humanidade em dois grupos: eles eram os filhos da luz, e os que não pertenciam à comunidade eram os filhos das trevas, por isso este grupo deveria ser evitado, por serem impuros. Então os essênios moravam no deserto, para separarem-se dos demais grupos que não observavam as leis de Deus.

No entanto, o Senhor traz um conceito diferente dos essênios neste ponto, afirmando que seus discípulos deveriam também saudar até seus próprios inimigos, isto é, os que não faziam parte de seu grupo (vide Mat. 5:44-48). Além disso, o próprio Mestre comia e bebia com pecadores, obviamente para curá-los, pois ele disse “os sãos não necessitam de médico, mas os doentes” (Luc. 5:31,32).

Também foi observado nos escritos dos essênios o termo “nova aliança”, semelhante ao que o Senhor usa para se referir ao cálice com vinho, que representava seu sangue, que é o sangue da nova aliança ou aliança renovada (Luc. 22:20).

Os essênios faziam refeições juntos porque aguardavam o Messias, isto é, o Rei Ungido prometido nas Escrituras aparecer entre eles para abençoar o pão e o vinho. Isto fez o Senhor com seus discípulos em sua última noite (Luc 22:17-19).

Os humildes de “espírito”.

Os Manuscritos do Mar Morto, preservados pela comunidade dos essênios, também nos ajudaram a compreender expressões idiomáticas da época de Yeshua antes não compreendidas. Uma dessas expressões é citada nas “bem-aventuranças” em um texto chamado “Regra da Guerra“, que contava a batalha espiritual entre os filhos das trevas e os filhos da luz.

Ela diz que aquele que vencer a batalha, o filho da luz, não tem o coração duro como o dos filhos das trevas, mas ele é um “anavei ruach. Isso significa “o encurvado ao vento” (espírito), ou “aquele que se dobra ao sopro/vento”. Imagine por exemplo que quando o vento sopra sobre o trigal, ele se encurva na direção deste.

Trigo sendo balançado pelo vento.

Metaforicamente, “anavei ruach” significa aquele que está disposto a obedecer “o sopro de Deus” onde quer que este o envie. O Mestre disse a Nicodemos que “o vento (ruach) sopra onde quer e se ouve sua voz, mas não se sabe de onde vem nem para onde vai, assim é todo aquele que é nascido do espírito (sopro)”. Ou seja, ele é obediente ao “sopro de Deus”, isto é, à direção que Deus o está mandando ir, ao que Este o está mandando fazer. A pessoa que está disposta a obedecer o “sopro (espírito) de Deus” onde quer que ele o indique, é comparada a esse trigo que se encurva quando o vento sopra sobre ele.

É curioso notar que o Senhor assopra sobre seus discípulos a “ruach santa” (o vento santo ou a inspiração santa), vide João 20:22. De modo semelhante, Deus soprou em Adão o fôlego de vida (Gên. 2:7). Nota-se entre o “sopro de Yeshua” e as ideias dos essênios uma semelhança de linguagem metafórica onde a “ruach” (vento, sopro) indica uma inspiração divina dentro do crente que lhe guia (vide Mat. 10:19-20), mediante sua obediência.

A expressão “anavei ruach” era usada para descrever aqueles que iriam obedecer à ordem do Rei Ungido quando este o convocasse para o combate final contra os filhos das trevas.

Talvez por isso o Mestre tenha comparado João a uma cana agitada pelo vento, já que se tratava de elogios (Mat. 11:7-11), pois João era obediente ao chamado de Deus, isto é, metaforicamente, ele se encurvava ao Seu “sopro”. Mas isso que digo é uma conjectura.

Similarmente, a expressão que o Senhor disse “bem-aventurados os pobres de espírito”, poderia ser considerada “bem-aventurados os encurvados/humildes ao espírito (isto é, ao sopro de Deus) porque deles é o reino dos céus” (Mat. 5:3). Note a semelhança, pois os essênios estavam aguardando a manifestação do reino de Deus e diziam que os humildes de espírito, ou seja, os obedientes ao sopro de Deus o alcançariam. O Senhor diz praticamente o mesmo.

