Last updated on 16/07/2021
O texto grego do Novo Testamento bíblico é o preferido dos teólogos e tradutores cristãos já há muito tempo, não obstante a existência de um texto em aramaico, o idioma que o Senhor Jesus falava, no qual ele pregou sua mensagem, tão antigo quanto o texto em grego. Quais são as diferenças de um texto grego para o outro? De onde ele veio? Como saber suas origens e confiabilidade? É o que vamos responder resumidamente nessa pesquisa.
Os manuscritos em grego existentes do novo testamento são cerca de 5600. Isto mostra como o texto grego foi bastante difundido na Ásia menor (atual Turquia), na Antiga Macedônia (onde estavam Tessalônica e Filipos), Grécia (onde estava Corinto) e por fim grande parte do continente europeu (Roma e Espanha). Ao chegar nas américas, porém, já tínhamos os recursos de impressão e os textos compilados, isto é, unificados num só volume. Veja, portanto, as principais áreas de reprodução do texto grego do Novo Testamento nas áreas “carameladas” no mapa abaixo.
De todos estes manuscritos, os mais antigos são datados próximos ao período medieval, ou seja, datam do século 4 em diante.
São pelo menos 2 os principais grupos de manuscritos do texto grego do Novo Testamento estudados pelos especialistas e linguistas:
- os manuscritos bizantinos e
- os alexandrinos.
O primeiro grupo foi muito usado e difundido pelas regiões aos arredores do Mar Mediterrâneo, na Turquia, Itália, norte de Israel (atual Jordânia) e outras. O segundo grupo é de origem de Alexandria, no Egito.
Em destaque deste segundo grupo estão os códices Vaticanus e Sinaiticus, que são os principais usados na tradução do NT das Bíblias modernas (NVI, NVT, NAA, ARA, TB, KJA, etc.). Eles são como grandes cadernos contendo quase todo o texto bíblico.
Com o passar do tempo o texto grego do Novo Testamento encontrado nestes manuscritos foi sendo compilado (unificado) em um volume só, até que hoje em dia nós temos pelo menos 4 principais compilações dele, vejamos:
- Textus Receptus. A primeira, também chamada de Texto Recebido, criada em 1516 por Erasmo de Roterdã, que reuniu praticamente tudo que se conhece dos manuscritos.
- Texto majoritário. Esta compilação reúne somente os textos que aparecem na maioria dos manuscritos. Com isso alguns trechos, até muito conhecidos, ficaram de fora por não aparecerem em um número maior de manuscritos, como uma parte do diálogo do Senhor com Paulo em Atos 9. Compare na NVI e na ACF, por exemplo.
- Nestle Aland 1904. Esta é a compilação de preferência dos tradutores modernos, pois ela geralmente traz o texto que consta nos manuscritos mais antigos, julgando eles serem estes os mais próximos do que o texto do NT verdadeiramente é.
- Família 35. Uma compilação mais recente produzida pelo PhD Wilbur Norman Pickering. Segundo ele, essa é a melhor linha de transmissão dos manuscritos gregos, a mais coesa e completa. Ele acredita ser essa a exata redação original do Novo Testamento.
Quanto à data de redação dos manuscritos do texto grego do Novo Testamento.
Como vimos, os manuscritos mais antigos são datados do século 4, que compreende do ano 301 ao 400. No entanto, uma minoria de fragmentos de papiros é de um período anterior, que são os nomeados P52, P90 e P104. Estes três fragmentos de manuscritos em grego datam do século 2 EC e contém apenas trechos dos evangelhos.
Os manuscritos bizantinos mais antigos, por outro lado, que fazem parte do texto majoritário, são datados do século 8. Já os manuscritos que compõe a Família 35 elaborada pelo Wilbur Pickering são datados dos séculos 11 e 12, como ele mesmo explica em uma de suas palestras.
A importância da língua grega no 1º século.
O grego bíblico, e nomeadamente o grego do Novo Testamento, não é apenas uma língua exclusiva da Sagrada Escritura; ela é antes uma língua de génio popular, uma língua viva durante cerca de dez séculos.
Com as conquistas de Alexandre, o Grande, no século 4 AEC, a cultura e língua grega se tornaram populares por quase todo oriente médio e até no sul da atual Europa. O mapa abaixo mostra a extensão do território alcançado por ele.
O grego bíblico (koiné), era a linguagem das relações pessoais, da conversação familiar, compreendida por todos e portanto ideal para nela se escreverem livros que deviam ser, pelo fim a que se destinavam, inteiramente populares.