Essa conclusão chegou depois que um professor de Jerusalém, um epígrafe francês, traduziu um grupo de bem-aventuranças que se encontram entre os rolos dos Manuscritos do Mar Morto. Essa tradução lançou luz sobre o Senhor e o sermão da montanha.

Veja essa explicação sendo dada pelo Rodrigo Silva:

O trecho da Regra da Guerra diz:

“entre os pobres de espírito (anavei ruach) […] e por aqueles cujo caminho é perfeito todas as nações ímpias chegarão ao fim.” 
(1QM 14: 7; 4Q491 f8_10i: 5).

A palavra “anawim” representa um plural do hebraico anaw que, junto com seu cognato ani, é uma palavra para “pobre, humilde, aflito”.

Na Bíblia, esta palavra se encontra no Salmo 37 versículo 11. Ele afirma, “os anawim (humildes) herdarão a terra”. É daqui que Yeshua faz sua declaração, “os mansos herdarão a terra” (Mat. 5:5).

Quando ele fala as bem-aventuranças, fala em língua aramaica, mas os relatos de sua vida (evangelhos) que chegaram ao ocidente foram as cópias gregas. Era necessário empenhar esforços para descobrir qual termo da língua semita foi usado pelo Senhor para se chegar ao significado real de suas palavras. Os escritos dos essênios nos ajudaram, portanto, a entender as expressões semitas por trás das palavras do Mestre.

Também foi encontrado ali na primeira caverna, na gruta 1, no documento 147, um salmo de ação de graças escrito no hebraico clássico. Não é um salmo encontrado na bíblia. Ele, porém, trazia a mesma expressão bíblica, “felizes os anavei ruach”, tradicionalmente traduzido por “os pobres de espírito”. No entanto, a expressão significa “aquele que se encurva ao sopro (espírito)”, isto é, aqueles que são humildes às ordens de Deus. São aqueles que quando o sopro (espírito) de Deus passa, se inclinam, ou seja, são obedientes, submissos e vão na direção dele, fazendo o que Deus manda.

Haja vista que a palavra “espírito” tem sua raiz etimológica do Latim “spiritus”, significando “respiração” ou “sopro”. Mas também pode estar se referindo a “coragem”, “vigor” e finalmente, fazer referência a sua raiz no idioma protoindo-europeu *(s)peis– (“soprar”). Na Vulgata, a palavra em Latim é traduzida a partir do grego pneuma (πνευμα), (em Hebraico (רוח) ruach).

Spiritus ubi vult spirat et vocem eius audis sed non scis unde veniat et quo vadat sic est omnis qui natus est ex Spiritu.” (João 3:8 Vulgata Latina)

João o imersor e os essênios.

Ao conhecer os costumes da comunidade de Qumran nos manuscritos do Mar Morto, os pesquisadores chegaram à conclusão que João, o imersor (batista), muito provavelmente havia vivido entre eles.

Como os essênios criavam filhos das famílias de Jerusalém e outras partes, é provável que João tenha sido levado por seu pai para ser criado no deserto pelos essênios. Afinal de contas, seus pais já eram velhos quando o geraram (Luc. 1:6,7).

Além disso, o pai de João, Zekaryah (Zacarias), era sacerdote; e sua mãe, Elisheba (Elizabete), era uma das filhas de Arão (Luc. 1:5). João, portanto, era de linhagem sacerdotal também, assim como os essênios. Ademais, o relato de Lucas registra que “o menino […] viveu nos desertos até ao dia em que havia de se manifestar a Israel.” (Luc. 1:80) Isso indica que ainda em sua infância, ou pelo menos na adolescência, João foi habitar no deserto de Qumran, entre os essênios.

Os pais de João devem tê-lo levado para ser criado pela comunidade sacerdotal de Qumran porque todos compartilhavam da mesma esperança messiânica, e os essênios eram dotados de maior pureza e santidade que as comunidades sacerdotais presentes em Jerusalém.

Assim como os essênios, João também considerava as autoridades religiosas de Jerusalém como um grupo que se corrompeu com alianças políticas e tinha vida religiosa hipócrita (Mat. 3:7-12).

Outra evidência de que João passou pelos essênios é que sua mensagem está muito aproximada à teologia e ao ensino deles.

A mensagem de João muito se assemelha às regras da comunidade dos essênios. Além de fazer uso da mensagem de Yeshayahu (Isaías) 40:3, bem como os essênios faziam, uma das regras da comunidade dizia:

“E quando essas coisas sucederem aos membros da comunidade em Israel, no tempo designado, separar-se-ão da habitação dos homens perversos e irão para o deserto, preparar o caminho do SENHOR, como está escrito: ‘no deserto preparai o caminho do SENHOR, endireitai no deserto a estrada para o nosso Deus’.” 
(1 Qs 8:12-14)
Mapa ilustrativo do centro da comunidade de Qumran, onde os essênios viviam no deserto da Judeia.
Mapa ilustrativo do centro da comunidade de Qumran, onde os essênios viviam no deserto da Judeia.

João desfrutava dessa mesma esperança messiânica e se apresentava como a própria voz que clama no deserto para que se endireite o caminho do SENHOR (Jo 1:23).

No entanto, João deve ter rompido com a comunidade de Qumran em algum momento e foi pregar nas proximidades de Jericó, onde havia o palácio de Herodes às margens do rio Jordão (Mat. 3:5-6). Portanto, ele dava um novo significado ao mergulho (batismo/imersão), embora ainda tivesse elementos dos essênios. Enquanto os essênios mergulhavam em água para se purificar, João mergulhava as pessoas para se arrependerem.

Já mostramos também em João 3:25 que o próprio João é questionado a respeito da purificação. Podemos assimilar que o filho de Zacarias era entendido a respeito dos mergulhos de purificação dos essênios e por isso foi questionado por seus próprios discípulos.

O judaísmo daquela época praticava muitos mergulhos e banhos de purificação.

Com rituais de purificação, os fariseus daquele tempo, por exemplo, lavavam o exterior dos pratos e dos copos, além das mãos. Eram cerimônias e não meramente higiene (Mar. 7:1-3; Mat. 23:25,26).

Outro sinal de que João deve ter rompido com os essênios é que estes haviam se apartado das demais comunidades judaicas em Israel para viverem em sua própria e conservarem assim maior pureza enquanto esperavam pelo Messias; João, por outro lado, dirigia sua mensagem a todo o Israel. Até mesmo aos soldados romanos e aos publicanos ensinava e direcionava suas mensagens, convidando-os ao arrependimento (vide Lucas 3:10-14). Os essênios, porém, separavam-se destas pessoas, considerando-os filhos das trevas.

João, portanto, pregava uma mensagem mais inclusiva e chamava todos ao arrependimento de seus pecados. Os essênios, porém, eram mais separatistas e valorizavam apenas os membros de sua comunidade ou aqueles que quisessem aderir a ela. Além disso, a mensagem de João a respeito do Messias era muito mais profunda e espiritual. João pregava o Messias que libertaria Israel de seus pecados, carregando-os sobre si (João 1:29), os essênios pregavam um Messias que iria liderar seu combate final contra os filhos das trevas, chamando os exércitos celestiais para ajudá-los.

Por isso, João pode ter sido membro da comunidade de Qumran por algum tempo, mas durante seu ministério rompeu com os essênios e pregou sua mensagem profética de forma independente.

Além de todas essas semelhanças citadas, uma grande quantidade de mel de alfarroba foi encontrada entre os achados de Qumran, o local em que os essênios viviam. Trata-se do mesmo mel silvestre que João o batista comia, conforme relatado nos evangelhos (Mat. 3:4; Mar. 1:6).