O grego neotestamentário é também uma língua literária. Nela se escreveram, além dos Livros Sagrados, contratos comerciais, inscrições religiosas e profanas, fórmulas de magia, cartas particulares, etc.
Dela se serviram os historiadores Políbio (203 – 120 AEC), Dionísio de Halicarnasso (séc. 1 AEC), Estrabão (63 – 23 AEC), Filo de Alexandria (20 AEC – 50 EC), Flávio Josefo (37 – 100 EC), Plutarco (46 – 120 EC), os pais da Igreja, etc.
Haviam alguns dialetos diferentes da língua grega que contribuíram para escrever algumas palavras no Novo Testamento bíblico. Vejamos:
São jônicos (uma das quatro principais tribos gregas antigas) os termos:
- εκτρωμα – ektroma (aborto, feto abortivo, nascido fora de tempo), 1 Cor. 15:8;
- ἀπαρτισμός – apartismos (conclusão), Lc 14:28;
e as formas:
- οστεα – ostea (ossos), Lc. 24:39:
- οστεων – osteon (ossos), Heb. 11:22:
- αφεωνται – apheontai (enviar para outro lugar, mandar ir embora ou partir, etc.), Lc 5:20:
- ῥύμη – rume (rua estreita, beco), Mt 6:2; Lc. 14:21;
- κράββατος – krabbatos (leito pobre), Mc. 2,4, 12; 6:55; Jo. 5:8;
Fenícios:
- βυσσος – bussos (linho fino), Lc 16:19: Ap 18:12;
- ἀῤῥαβών – arrhabon (sinal, penhor), 2 Cor. 1:22; 5:5;
Persas:
- ἀγγαρεύω – aggareuo (requisitar), Mt. 27:32;
- μαγοι – magoi (magos), Mt 2:1;
- γαζα – gaza (tesouro público), At 8.27;
- παράδεισος – paradeisos (paraíso), Lc 23:43.
Não obstante aos termos emprestados de outros dialetos/idiomas, o hebraico e o aramaico foram os que mais influenciaram na redação do texto grego do Novo Testamento.
E não era de ser para menos, pois estes idiomas eram falados naturalmente pelo povo judeu, de quem vieram nosso Senhor, as Escrituras e nossa salvação (vide Jo 4:22; Rom. 9:4-5).
E mesmo os que tinham nascido fora da Palestina, como Paulo e Lucas, tiveram uma cultura hebraica.
Acrescente a isso, ainda, que o arameu palestinense (ou aramaico galileu) foi a língua do Senhor. Foi neste idioma que ele expôs sua mensagem. A versão grega do evangelho de Marcos, por exemplo, foi o que mais conservou expressões do idioma original falado pelo Senhor. Mas quase todos os outros escritos neotestamentários também o tem.
Versículos do Novo Testamento em grego com expressões hebraicas e aramaicas:
- Maranata:
- Abba, expressão aramaica que significa “pai”. No hebraico é “ab” ou “av”:
- Amén, um acrônimo hebraico:
- Mat. 6:13;
- Rom. 1:25; 9:5; 11:36; 15:33; 16:24, 27;
- 1ª Cor. 14.16;
- 2ª Co 1.20;
- Gál. 1:5; 6:18;
- Ef 3:21;
- Fil. 4:20;
- 1ª Tim. 1:17; 6:16;
- 2ª Tim. 4:18;
- Heb. 13:21;
- 1ª Pe 4:11; 5:11;
- 1ª Jo 3:11, 18, 23; 4:7;
- 2ª Jo 1:5;
- Jd 1:25;
- Rev. 1:6, 7; 3:14; 5:14; 7:12; 19:4; 22:20;
- cf. a origem da palavra em Deut. 27:15, 16.
- Aleluia (Halellu-Yah), isto é, “Louvai a Yah”.
- Hosana:
- Mat. 21.9, 15;
- Mar. 11.9, 10;
- Jo 12:13.
- “Eloi, Eloi, lama, sabactani“, uma expressão aramaica, citação do Salmo 22.
- Efatá, expressão aramaica:
- Talita cumi, também de origem aramaica:
- Raboni:
- O apelido “Barnabé” também é de origem aramaica;
- A expressão “raka” de Mat. 5:22, também é de origem aramaica.
- Simão Bar-Jonas, nome cuja origem também é aramaica (Simão, filho de Yoná).
- O nome “Cefas” que aparece nas traduções do texto grego do Novo Testamento, e com o qual Shaul (o apóstolo Paulo) se dirigia a Simão (Pedro), também é de origem aramaica:
- Jo 1:42; 1 Cor. 1:12; 3:22; 9:5; 15:5; Gál. 1:18; 2:9, 11, 14.