Os essênios adotaram um regime vegetariano para protestar contra as corrupções comerciais de Jerusalém. Veja que o próprio Senhor Jesus purifica o templo em sua época, denunciando as atividades comerciais corruptas com animais dos sacrifícios nele (Jo 2:13-17; Luc. 19:45,46; Mar. 11:15-17; Mat. 21:12,13).

Jesus e os essênios.

Outra curiosidade, desta vez referindo-se a Yeshua, é que não é mencionado um cordeiro sendo comido na refeição da páscoa dele com os discípulos. Isso poderia indicar que eles também seguiam o costume dos essênios de não comer carne em protesto contra os líderes de Jerusalém (Mat. 26:19-29; Mar. 14:12-18; Luc. 22:7-16). Mas isso é pura especulação de alguns pesquisadores, pois embora o texto não mencione um cordeiro, o mesmo diz que eles comeram a páscoa, e isso automaticamente pode indicar que havia cordeiro, de acordo orientado na Torá (Lev. 23:5-6; Êx 12:1-6,14; cf. Mar. 14:14,15).

O movimento messiânico ensinado pelos essênios não menciona o Mestre Jesus (e se mencionasse só poderia ser em seu nome original, isto é, Yeshua), mas lança seus alicerces. Os essênios esperavam por dois Messias, um seria descendente de Davi, e portanto rei, e outro um sacerdote. Yeshua preenche ambos requisitos. Nos evangelhos é mostrado que ele é descendente de Davi, e a carta aos hebreus explica com riqueza de detalhes seus aspectos sacerdotais, especificamente nos capítulos 7 e 8.

Outro texto dos essênios fala a respeito dos futuros feitos do Messias.

"Pois ele [o Messias] honrará os piedosos sobre o trono de seu reino eterno, libertará os cativos, abrirá os olhos dos cegos, erguerá os que estão oprimidos, [...] pois ele curará os que estão enfermos, ressuscitará os mortos e trará boas novas aos pobres.
(4Q521)

Note que os textos de Lucas 4:16-20, 7:19-23 e Isa. 61:1,2 são semelhantes ao escrito dos essênios. No entanto, os essênios mencionam que “o Messias ressuscitaria os mortos“, enquanto que os textos bíblicos não. Yeshua, por sua vez, ao falar da ressurreição dos mortos em resposta à pergunta de João (Lc 7:19,20), cita para ele os escritos dos essênios (v. 22). Isso, portanto, é mais uma forte indicação de que o imersor realmente viveu entre a comunidade de Qumran, os essênios, e conhecia suas tradições, bem como nosso Mestre Yeshua.

Concluindo, por volta do ano 68 EC, um pouco antes da destruição de Jerusalém, quando o império romano desceu às regiões de Massada para atacar os judeus que estavam lá refugiados, os judeus que estavam em Qumran esconderam nas cavernas as cópias das Escrituras e de suas próprias leis comunitárias, bem como outros escritos religiosos, provavelmente querendo voltar lá depois da guerra para recuperá-los. Entretanto, como esses judeus foram destruídos pelos romanos, esses manuscritos ficaram escondidos nessas grutas por cerca de 2000 anos, até serem encontrados “acidentalmente” no decorrer dos anos 1947 a 1954. Isso nos proporcionou conhecer bem mais de perto a comunidade dos essênios, e consequentemente todo contexto dos séculos 2 AEC até a década de 60 EC.

Baixe um arquivo PDF com mais detalhes sobre os essênios e as descobertas dos manuscritos do Mar Morto aqui. Você pode compartilhar tanto o presente artigo como o PDF e usar em suas pesquisas também.

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6 Comments

  1. Ueliton Oliveira Ueliton Oliveira

    A melhor explanação que já li sobre os essenios e a grande influência que tiveram no cenário judaico do primeiro século. Parabéns.
    🙂

  2. Hector Hector

    Muito bom este artigo sobre os essênios, parabéns pela publicação!

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