- Obs.: De fato, “Kefa” é o apelido que o Senhor dá a Shimon (Simão), e não “Pedro”, que é de origem grega. Pois o Senhor não se comunicava em grego com seus discípulos, nem pregava sua mensagem em grego, mas em aramaico/hebraico, vide Atos 26:14, por exemplo.
- Gábata:
- Rabi, rabi, uma expressão aramaica:
- Geena:
Obs.: Geena é erroneamente traduzido por “inferno” nestes trechos citados acima.
A expressão grega geena é encontrada 12 vezes no texto grego do Novo Testamento (a Tradução Brasileira os conservou, bem como a Bíblia de Jerusalém), e geralmente é traduzida por “inferno”. No entanto, seus significados são completamente diferentes.
“Geena” é proveniente do hebraico “gueyhinnom”, isto é, vale de Hinom. Este vale se localizava (e ainda se localiza) ao sul de Jerusalém (cf. Jos. 15:8; 18:16; 2º Rs 23:10; 2º Crôn. 33:6). Lá era queimado o lixo da cidade com enxofre e fogo (cf. Jer. 7:32; 19:6,7). Além disso, havia vários sepulcros no local. Como era colocado fogo ali constantemente e os vermes comiam os cadáveres e os lixos que não eram alcançados pelo fogo, ele tornou-se um símbolo à destruição final dos ímpios (cf. Mar. 9:43,44 na Tradução Brasileira ou Bíblia de Jerusalém).
O Mestre por várias vezes faz referências a este local, as vezes se dirigindo aos fariseus hipócritas, com o intuito de dizer que eles não herdariam a ressurreição da vida eterna, o que era a esperança deles (vide Atos 23:6-8).
A língua grega dos tempos bíblicos e o Império Romano.
É certo que os romanos reduziram a Grécia a uma província romana sob o nome de Acaia (cf. At 18:12; Rom. 15:26). Eles também apoderaram-se do Egito e dos países helenizados da Ásia Menor (cf. At 2:9; 6:9; 16:6; 19:22; 1 Pe 1:1). Dominaram ainda a Mesopotâmia (cf. At 2:9; 7:2).
No entanto, em virtude da difusão e da superioridade da cultura grega, o latim nunca se impôs no Oriente. A superioridade da cultura grega sobre a romana não permitiu romanizar a Grécia, mas pelo contrário, Roma foi grecizada. Foi ainda Roma que favoreceu a expansão do grego no Ocidente e preparou os caminhos ao Cristianismo (religião oficial do Império à partir do séc. 4 EC).
Uma das provas da influência da língua grega sobre a romana (o latim) na tradução do NT bíblico é o termo “christos”. Este é uma tradução do original hebraico “mashiach” que significa “ungido”. No latim, a tradução seria “unctus”, conforme aparece em Levítico 4:3, por exemplo. No entanto, no 2º e 4º séculos EC, quando se fizeram as principais traduções bíblicas para o latim, em vez de se traduzir para “unctus” conservou-se o termo grego “Christus” e suas variações suavemente latinizadas. Mas essa versão era usada somente quando se referia ao Senhor, vide Mar. 1:1. E dessa forma erroneamente pensamos que “Cristo” é o sobrenome do Senhor.
O grego era mesmo o meio de comunicação entre as longínquas partes do Império Romano e a capital.
Clemente Romano (talvez seja este o mencionado por Paulo em Filipenses 4:3), escrevendo de Roma para os crentes em Corinto, o fez também em grego. O Pastor de Hermas, também escrito em Roma, foi redigido em grego. Em grego também foram redigidas e gravadas muitas das inscrições das Catacumbas.
Algumas frases romanas (latinas) porém, influenciaram a língua grega da época, e muitas delas estão registradas no Novo Testamento. Algumas destas conhecemos, elas são:
- κεντυρίων – kenturiōn (centuriâo), Mc 15:39. 44;
- λεγεών – legeon (legião), Mt 26:53; Mc 5:9; Lc 8:30;
- κολωνία – kolonia (colónia), At. 16:12;
- δηναοιον – denarion (denário), Mt 18:28; Mc 6:37; Jo 6:7;
- κῆνσος – kensos (tributo), Mt 17:25; Mc 12:14;
- κοδράντης – kodrantēs (quadrante), Mc 12:42;
- σπεκουλάτωρ – spekoulatōr, (carrasco, executor), Mc 6:27;
- φραγέλλιον – phragellion (instrumento de flagelação), Jo 2:15.
Os discípulos de fala grega.
A comunidade de discípulos do Senhor de fala grega começou a crescer cerca de 8 anos após a ressurreição dele (anos 40-41, segundo a BKJ de Estudo Holman). A perseguição causada pela morte de Estêvão contribuiu muito para isso.
Leiamos este relato:
“Os que foram dispersos a partir da perseguição que começou com a morte de Estêvão se espalharam até a Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a palavra a ninguém que não fosse judeu. Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao Senhor.” (Atos 11:19-21)
O versículo 26 relata ainda que Paulo e Barnabé ficaram ensinando uma numerosa multidão daquela comunidade durante um ano. Neste caso é natural imaginarmos que os crentes de fala grega dali usavam a Septuaginta grega para consultar a Torá e os profetas, já que estas eram as Escrituras de seu tempo e nem todos os livros do Novo Testamento ainda haviam sido escritos.
Nesta ocasião e nesta mesma cidade, os discípulos foram pela primeira vez chamados de “cristãos”, isto é, christianos, um vocábulo proveniente da língua grega (Χριστιανός). Embora eles mesmos não tenham se nomeado assim, mas os cidadãos dali, de modo depreciativo, ou seja, para ridicularizá-los ou zombar deles. Haja vista que Simão Pedro relata este mesmo nome, “cristãos”, no capítulo 4 versículo 16 de sua primeira carta, afirmando que seus irmãos na fé estavam sendo ridicularizados com isso. O rei Agripa também tenta ridicularizar Paulo citando este nome em Atos 26:28. Apesar disso, podemos ver no versículo seguinte que o apóstolo, de certa forma, se identifica com este título, pois ele se referia certamente à sua ligação com o Ungido de Israel, identificando-se como seu seguidor.
Essas são as únicas 3 vezes que o nome “cristão” aparece no texto grego do Novo Testamento (ou “escritos dos nazarenos”, cf. At 24:5).
Somente a partir do 3º século, com os pais da igreja, é que os crentes começam a se chamar por este nome, tendo em vista que Eusébio de Cesareia, historiador desta mesma época, chama o nome de “novo”. Ele diz em seu livro, História Eclesiástica:
“E, de fato, embora sejamos evidentemente um novo povo, esse novo nome de cristãos vem se tornando conhecido de todas as nações.” (História Eclesiástica, pág. 26)
Com o crescimento da comunidade de fala grega, ao traduzir-se os escritos nazarenos para o grego, novas palavras nessa língua foram criadas (a partir de algumas já existentes) a fim de explicar conceitos da fé e mensagem do Senhor. Vejamos algumas delas:
- ἀλλοτριεπίσκοπος – allotriepiskopos (intruso, falso bispo/supervisor/ancião), 1 Pe 4:15;
- ψευδαπόστολος – pseudapostolos (que ensina sem autoridade, falso apóstolo), 2 Cor. 11:13;
- ψευδάδελφος – pseudadelphos (falso irmão), 2 Cor. 11:26;
- ψευδοπροφήτης – pseudoprophetes (que falsamente se intitula profeta de Deus), Mt 24:11. 24; Mc 13:22).
As seguintes palavras receberam significados relacionados a mensagem do Senhor:
- εὐαγγέλιον – euaggelion (evangelho, pregação de Jesus e dos apóstolos. Esse vocábulo já era usado antes e significa apenas “boas novas” ou “boas notícias”. Ele foi então substantivado no português como “evangelho”, isto é, a mensagem do Senhor e de seus apóstolos a respeito dele), Mt 4:23; Mc 1:14.
- πειρασμός – peirasmos (tentação), Mt 6:13; Mc 14:38; Lc 4:13);
- οδος, hodos (caminho – no sentido de ensino), Jo. 14:6;
- σκάνδαλον – skandalon (escândalo, tropeço, ação que induz ao pecado), Mt 18:7; Rom. 11:9;
Fim.
Fontes de consulta:
- Particularidades do grego do Novo Testamento, por Antonio de Brito Cardoso.
- Dicionário Bíblico Strong.
- Wikipédia, a Enciclopédia Livre.
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13 Comments
[…] bíblica original que foi traduzida por “adorar” em muitos casos. Aliás, o próprio texto bíblico em grego de João 4:23 traz a palavra proskunétés (προσκυνητής), que é proveniente de […]
[…] texto em grego dos Escritos Nazarenos (os escritos dos discípulos do mestre Yeshua), em Atos 24:5, consta a […]
[…] disso, tem a problemática da insistência em se pensar que o texto grego é o original dos Escritos Nazarenos, que na cristandade foi erroneamente nomeado de “Novo […]